Em parceria com a Rewood e MFMM Arquitetura, a startup ajudou a construir o primeiro edifício de madeira engenheirada do Brasil
por Luiza Vieira,
Da mesma forma que um bebê precisa de nove meses para ser gestado, assim são as ideias. No caso da Urbem, foram necessários três anos até que ela saísse do papel e iniciasse suas operações. Fundada em setembro deste ano, a startup é um spin-off da Amata S/A, empresa nacional de plantio e manejo de florestas certificada pelo Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês). “Em algum momento, quando a Amata completou dez anos, surgiu em seus investidores uma pergunta: ‘e agora, o que nós queremos fazer na próxima década?’” conta Ana Bastos, CEO da construtech. “E da reflexão daquele grupo, ficou muito claro que era importante para a empresa avançar na cadeia de valor e construir uma indústria.”
Bastos conta que o mercado de madeira engenheirada estava ganhando corpo no exterior naquela época — principalmente na Europa — com as primeiras edificações sendo construídas por meio da tecnologia. Apesar de não saberem exatamente como o negócio iria se desdobrar, os investidores viram um potencial para o produto no Brasil. “De 2018 a 2020, a Urbem ficou incubada dentro da Amata, confirmando se havia mesmo um mercado, se a legislação brasileira abraçaria essa tecnologia, qual seria o melhor desenho de indústria para entrar nesse nicho e, neste ano, nós vimos que era o momento de seguirmos de maneira independente”, explica a executiva.
A anunciação do desmembramento veio acompanhada de um aporte de R$ 103 milhões, investimento que será destinado para a montagem da fábrica da Urbem na cidade de Almirante Tamandaré, no Paraná. O início da operação está previsto para o segundo semestre de 2022. Segundo Bastos, a indústria terá capacidade para produzir 100 mil metros cúbicos de madeira, o suficiente para construir 50 edifícios de 10 andares.
Além da compra dos maquinários e equipamentos, a construtech investirá também na contratação de uma equipe multidisciplinar. “Nós devemos terminar o ano de 2022 com 75 pessoas como parte da Urbem. Dois terços dos colaboradores serão para a indústria e um terço será para reforçar as equipes administrativa, comercial e técnica”, afirma Bastos. Hoje, a startup conta com um time de 16 pessoas.
Nos últimos anos, a madeira engenheirada tem atraído investidores, países, empresas e consumidores ao redor do mundo por sua característica sustentável. Em 2017, o governo canadense destinou US$ 39,8 milhões para um programa chamado Green Construction Through Wood, que apoia o uso de madeira em projetos construtivos não tradicionais como edifícios altos e comerciais. No ano passado, a França sancionou uma lei que obriga que pelo menos 50% da estrutura dos novos prédios públicos seja feita de madeira ou de outros materiais naturais.
As medidas vão ao encontro das projeções feitas, que preveem que o mercado global de madeira engenheirada atinja US$ 3,56 bilhões em 2027, de um estimado de US$ 1,710 bilhões em 2020 — uma taxa de crescimento anual de 12%. Na visão de Bastos, o Brasil ainda não está no mesmo estágio que a França, mas acredita que a tecnologia ganhará força visto que “os fundos imobiliários têm pressionado cada vez mais para métodos construtivos aliados ao ESG [ambiental, social e governança] e a madeira engenheirada casa muito bem com essa necessidade de mercado”. Segundo a empresária, no período entre 2017 e 2019, a Urbem avaliou cerca de 50 mil metros quadrados de projetos e a expectativa é que este número chegue a 1,2 milhão de metros de área no ano que vem.
Apesar do cenário otimista, pesquisadores questionam se a exploração madeireira e a manufatura necessárias para produzir a madeira engenheirada não está transferindo o impacto ambiental para outro lado. Bastos acredita que não. “O Brasil tem hoje aproximadamente 12 milhões de hectares de florestas plantadas de pinus e eucalyptus, mas temos o equivalente a 12 milhões de hectares de pastagens degradadas que, na verdade, causam mais dano ambiental do que benefício e que poderiam ser reflorestadas”, afirma. “Essa área está disponível, mas por que não se planta? Porque eu preciso de um mercado que consuma essa madeira de uma maneira interessante, coerente e que permita uma rentabilidade boa para a cadeia. Se o mercado de construção civil adotar a madeira engenheirada e incorporá-la em até 10% da sua matriz, isso vai trazer um ganho enorme para o país.”
O cliente da Urbem é a marca de chocolates Dengo. Fundada em 2017, a startup é conhecida pelo seu modelo “bean to bar” — da amêndoa do cacau ao tablete de chocolate — e utiliza ingredientes 100% brasileiros. Atualmente, a loja possui 19 unidades espalhadas em quatro estados diferentes.
Pautada em seu principal pilar, a sustentabilidade, a Dengo tinha o desejo de construir sua mais nova loja, localizada na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, utilizando madeira. O desafio era grande, pois, até então, o Brasil não possuía nenhum edifício multipavimento erguido com a matéria-prima.
O projeto teve início em 2020 e foi desenhado por Matheus Farah e Manoel Maia, da MFMM Arquitetura. Ainda incubada na Amata/SA, a Urbem auxiliou com todo o desenvolvimento técnico e com o fornecimento das lajes feitas de madeira laminada cruzada — mais conhecida como CLT. “Como nós não tínhamos uma fábrica na época, nós importamos o produto da nossa parceira KLG que, na Europa, foi a desenvolvedora da tecnologia de CLT, para que pudéssemos testar como funcionaria na prática”, explica Bastos.
Já as vigas e as colunas ficaram sob responsabilidade da Rewood, fabricante nacional da madeira lamelada colada (MLC). A diferença entre as tecnologias — ambas de eucalipto e pinus oriundas de áreas de reflorestamento — é que a primeira é produzida pela união de pelo menos três camadas de madeira coladas entre si de maneira ortogonal, ou seja, cada superfície é colada com a fibra aplicada a um ângulo de 90 graus em relação à anterior. A MLC, por sua vez, é feita a partir da união de lâminas de madeira coladas uma sobre a outra com as fibras paralelas.
Bastos afirma que, passado o processo de planejamento, o tempo de execução da construção em si foi impressionante. “Um prédio de quatro andares que, numa situação convencional, demoraria cerca de quatro meses para ser construído, foi erguido em três semanas, com apenas três pessoas montando”, conta. Localizado na Avenida Paulista, próximo ao Instituto Tomie Ohtake, o espaço da Dengo possui uma área construída de 1.499,38 metros quadrados. Para o projeto, foram utilizados 150 metros cúbicos de CLT e 233 metros cúbicos de madeira lamelada colada.
Para a CEO, o case foi uma ótima forma para validar conceitos que ainda estavam um tanto nebulosos para a startup, como as questões regulatórias de licenças e aprovações da tecnologia no Brasil. Além de ser mais rápida e silenciosa, Bastos ressalta a redução de resíduos como um dos grandes benefícios de utilizar a madeira engenheirada como solução construtiva em oposição à matriz convencional de materiais.
A experiência que nós tivemos tanto na Dengo quanto com bases em estáticas que acompanhamos lá fora, é que a madeira engenheirada quase não gera resíduo porque as placas que são produzidas na fábrica já servem para alimentar a caldeira, então esse resíduo tem esse valor energético garantido na indústria. E o que vai para o canteiro já está recortado no formato do projeto, então, você apenas monta e não deixa resíduo na obra.”