Confira uma análise com diferentes especialistas da cadeia de alimentos sobre as tendências em proteínas alternativas.
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Não parece exagero afirmar que, ao longo dos últimos anos, temos vivido uma verdadeira disrupção quando pensamos na indústria alimentícia, seja por meio do surgimento de novos alimentos e pesquisas que desenham as tendências da alimentação do futuro; seja pelo reposicionamento de marcas e incentivo a novos modelos de consumo; os quais, por sua vez, atendem às demandas de uma sociedade que, de modo cada vez mais incisivo, se preocupa com o que come.
E tal preocupação, além da saudabilidade, leva também em conta questões que envolvem desde ética à transparência de origem, passando pelo respeito à vida animal, sustentabilidade e, claro, a qualidade daquilo que é oferecido à mesa. Não é por acaso, portanto, que vemos, por exemplo, o aumento expressivo do consumo de alimentos orgânicos ou o crescimento da busca por alimentos saudáveis, com o Brasil ocupando a 4º posição no ranking da Euromonitor que mede a venda destes itens no mundo.
É dentro de todo este contexto de transformação que vemos se consolidar, no Brasil e no mundo, a indústria de alimentos plant-based (à base de plantas) que oferece uma alternativa para as proteínas de origem animal e atrai, hoje, não só adeptos de dietas veganas ou vegetarianas, mas consumidores preocupados com questões como as que listamos acima.
Tendo movimentado mais de US$ 10 bilhões globalmente em 2020 e com perspectivas para um crescimento médio de 7,1% ao longo dos próximos 5 anos, o mercado plant-based tem sido um dos tópicos mais discutidos da indústria alimentícia quando analisamos as inovações capazes de criar novos paradigmas para este segmento e para a própria sociedade.
Mas o que o futuro reserva para este mercado? Estamos diante de uma inovação capaz de se democratizar e contribuir, inclusive, para o surgimento de novos hábitos alimentares na população como um todo?
Para Sérgio Pinto, diretor de inovação da BRF, a resposta para a segunda questão é positiva e a tendência é de que a indústria de alimentos plant-based ganhe abrangência no Brasil e no mundo.
"Os grandes players do setor, inclusive a BRF com a Linha VEG&Tal, já entenderam que esse movimento veio para ficar e se consolidar. E vem trabalhando em tecnologias para democratizar, melhorar a performance de sabor e textura, para assim entregar uma experiência cada vez melhor para os consumidores. O principal benefício é o aumento da quantidade de opções e soluções de alimentação para o consumidor brasileiro, atendendo as necessidades de diferentes grupos. Ainda há muito o que evoluir em termos de acesso, mas o consumidor brasileiro já dispõe de muito mais alternativas do que há 2 anos atrás, além de produtos com alta qualidade e muito saborosos."
Pensando em perspectivas, Gustavo Guadagnini, diretor do The Good Food Institute, enxerga nas proteínas alternativas às de origem animal um papel-chave para a alimentação do futuro – inclusive, com o Brasil assumindo um papel protagonista nesta nova conjuntura.
"As tecnologias de proteínas alternativas surgem como uma forma mais sustentável, ética e saudável de se produzir a quantidade de proteínas necessária para alimentar os quase 10 bilhões de humanos que viverão no planeta Terra até 2050. É muito mais do que atender um nicho de vegetarianismo; estamos falando em soluções tecnológicas que nos permitam alimentar o mundo do futuro, sem destruir o meio ambiente ou explorar animais. Nesse contexto, o Brasil pode assumir imenso protagonismo – e já caminha a passos largos nessa direção. Nosso primeiro análogo de carne foi lançado em maio de 2019 e em pouco mais de um ano, pudemos ver uma explosão de marcas, empresas e produtos aparecendo para atuar nesse setor. Atualmente, nosso país já exporta esse tipo de tecnologia para cerca de 10 países e acreditamos plenamente que temos todo potencial para liderar o mercado global de proteínas alternativas."
Todo este potencial do mercado plant-based, aliás, já vai além da substituição da carne e começa a competir com outros produtos de origem animal. É o que explica Ana Carolina Bajarunas, CEO da Builders e idealizadora do Foodtech Movement.
"Sem dúvida a reinvenção da proteína animal continua no foco e o que vivemos nos últimos anos com as carnes começa a acontecer com os lácteos. Tanto em número de empresas construindo esse novo mundo a base de plantas para leites, manteigas, cremes e afins, quanto em foco de grandes investimentos. E em plant-based o Brasil avançou bem nos últimos anos, em especial no ano passado. Temos opções a base de plantas para carnes variadas, de vaca, frango e porco aos frutos do mar; mas também para leites, queijos, sorvetes, snacks. Não só o sortimento melhorou muito mas também a qualidade, no que tange a textura e sabor."
Em toda esta rota de fortalecimento do mercado plant-based, as startups têm assumido um papel de destaque e, em muitos casos, a dianteira de um segmento guiado pela inovação. É o caso da Notco, startup chilena que, no último mês de setembro recebeu US$ 85 milhões em aportes em uma rodada de investimentos e mira no crescimento no Brasil. Ciro Tourinho, general manager da NotCo no Brasil, explica o papel da tecnologia no processo de crescimento da startup que, atualmente, é avaliada em US$ 250 milhões.
"Ainda há muito espaço para crescimento no segmento plant-based, um mercado embrionário que a indústria está começando a desbravar. Para os próximos anos as expectativas são enormes. E não só as startups têm percebido isso, grandes empresas também passam a investir em tecnologia para atender à essa nova demanda. Especificamente sobre a NotCo, tecnologia e inovação são alguns dos nossos pilares. Temos o Giuseppe, nosso o algoritmo de IA. Com ele, conseguimos acelerar o processo de pesquisa e desenvolvimento de alimentos, explorar um número muito maior de vegetais do que é explorado hoje pela indústria tradicional e chegar em receitas que vão resultar em alimentos que replicam, quase à perfeição, qualquer produto de origem animal."
Como vimos no início, a busca por uma alimentação saudável tem crescido no Brasil. E, para Cristina Souza, CEO da Gouvêa FoodService, os alimentos de base vegetal contribuem, ainda, com o propósito de se levar mais saúde a população.
"55,7% da população brasileira está acima do peso, sendo que desse total aproximadamente 20% está formalmente enquadrado em obesidade. Assim, oferecer alimentos que contribuam positivamente para a saúde das pessoas é mais do que um caminho deveria ser o propósito de todos os elos do setor. Cias internacionais investem fortemente na produção de alimentos base-vegetal que, em sua maioria, são mais saudáveis e ano a ano vemos iniciativas chegarem ao foodservice."
Para atender a todos estes objetivos e explorar também outras demandas da cadeia de alimentos, as novas tecnologias surgidas no âmbito da pesquisa assumem um papel decisivo, conforme explica Sérgio Pinto.
"O Brasil ainda tem muito potencial para explorar a aplicação de novas tecnologias, principalmente em Deep Science, e na colaboração indústria-academia. Somos referência em alguns temas ligados ao mercado de alimentação em produção científica, mas não exploramos o uso comercial destas tecnologias a contento. Urge conectar os fortes centros de pesquisa e academia ao setor privado. Não focando apenas em FoodTechs e AgTechs mas em soluções para os problemas da cadeia como um todo."
Cristina Souza destaca também a contribuição da inovação aberta para que a indústria de alimentos possa colher os frutos da inovação.
"A cultura da inovação aberta e parceria com startups permitirá acelerar processos, um olhar de que os protocolos de inovação não precisam ser tão rígidos, formais e fechados em estruturas, muitas vezes tradicionais, permitindo às indústrias de alimentos e operadores, especialmente, colherem frutos mais rapidamente. Outros elos da cadeia como brokers e distribuidores começam a identificar o potencial de aceleração de negócios a partir de informações capturadas e processadas por startups especializadas em delivery, por exemplo. Ou seja, finalmente o foodservice dá sinais de que está no jogo e que dia a dia se tornará ainda mais digital."
No entanto, para que haja um real fortalecimento das FoodTechs (startups do mercado de alimentos) e, consequentemente, das parcerias de inovação aberta e do desenvolvimento tecnológico na indústria alimentícia, alguns desafios importantes precisam ser superados. É o que ressalta Ana Carolina Bajarunas.
"Um país destas proporções e diferenças culturais e socioeconômicas não consegue fazer uma revolução em pouco tempo. Desde que começamos a nos mexer trazendo tecnologia e inovação para a cadeia agroalimentar estamos caminhando no ritmo que nos cabe. O fato da grande maioria da população não ter acesso a estas inovações, nem por informação e muito menos pela parte financeira, faz com que esse crescimento não seja tão massivo quanto poderia. Isto já está na pauta das principais Foodtechs do país que tem evoluído por fases, ou seja, primeiro colocam o produto no mercado, depois ajustam características do mesmo para alcançar um padrão desejável de saudabilidade e sabor e por fim, conseguir chegar na paridade de preços para que esta oferta esteja disponível para mais e mais pessoas e possamos ser mais competitivos."
Neste processo de desbravamento de mercado e democratização dos alimentos plant-based, uma estratégia interessante envolve a oferta de opções que entregam ao consumidor uma experiência semelhante ao que vivencia hoje em termos de sabor e da própria relação emocional com a comida. É o que explica Ciro Tourinho.
"A expansão do mercado plant-based traz consigo diversos produtos que entregam ao consumidor as mesmas características sensoriais, de sabor, aroma e textura, que ele já está acostumado, preservando a relação emocional dele com o alimento e, portanto, fazendo com que ele não precise abrir mão do que gosta para adotar uma dieta com menor consumo de proteína animal. No fundo, essa tendência é uma resposta a pressão que a sociedade tem feito à indústria alimentícia e, uma vez que cresce a consciência sobre a cadeia produtiva, mais opções que tirem o animal da cadeia alimentar se fazem necessárias."
Mas a tecnologia em se tratando de alimentos – observa Gustavo Guadagnini – deve ser encarada a partir de uma perspectiva particular, que leve em consideração os fatores culturais envolvidos nos hábitos alimentares da população humana.
"O mercado de alimentação não pode ser analisado da mesma forma que o mercado de tecnologia em geral. Comida é cultura, é tradição, é literalmente o que dá vida às pessoas. Então existe um outro viés, que é o de inovar e trazer novas tecnologias ao mesmo tempo em que as pessoas possam manter seus hábitos e tradições culturais. Nós sentimos que há um fracasso de novas tecnologias que tentam simplesmente mudar a forma como as pessoas interagem com a comida e há muito sucesso naquelas tecnologias que estão mudando a cadeia de produção, mas permitindo que os consumidores mantenham suas tradições – como é o caso das carnes vegetais análogas: o produto visa ter o mesmo sabor de sempre, porém com uma tecnologia mais sustentável e ética. O mercado brasileiro está pronto para embarcar novas tecnologias, porém o nível de exigência é alto: o consumidor espera saudabilidade, preço competitivo e espera comer aquilo que gosta, mantendo seus hábitos e tradições alimentares."
Atender, pois, a essas demandas de um consumidor exigente e atento a tudo que consome, inclusive no plano da alimentação, é um desafio que o mercado de alimentos plant-based precisará superar para, de fato, se democratizar e conquistar protagonismo em uma indústria em pleno movimento de transformação.