Confira uma análise com diferentes especialistas da indústria de alimentos sobre as tecnologias que movem o mercado de alimentos saudáveis e de dietas personalizadas no mercado brasileiro.
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Afirmar que a inovação e a aplicação de novas tecnologias relacionadas à indústria de alimentos atingiu um ponto interessante de maturidade não parece nenhum exagero. Para termos uma ideia, após um amplo crescimento dos investimentos em inovação ao longo dos últimos anos, o mercado global de food techs atingiu o expressivo número de US$ 220,3 bilhões em faturamento no ano de 2019 e deve crescer de modo sólido a uma média 6% até 2027, podendo atingir mais de US$ 342 bilhões em investimentos. Os dados são da Emergen Research.
Todo este contexto abre espaço para o surgimento de novas startups, inclusive no Brasil. Segundo mapeamento da Liga Ventures atualizado este ano, o país já conta com 445 foodtechs atuando nos mais diversos nichos – do desenvolvimento de novos alimentos a tecnologias voltadas para a gestão de resíduos e descarte.
E um dos motores que movem este aquecido mercado de startups inclui um campo que, por sua vez, tem sido protagonista na quebra de paradigmas da indústria de alimentos em si. Estamos falando do setor de alimentos saudáveis e de nichos que com ele se relacionam (indústria plant-based; indústria fitness; alimentos não-alergênicos); os quais, em conjunto, nos permitem pensarmos no conceito de hiperpersonalização alimentar/nutricional.
Para discutirmos as oportunidades de inovação e o papel da tecnologia diante deste cenário, reunimos uma série de especialistas do mercado brasileiro de alimentos, buscando formar um painel diverso que nos forneça uma análise fiel sobre os rumos da nutrição personalizada no país.
Para Renata Afonso, gerente de insights da Danone Nutrícia, a indústria de alimentos vive um momento de plena mudança em que a busca pela saudabilidade se une com a busca pela praticidade e pelo sabor.
"A consciência sobre uma alimentação saudável se intensificou nos últimos anos atrelada a uma visão mais holística sobre saúde e bem-estar, mas há um detalhe importante: no passado as pessoas buscavam saudabilidade; hoje vemos que elas querem saudabilidade, conveniência, sabor e acessibilidade, tudo junto. Não dá mais para as empresas escolherem isto ou aquilo, o consumidor quer, cada vez mais, fazer escolhas inteligentes, que sejam convenientes e saudáveis ao mesmo tempo. Isso é uma quebra de paradigma importante, pois, no Brasil, temos o hábito do imediatismo, de pensarmos mais no curto prazo; mas, nos últimos tempos, vemos que as pessoas estão começando, cada vez mais cedo, a se preocupar com a saúde para chegar bem no futuro, por meio de uma visão de prevenção e cuidado ainda maior."
Segundo Alexandre Tarifa, CEO e sócio da Tech.Fit – principal empresa do mercado de aplicativos focados em autosaúde, alimentação e vida saudável que recentemente foi adquirida pelo Grupo RD (Raia Drogasil) – todo o aquecimento do mercado de alimentos saudáveis e da busca por dietas mais personalizadas advém do maior acesso à informação que empoderam os consumidores brasileiros.
"O principal motivador é o conhecimento. Pouco tempo atrás as pessoas não tinham a menor ideia sobre restrições e intolerâncias, por exemplo. Com esse conhecimento as pessoas passaram a buscar soluções precisas para suas necessidades. A personalização alimentar vai crescer muito nos próximos anos ampliando também questões ambientais, objetivos pessoais, estilo de vida, etc. A quantidade de SKU’s que teremos dentro deste mercado nos próximos anos será exponencial, além da evolução de produtos de nutrição personalizada, com suplementação, que vai entregar produtos baseados na necessidade de cada pessoa. Esse movimento vem para atender as exigências e as necessidades do consumidor, que está mudando seus hábitos alimentares, inclusive durante a pandemia, em busca de mais saúde e, no caso da dieta vegana e da flexitariana, da preservação do meio ambiente. É um nicho que continuará em expansão nos próximos anos."
Bárbara Andrade, fundadora e CEO da Alimentos Convitta – startup que produz opções congeladas plant-based – acredita, por sua vez, que esta mudança de prioridade dos consumidores traz oportunidades para as pequenas marcas e startups da indústria de alimentos; tanto no mercado B2C, quanto no eixo B2B.
"Muitos consumidores têm migrado seu consumo de grandes marcas para marcas menores por qualidade de produto e para beneficiarem o comércio local. Além disso, acredito que o boom de carnes análogas que tivemos no Brasil em 2019 contribuiu para consumidores assíduos de carne animal provarem esses produtos e se abrirem para provar demais produtos de origem vegetal. Nosso principal público é composto pelos chamados flexetarianos, que têm vegetais como base da alimentação e consomem carne eventualmente; além das pessoas que buscam uma vida mais saudável. No âmbito B2B, nossos principais públicos são empórios especializados e hamburguerias. Também temos trabalhado como um “laboratório de inovação”, desenvolvendo novos produtos para White Label de médias e grandes empresas."
Victor Santos, fundador e CEO da Liv UP – um dos principais nomes do mercado de delivery do país que trabalha com refeições congeladas fracionadas, delivery de saladas e pizzas, quitanda e mercado online –, destaca outro ponto importante na mudança de perspectiva do consumidor sobre os alimentos que envolve o interesse crescente sobre a origem dos alimentos que consome.
"Além da preocupação maior com comer bem de forma prática, outra tendência acelerada foi a busca por conhecimento sobre a origem do alimento. Isso reforça que o consumidor demanda confiança por parte dos fornecedores. Ele passa a se preocupar mais com o local onde foi produzido, as formas de produção e todos os impactos que causa, tanto em termos ambientais como sociais."
No caso da Liv Up, buscamos reconhecer a importância e o papel fundamental do agricultor na cadeia de alimentos por meio de parcerias com famílias de agricultores. Essa parceria se dá por meio de um planejamento de culturas e volumes mensais, chamado de Plantio Dedicado. Por meio desse cultivo, buscamos suprir as nossas demandas de produção de frutas, legumes e verduras, além de garantir a venda direta desses produtos in natura para o consumidor final. Conectamos o campo, com produtos orgânicos, à mesa das pessoas, e garantimos a rastreabilidade da origem de matérias primas para que o consumidor final saiba de onde veio o alimento que chega ao seu prato. Além disso, é essa rastreabilidade que, somada à análise de dados, nos permite melhorias constantes na experiência completa do consumidor.”
Refletindo sobre o crescimento do nicho de alimentos sem alergênicos no Brasil, Hélio Oribka, diretor geral da Braven Foods, comenta como a startup de Jaraguá do Sul, SC – que tem ganhado destaque no segmento de panificados sem alergênicos – identificou a oportunidade que permitiu seu fortalecimento no mercado.
"Com a tendência para o crescimento da alimentação saudável e com o advento da legislação que estava sendo elaborada para entrar em vigor em 2015 (RDC 26), estabelecendo os requisitos para rotulagem obrigatória dos alimentos que causam alergias. Nessa nova classificação, reduziu-se drasticamente a oferta de "alimentos seguros", pois não poderiam ser mais produzidos pelas mesmas empresas que produziam com alergênicos, de modo a se evitarem riscos. Mostrando-se Aproveitamos pois a oportunidade de iniciar as atividades exclusivamente com a produção de alimentos saudáveis e sem glúten; sem derivados de leite, soja e ovos entre outros alergênicos."
Segundo Renata Afonso, é importante destacar também a aceleração de novas tendências na indústria de alimentos que foram impulsionadas dentro do contexto de pandemia.
"Uma das grandes tendências aceleradas pela pandemia foi a busca por imunidade e diversos produtos com ingredientes e benefícios para reforçá-la. Há também uma preocupação crescente com saúde mental e, neste sentido, surgem novos produtos para relaxar, neurotrópicos, soluções, em suma, para contribuir com questões mentais/neurológicas. Por conta da alta exposição às telas, a saúde dos olhos se torna outro tema bastante relevante neste cenário que vivemos – e este é um problema que está impactando não só adultos, mas também as crianças por conta de aulas online, jogos, etc. A pandemia também trouxe outro aspecto importante, a questão da segurança alimentar. Neste sentido, a indústria plant-based vem se consolidando muito, evitando riscos relacionados a doenças animais e oferecendo, consequentemente, uma proposta mais saudável. Produtos plant-based têm crescido por oferecerem uma proposta saudável, boa para as pessoas e boa para o planeta. Não podemos esquecer da questão de praticidade e conveniência, as pessoas buscam por produtos e serviços que facilitem a vida no dia a dia, já que agora trabalham em casa, homeschool, estão cozinhando mais em casa e precisam de soluções descomplicadas para o dia a dia."
Todo este ambiente amplia, por consequência, o interesse (e a competição) em dois segmentos cada vez mais discutidos dentro do ecossistema brasileiro de startups: o delivery de refeições – que ganha corpo no terreno da alimentação saudável; e o setor de alimentos com base em proteínas vegetais. Bárbara Andrade reforça a solidez do mercado plant-based no Brasil.
"Gosto de falar que o mercado plant-based não é uma “paleta mexicana” ou seja, não é uma moda; é uma tendência de mercado que cresce mais lentamente, quando comparada a uma moda, mas é uma linha longa, contínua e crescente. Grande parte dos produtos plant-based encontrados atualmente não entrega sabor e saudabilidade ao mesmo tempo e esses são grandes diferenciais nos produtos Convitta. Fomos a primeira foodtech do país a produzir hambúrgueres e petiscos vegetais saborosos com adição de proteína sem soja e rótulo clean label."
Victor Santos reforça, por sua vez, alguns dos vetores que movimentam o delivery de alimentos saudáveis.
"A Liv Up surgiu para resolver um problema cada vez mais atual das pessoas: comer bem de forma diária dá muito trabalho. Em um ano, uma pessoa que fizer 3 refeições ao dia terá que preparar 1095 refeições. No contexto atual isso se tornou ainda mais complexo e a empresa surgiu para propor uma forma diferente de lidar com esse desafio. Por meio da aplicação de tecnologia e inteligência de dados, mapeamos junto ao consumidor todos os desafios desse processo e propomos uma forma diferente de lidar com esse problema. Oferecemos no nosso portfólio uma solução completa para alimentação saudável, gostosa, prática e com impacto positivo, independente da necessidade da pessoa, em todas as refeições. Seja para quem quer cozinhar do zero com produtos frescos da quitanda e mercado online, seja para refeições congeladas fracionadas ou ainda os pratos caseiros que são refeições completas que é só aquecer, por meio de snacks para beliscar ao longo do dia, ou por delivery com saladas e pizzas."
Hélio Oribka destaca outras características do consumidor de alimentos saudáveis e sem alergênicos.
"Pesquisas demonstram que consumidores acima de 58 anos aceitam pagar mais por alimentos considerados saudáveis. Entende-se que nessa fase, já estão mais estabilizados e com mais consciência. Além dos consumidores de dietas saudáveis, temos também aqueles que fazem as dietas intermediárias como por exemplo pela manhã consome frutas com iogurte e granola, mas se dá o luxo de ir ao fast food. Na sua concepção, ele fez uma economia e pode dar-se esse gosto. Outro fator importante, mais específico sobre os alergênicos é que muitas alergias são hereditárias ou contraídas com o tempo, o que deve impulsionar ainda mais o surgimento de novos consumidores neste segmento."
Todo este ambiente impulsiona, por fim, o surgimento de aplicativos e ferramentas que apoiam os consumidores na busca de uma vida mais saudável. É o que explica Alexandre Tarifa.
"Os usuários dos aplicativos da Tech.fit são pessoas que, por diversos motivos, adquiriram a consciência que precisam adotar hábitos saudáveis em suas rotinas e, por reconhecerem a dificuldade de passar por esse processo sem ajuda, buscam nossos aplicativos para ajudá-las nessa jornada. Costumamos dizer que quando um de nossos usuários aperta o botão "instalar" da loja de aplicativos, ele está, na realidade, fazendo um pedido de ajuda para conseguir adotar e manter hábitos saudáveis alinhados a objetivos de saúde. São, em sua maioria, iniciantes nos pilares de autocuidado, tendo seu primeiro contato com informações técnicas e dicas tangíveis para se engajarem em uma transformação sustentável que cabe dentro de sua rotina."
Embora um longo caminho ainda precise ser percorrido para afirmarmos que a população brasileira dá plena preferência para uma alimentação saudável, o fato é que este segmento ganha, cada vez mais, um protagonismo relevante na indústria de alimentos nacional. Protagonismo este que, certamente, conta com uma participação central de startups e novas empresas de tecnologia que, abraçando o risco do desenvolvimento de novas soluções, produtos e serviços, permitem que enxerguemos um futuro com mais saudabilidade, independência e altos níveis de personalização nas dietas dos consumidores do país.