4 de março de 2021 Artigos

Das longas distâncias ao last-mile: a tecnologia e a superação de desafios de distribuição

Confira uma análise com diferentes especialistas da indústria de alimentos sobre os gargalos na cadeia de supply chain e as oportunidades de inovação que podem melhorar a distribuição no país.

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O ambiente logístico brasileiro é composto por contrastes. Ao mesmo tempo em que desafios no plano da infraestrutura ainda oferecem um considerável percalço para as empresas em termos de eficiência e agilidade na distribuição, um movimento de digitalização e surgimento de novas tecnologias – muitas, em resposta a estes mesmos desafios infraestruturais – têm contribuído para um melhor planejamento, ganhos de segurança, controle de perdas e, em suma, para o avanço da da cadeia logística como um todo.

Por sua vez, quando tratamos da indústria de alimentos, tais gargalos parecem ganhar escala, uma vez que estamos falando da distribuição de produtos perecíveis e que precisam chegar em perfeitas condições à mesa dos brasileiros para consumo. Para termos uma ideia, pensando na importância de tecnologias voltadas para o controle de perdas de alimentos na cadeia de distribuição, dados da ONG Banco de Alimentos divulgados pela IstoÉ Dinheiro apontam que 50% dos alimentos separados em colheita se perdem nas fases de manuseio e transporte.

Além disso, falhas nas fases de manuseio e distribuição podem, inclusive, contribuir para a perda de alimentos já disponibilizados no varejo. Um relatório de 2020 da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) aponta que 41% da perda de itens perecíveis está relacionada com a validade dos itens, ao passo que 33%, diz respeito a maturação e improbidade para a venda – fatores estes que podem ser minimizados, por exemplo, com uma gestão informatizada de FEFO na indústria (First Expire, First Out) ou mesmo com tecnologias capazes de expandir, de modo seguro, a validade e o período de maturação dos alimentos.

Para além do controle de perdas, questões como a falta de qualidade nas estradas em muitas cidades e regiões do país, a própria extensão geográfica do Brasil e mesmo os novos modelos de distribuição logística nas cidades diante do crescimento da compra de alimentos por canais digitais e aplicativos formam uma equação que tornam a logística uma prioridade central na realidade das empresas da indústria alimentícia.

Para discutir estes desafios – e a oportunidades de inovação que surgem no esteio deste ambiente complexo – convidamos especialistas do mercado que nos ajudaram a traçar alguns dos caminhos que podem contribuir com a otimização da distribuição de alimentos no país.

Novas tendências de consumo na indústria de alimentos

Para Roy Morales, diretor de Supply Chain da ARYZTA, as mudanças no perfil dos consumidores da indústria alimentícia trazem consigo novos desafios que precisam de respostas tecnológicas por parte das empresas.

"O mercado de alimentos vem mudando no Brasil conforme novas tendências de comportamento no consumo, aumento da demanda pelo mercado de delivery, demanda por produtos considerados mais saudáveis e naturais e demanda por embalagens mais sustentáveis vem ganhando espaço. Tudo isso traz novos desafios na distribuição, de tal forma que a logística passa a ser mais pulverizada, de giro maior e com tempos menores de processamento e transporte. As malhas logísticas precisam ser reavaliadas, na busca pela otimização entre o número de armazéns estendidos e os custos de transferências. Adicionalmente, o uso de tecnologia, com o potencial de aumento de eficiência precisará estar mais presente no dia a dia das empresas. Mas isso também traz consigo questões relacionadas à seleção e definição de em quais linhas tecnológicas investir."

A única certeza é a mudança

Alexandre Barreto, especialista em gestão com passagem por grandes companhias como Bunge, Carrefour e Grupo Pandurata (Bauducco), ressalta o aspecto de transformação nos modelos de consumo e canais de distribuição, reforçando que o contexto pandêmico atual é outro ponto que gera impactos na cadeia de supply chain.

"Vivemos um momento de incerteza, ainda reflexo da crise de COVID-19, que cria mais incógnitas dentro do processo de distribuição. Em virtude deste cenário, temos, hoje, uma maior imprevisibilidade no nível das demandas e a mudança nos canais de distribuição é também um desafio. É sabido que o e-commerce cresceu em um ritmo muito rápido no contexto de pandemia e, consequentemente, cresceu também a demanda pela logística de última milha. Toda a complexidade da distribuição, nos alimentos, envolvia muito mais longas distâncias (da indústria até os clientes B2B, que faziam a distribuição pulverizada em suas lojas físicas). Hoje, começou a ter um mix entre os varejos fazendo a distribuição online, mas também as indústrias, então essa distribuição pulverizada para clientes-finais está trazendo um desafio enorme. A verdade é que está todo mundo aprendendo e existe uma oportunidade de mercado dentro deste contexto em que a única certeza é a mudança."

A necessidade de eficiência na cadeia fria

Wagner Murgel, cofundador da Intelligent Foods (startup que desenvolveu um método para conservação de alimentos, permitindo que os itens permaneçam com suas características originais por longos períodos e sem necessidade de refrigeração), aponta, por sua vez, a problemática da logística fria e a necessidade da superação de ineficiências para que mercados mais afastados dos centros de distribuição tenham acesso a um portfólio mais variado de produtos.

"Os problemas de infraestrutura e dos canais de distribuição têm levado as empresas a concentrarem seus mercados em determinadas regiões, desistindo de explorar todos mercados potenciais. Os consumidores de regiões mais distantes dos centros de produção são atendidos por empresas regionais que, por vezes, apresentam uma oferta mais limitada de produtos e terão maior dificuldade de escala. Esse problema é ainda mais grave no caso dos perecíveis, pois a distância dos centros de produção é acompanhada também por deficiência na infraestrutura, fazendo com que os produtos levem muito tempo até chegar ao consumidor final. Vemos que as empresas grandes têm evoluído bastante na busca de maior eficiência na gestão desses canais, mas isso é mais difícil para as empresas menores. A solução encontrada tem sido distribuir a produção em diferentes regiões para tentar aproximar as unidades de produção do mercado consumidor. Isso acaba reduzindo a possibilidade de ganhos de escala e aumenta o custo final de produção. Sem uma cadeia fria eficiente, as regiões mais distantes acabam sofrendo com a oferta de produtos e tendem a se tornar desertos alimentares."

O avanço tecnológico na logística last-mile

Em paralelo, mediante as novas tendências de consumo reforçadas acima – que ganham especial impulso nos centros urbanos por meio da compra de refeições e alimentos em aplicativos e por modelos logísticos baseados em entregas mais ágeis (same day / next day delivery, por exemplo) – a logística de última milha tem visto um avanço expressivo no número de soluções que respondem a demandas específicas da malha de last-mile. É o que aponta Felipe Criniti, fundador e CEO da Box Delivery, startup que desenvolveu uma plataforma que conecta comércios com entregadores autônomos e que conta com uma base de 4000 estabelecimentos, mais de 50 mil entregadores cadastrados e que teve faturamento de R$ 14,5 milhões em 2020. 

"Acreditamos de fato que é um desafio grande encontrar modelos operacionais que entreguem excelência logística e eficiência financeira para grandes redes. A forma que encontramos para conseguirmos oferecer essa solução aos nossos parceiros é investir em tecnologia, estamos constantemente aprimorando os processos do last mile passo a passo. Desde a solicitação, separação, preparação do produto até de fato a última milha. Nos debruçamos a entender os comportamentos e características de cada tipo de cliente, extraindo desse aprendizado inovações que tornam nosso modelo cada dia mais eficiente. Desenvolvemos um algoritmo que analisa todos os destinos disponíveis, o prazo de entrega e a cubagem do pedido. Calculamos a quantidade de pedidos e a rota ideal para cada entregador, otimizando a entrega e o custo para o comércio."

Vencendo a complexidade da malha logística

Mas não é só a logística last-mile que tem visto o avanço da tecnologia. Roy Morales destaca algumas tendências importantes que tem auxiliado as empresas na superação da complexidade da malha logística brasileira.

"O Brasil tem uma malha logística complexa, no sentido em que não só se trata de uma falta de infraestrutura logística, mas também de uma disparidade desta infraestrutura entre as diferentes regiões do país. Neste contexto, as regiões Sul e Sudeste se beneficiam de malhas logísticas mais completas, incluindo transporte rodoviário, ferroviário e marítimo, enquanto que as regiões nordeste e norte sofrem da falta de investimentos nestas malhas. A forte dependência no transporte rodoviário faz com que os custos de transporte no Brasil sejam altos, tirando competitividade nos mercados tanto locais quanto internacionais. Infelizmente, não se vê uma solução a curto prazo, o que traz para as empresas a necessidade de procurar alternativas para aumento da eficiência das cadeias logísticas que gerenciam. Neste sentido, as tecnologias de roteirização, otimização de malhas, otimização de cargas e redes de distribuição podem se constituir como fontes de vantagem competitiva para as empresas."

O paradoxo da inovação

Por outro lado, em se tratando especialmente da cadeia fria, Wagner Murgel analisa que as empresas enfrentam um paradoxo complexo ao investirem em caminhos que, na visão do empreendedor, geram outros desafios que precisarão ser enfrentados.

"Tecnologias como embalagens inteligentes, sensores de monitoramento real time e ultracongelamento têm sido amplamente adotadas como a solução para a distribuição mais eficiente. Apesar de interessantes, essas soluções seguem na mesma linha de refrigeração e representam, na verdade, um aumento de custo, apesar de poderem reduzir as perdas de produtos. Do lado do mercado de food service, as soluções de delivery e as Dark Kitchens têm sido o modelo preferível para o desafio da distribuição. Busca-se produzir o mais próximo possível do consumo e do consumidor. Aqui também tenta-se ganhar uma eficiência marginal em um modelo que está próximo da saturação. Ao “pulverizar” a produção e aproximar do consumo, reduz-se a escala e transfere-se o desafio da logística para a cadeia de suprimentos. Resolve-se a distribuição do produto, criando-se maior ineficiência na gestão de suprimentos e maiores desafios na gestão de mão de obra. A dificuldade de encontrar a alternativa aos desafios tem levado as empresas a buscarem a excelência na execução dos modelos atuais. No final é como se estivessem se contentando com cavalos mais rápidos ao invés de pensar no automóvel."

Percorrendo maiores distâncias com o suporte da tecnologia

Apesar destes desafios, Alexandre Barreto acredita que, a partir da própria evolução das tecnologias envolvidas na distribuição de alimentos, os custos da cadeia serão reduzidos, enquanto as distâncias percorridas no transporte poderão ganhar escala.

"A logística de alimentos conta com duas dificuldades centrais: a primeira grande questão envolve a perecibilidade. As empresas são obrigadas ou a ter várias fábricas e CDs espalhados pelo país para estar próximo do cliente (fator que encarece o custo da estrutura logística) ou um modelo de distribuição muito mais ágil. A segunda dificuldade envolve itens muito comoditizados, com baixa margem. O que eu imagino é que, na medida que evoluem as tecnologias, a logística também se torna mais ágil e os custos se reduzem, o que facilita a expansão da malha tanto para produtos comoditizados como para itens com períodos curtos de validade. E essas tecnologias já estão chegando no país: um produto que, antes, só podia ser distribuído em um raio curto, hoje já consegue seguir distâncias maiores. E isso tudo envolve também tecnologia no plano da gestão, para otimização de planejamento e gestão de FEFO."

Informação em tempo real para a superação do desperdício no last mile

Por fim, no plano da logística last mile, um fator crucial para a redução do desperdício e para o atendimento dos anseios dos consumidores envolve a capacidade de integração e sincronismo entre soluções, empresas e entregadores.

"Para garantir a eficiência nas entregas urbanas e reduzir perdas, nós investimos, cada vez mais, em inteligência logística e tecnologia ao modelo operacional. Nós integramos o sistema Box Delivery com o sistema do comércio. Criando uma informação em tempo real do horário exato em que o entregador irá chegar para retirar o pedido. Com essa informação, a cozinha, sabendo o tempo de produção do prato, inicia o preparo no momento certo. Evitando desperdício e longo tempo de espera com o produto pronto, o que causaria perda na qualidade. Além de otimizar a produtividade da cozinha."

Ponto final

Fica claro que, não há uma única resposta para a superação dos desafios logísticos do país – sejam eles relacionados a logística urbana ou de longas distâncias; a cadeia fria ou de commodities. O importante, neste sentido, é acompanharmos as tendências do setor e estudarmos, com atenção, as dores de uma área que tem papel crucial para a economia e, em contrapartida, acharmos as saídas que farão o país se fortalecer na dinâmica do ambiente de negócios global – saídas estas que, sem dúvidas, perpassam os caminhos da inovação.