21 de maio de 2021 Artigos

A realidade do mercado de veículos elétricos no Brasil

A evolução da mobilidade elétrica é uma das principais pautas que movem as discussões sobre a sustentabilidade, a economia e o próprio futuro da sociedade. Neste painel, trouxemos a visão de diferentes especialistas sobre o tema, os quais analisaram algumas tendências, perspectivas e transformações que já começam a se concretizar no esteio do desenvolvimento do mercado de veículos elétricos.

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Nos debates recentes sobre o mercado de energia, sem dúvidas, uma das pautas mais comentadas entre pesquisadores do segmento diz respeito às novas formas de geração energética, em especial, àquelas ligadas às fontes de energia limpa e sustentável. Aliás, um dos pontos ressaltados no estudo da Liga Ventures lançado em setembro do ano passado sobre o setor de energia foi justamente esse. Dedicamos um capítulo exclusivo para abordar a consolidação do mercado de energias renováveis no Brasil e no mundo, destacando que, já em 2019, o segmento de energias limpas movimentou US$ 217 bilhões mundialmente, um crescimento de 14,5% em relação ao período anterior, segundo a Capgemini.

Esse aumento também parece ser impulsionado pelo interesse do consumidor em produtos e iniciativas focados em sustentabilidade. De acordo com dados de 2019 da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), 87% dos consumidores brasileiros preferem comprar de empresas sustentáveis.

Dentre esses mercados em busca de soluções sustentáveis, o dos veículos elétricos certamente merece destaque, bem como o próprio conceito de mobilidade elétrica, assuntos também cada vez mais discutidos pela mídia do país. Mas qual é a realidade do setor de veículos elétricos no Brasil? Quais são as soluções que já começam a ganhar força no ambiente de negócios nacional e o que temos de potencial para o futuro?

Para esclarecer essas questões, convidamos lideranças de algumas das principais startups de mobilidade elétrica no Brasil para compartilhar sua visão sobre o assunto. Abaixo, você confere a percepção desses especialistas sobre diferentes aspectos desse debate:

A transformação do setor automotivo

"O setor automotivo está passando por grandes transformações, montadoras têm oferecido planos de carros por assinatura, serviço que já representa 8% da frota de veículos nas locadoras. Essa porcentagem tende a dobrar em dois anos. Ao mesmo tempo, em alguns segmentos de veículos, os elétricos e híbridos estão liderando as vendas. Um estudo recente da McKinsey apontou que os brasileiros estão dispostos a pagar até 20% a mais por modelos elétricos em relação aos tradicionais e 50% pagariam um preço premium para ter um veículo elétrico, ante 38% da média global. Hoje, a maior barreira para modelos elétricos ainda é o custo de aquisição dos veículos, já que todos são importados. Porém, modelos por assinatura favorecem a adesão aos elétricos, pois sua manutenção custa a quarta parte de um similar a combustão.”

Fusões e aquisições no mercado de energia

"O ano passado foi extremamente importante para a eletromobilidade no Brasil no âmbito das vendas de veículos elétricos – e essa é uma tendência mundial. No contexto internacional, a gente vê as empresas de óleo e gás se aproximando do mercado de energia. Tivemos a Shell, por exemplo, adquirindo a Greenlots, startup de soluções de carregamento de energia para veículos elétricos de Los Angeles; a British Petroleum, uma das maiores companhias petrolíferas do mundo comprando a Chargemaster por US$ 170 milhões, a Total, petroquímica francesa que, já no final de 2018, adquiriu a G2mobility (também de recargas elétricas); a própria Engie adquiriu a EV-Box, fabricante de carregadores de veículos elétricos… Então esse mercado está efervescente, é um caminho sem volta e essas fusões e aquisições no mercado internacional são uma prova das oportunidades do segmento de mobilidade elétrica."

O fator ESG

"Acredito que o mercado será liderado inicialmente pelas empresas preocupadas com os conceitos ESG, comprometidas em ter uma operação mais sustentável em termos ambientais, sociais e de governança. Estamos acompanhando muitos movimentos de renovação de frotas de caminhões e veículos leves nas empresas, isso tende a crescer de forma cada vez mais rápida, auxiliando na aceleração do mercado de elétricos no Brasil. Com isso, mais montadoras irão realizar lançamentos de novos modelos elétricos no país e, em breve, isso acaba refletindo também nas oportunidades para as pessoas físicas, com preços mais acessíveis. A maior acessibilidade, por sua vez, impacta positivamente na sustentabilidade em termos ambientais. Se você tem uma solução que não polui frente a outra totalmente poluidora, sem dúvidas, o mercado tende a optar por aquela que traz menos impactos para a natureza. Empresas cada vez mais preocupadas com a neutralização de carbono em suas operações também veem com bons olhos a mudança de suas frotas para veículos elétricos."

O transporte por aplicativo como motivador do mercado

"O Brasil foi o terreno mais fértil no mundo para o transporte por aplicativo. Somos, por exemplo, a segunda maior receita da UBER no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Nossa legislação trabalhista complicada aliada à oferta deficiente de modais de transporte público tornaram as corridas por aplicativo uma excelente solução para empregar pessoas sem burocracia, ao mesmo tempo que oferecem mobilidade barata e de qualidade. Este mesmo modelo está se estendendo aos entregadores de mercadorias, transportadores autônomos e até ônibus de turismo. Acreditamos que este tipo de solução mudará muita coisa na mobilidade do país e também impulsionará o mercado de veículos elétricos."

O custo das baterias como barreira de entrada

"O fator principal no custo dos veículos elétricos é o custo das baterias. Tirando as baterias, eles podem ser fabricados de maneira muito mais simples que os veículos à combustão. Na minha opinião, iremos notar o surgimento de muitos novos fabricantes quando essa questão das baterias for solucionada. Já observamos marcas como Samsung, Sony e outros players, que antes fabricavam equipamentos eletrônicos, buscando entrar nesse mercado. Nada impede que as indústrias nacionais sigam esse caminho. A retração dos produtores mundiais de veículos à combustão se explica, neste sentido, pelas barreiras que serão cada vez menores para a entrada dos veículos elétricos nesse mercado, fazendo com que os veículos à combustão não consigam competir com esse novo modelo no longo prazo. Enquanto a barreira para se entrar no mercado de veículos à combustão sempre foi gigante — por esse motivo, um número reduzido de empresas conseguiu dominar esse mercado por tanto tempo —, no mercado de elétricos há mais dinamismo."

Outros desafios da eletromobilidade no Brasil

"Os maiores desafios atualmente são o chamado Custo Brasil e as oscilações da economia, principalmente no que diz respeito à desvalorização do real. A pequena escala inicial dificulta também no que diz respeito à competitividade. Estamos contornando esses problemas aumentando o índice de nacionalização do nosso produto — desenvolvendo o maior número de componentes locais possível — e construindo um modelo de negócio que conta com uma cadeia de distribuição super compactada. Na operação que arquitetamos para esta nova fase, com os veículos de vizinhança e, em um segundo momento, veículos para as ruas, de um lado entram componentes automotivos comprados direto do fabricante e, do outro, sai serviço de mobilidade. Trata-se de um encurtamento drástico na cadeia tributária e também na logística."

A questão da rede de recarga brasileira

"Olhamos com otimismo a abertura para o mercado de veículos elétricos, sobretudo pelas mudanças estruturais na sociedade. A partir de 2030, a Europa vai vetar a venda de novos veículos à combustão. Os Estados Unidos devem se abrir mais com a presidência do Joe Biden. Enfim, é um novo contexto que trará impactos positivos também no Brasil, sobretudo com a queda considerável nos custos de bateria, o que, até 2025, deve fazer com que os elétricos sejam apenas 20% mais caros do que os veículos a combustão. Neste sentido, o que impacta a transição para a eletromobilidade no Brasil? Para além do custo, que deve cair, a rede de recarga no país ainda é muito enxuta. Nos Estados Unidos, são 84.000 pontos de recarga, na Europa 285.000 e no Brasil, segundo levantamento interno de 2020, não passava de 500. Diante desse cenário, surgimos no mercado para resolver a dor da recarga. Implantamos, operamos e monetizamos redes de eletropostos, sendo a primeira startup do país a operar no modelo charge as a service."

O perfil do consumidor

"Atualmente, o consumidor do elétrico tem perfil de buscar veículos com tickets acima de R$300 mil e em marcas como Volvo, Porsche, Audi e BMW. Outras de maior abrangência como Renault, Chevrolet, JAC e Nissan oferecem elétricos, porém as montadoras premium acabam tendo melhor custo-benefício. No segmento B2B, o cenário é um pouco diferente. A conta fecha para operações com bastante uso dos veículos, por isso empresas que atuam com logística são mais adeptas, como a Pepsico, que recebeu dez caminhões elétricos da JAC, e a Ambev, que anunciou a aquisição de 1.000 exemplares da FNM. Tais empresas têm investido de modo consistente no mercado de elétricos mais populares. Além disso, frotistas têm nos procurado para buscar soluções de gestão de recargas para controlar o consumo e implementar o serviço em suas garagens. No geral, empresas com perfis mais ligados à ESG têm visto com bons olhos a mobilidade elétrica, procurado diferentes soluções voltadas para este campo e, consequentemente, estimulando este ecossistema."

Oportunidades para eletromobilidade na economia compartilhada

"A beepbeep surgiu da minha experiência vivendo no Vale do Silício. Lá tive muito contato com a Tesla, utilizei algumas plataformas de carsharing e, quando vi alguns lançamentos de carros elétricos compartilhados, pensei que era este modelo que gostaria de levar para o meu país. O mercado de mobilidade no Brasil estava a pleno vapor, principalmente na micromobilidade (com as bikes elétricas e scooters compartilhadas) e com a expansão da cultura de compartilhamento. Pagamos um custo alto para entrar neste mercado e quebrar a primeira barreira para trazer esta inovação, mas sabíamos que o mercado iria amadurecer e que estaríamos um passo adiante. Com parceria com montadoras em leasing operacional e lançamentos via nossa plataforma, atingimos a marca de 100 veículos em maio deste ano, nos tornando, assim, a maior frota de veículos elétricos atuante no Brasil."

Micromobilidade em locais privados

"O principal benefício dos veículos autônomos envolve a entrega de valor com a digitalização de parte do processo logístico e um maior controle de toda a operação logística. Outro ponto é que essa tecnologia é escalável e permite o crescimento de setores que antes eram limitados pelos custos e dificuldades de controle. Com a pandemia, vimos também que as empresas têm buscado soluções que possibilitem reduzir o contato entre as pessoas, o que pode se tornar parte do novo normal. No nosso caso de micromobilidade, existe uma demanda muito grande para uso em locais privados. Mesmo com a questão cambial, esperamos ter um ótimo nível de aderência devido ao tamanho do mercado nacional e da entrega de valor que essa tecnologia irá proporcionar. Já para o mercado externo não existem tantas barreiras e pode ser uma oportunidade para o Brasil exportar mão de obra, pois o acompanhamento e o controle desses veículos podem ser feitos de forma remota. Mas o uso nas ruas do país somente será possível após uma redução nos custos operacionais e de fabricação, além da questão legal que precisa avançar para a chegada dessa tecnologia."

Ponto final

Após ter contato com diferentes pontos de vista sobre o assunto, podemos considerar que, se é verdade que estamos apenas no início do processo de estruturação do mercado de veículos elétricos no Brasil, também é possível afirmar que as possibilidades para este segmento começam a se desenhar sob um norte mais efetivo. Um futuro que inclui, como vimos anteriormente, tanto uma maior preocupação das empresas com o seu impacto ambiental, quanto uma redução considerável de custos que os veículos elétricos oferecem no que diz respeito à manutenção e ao abastecimento/recarga.

Neste sentido, se superarmos no curto e médio prazo as ainda expressivas barreiras de entrada na compra desses veículos, as expectativas para a mobilidade elétrica no Brasil serão mais consistentes e podem, por fim, reforçar o posicionamento do país no mercado global de veículos elétricos — o qual, dentro da conjuntura internacional, ainda é bastante tímido e conta com amplo espaço para expansão.