Entenda os desafios para a evolução do segmento e dos negócios de impacto socioambiental no Brasil, uma vez que o mercado precisa amadurecer.
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[dropcap]M[/dropcap]apear e entender os desafios inerentes ao segmento de empreendedorismo de impacto no Brasil é essencial não apenas pelo exercício em si, mas também para que eventualmente sejam encontradas e criadas soluções para cada um deles. De maneira geral, muitos desses desafios também são enfrentados por empreendedores e negócios tradicionais, mas parte deles são específicos para aqueles que buscam causar impacto socioambiental positivo na sociedade.
Isso porque, antes de tudo, muitos dos conceitos relacionados ao assunto ainda são confusos tanto para quem já faz parte do ecossistema quanto para aqueles que estão fora e pretendem – ou não – fazer parte dele, uma visão compartilhada por grande parte dos entrevistados presentes nesse estudo. Seja em decorrência de um mercado ainda novo e incipiente ou da falta de transparência de informações, pode-se assumir que parte dos desafios demandam tempo para que sejam solucionados, visto que o segmento aos poucos apresenta sinais de avanço, tanto no campo dos investimentos quanto das oportunidades e iniciativas criadas.
Segundo o relatório Avanços, Conquistas e Orientações para o Futuro, realizado em 2017 pelo ICE (Instituto de Cidadania Empresarial), são quatro os principais desafios para uma evolução do ecossistema. Dois deles, Alinhamento e Informação e capacidades dizem respeito, principalmente, à necessidade de avanço acerca da definição e entendimento sobre o conceito de impacto, de aproximação da agenda entre atores e movimentos, da geração de padrões para uma coleta e estruturação sistematizada de dados e informações, esta última de maneira a conferir mais transparência ao setor. Os outros dois desafios, conforme o estudo, estão ligados a questões de investimentos e integração nacional do ecossistema.
Para Marcus Nakagawa, professor e coordenador do CEDS (Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental), o tema ainda é de certa forma novo no mundo inteiro e vem sofrendo constantes atualizações, fato que contribui para uma difusão dos conceitos relacionados de forma abstrusa.
“A discussão dos conceitos relacionados a esse ecossistema é algo ainda em construção em âmbito global. Os próprios acadêmicos ainda se confundem um pouco, porque são muitos termos. Existem conceitos como marketing de causa, capitalismo consciente, responsabilidade socioambiental, negócios de impacto, que de forma ou de outra se entrelaçam, mas cada um tem o seu próprio significado. As empresas estão começando a olhar para os problemas socioambientais e todas querem ter suas próprias ações, todas as movimentações são muito aceleradas. O que falta é uma divulgação mais clara sobre o que está sendo feito”, diz ele.
Uma definição mais clara e uma disseminação mais vasta sobre conceitos sobre o segmento de negócios de impacto são necessárias não apenas por uma questão informativa, mas para esclarecer, na teoria e na prática, a importância de tais negócios e que seus princípios e características não são contraditórios entre si. De acordo com uma publicação da Forbes, um dos principais desafios do setor é superar as suspeitas, destruir a imagem de que soluções de impacto positivo e lucro não podem andar juntos, de que é uma combinação antiética – ponto que muito foi lembrado pela maioria dos empreendedores entrevistados para o estudo de Negócios de Impacto do Liga Insights.
Além disso, quando se fala em negócios de base tecnológica, como é o caso das startups, muitos dos obstáculos que atingem o segmento não específicos a ele, mas ao ecossistema de startups de forma geral – e não podem ser ignorados. Um deles é a aversão a riscos por parte do mercado, o qual, apesar de estar sendo afetado pela disseminação e incorporação de conceitos como os de transformação digital e inovação, precisa estar mais aberto a experimentações.
Segundo um post do Fórum Econômico Mundial, tal aversão é resultado de um modus operandi dos fundos de investimento, que favorecem quase que exclusivamente resultados positivos e métricas de impacto conservadoras, o que impede maiores incentivos a essa experimentação. Ou seja, investimentos baseados basicamente em métricas reduzem a possibilidade de aprendizado e inovação.
Em decorrência disso – e também da falta de maturidade dos negócios como um todo, principalmente em relação à clareza das soluções e do impacto que podem de fato causar –, o acesso a capital no segmento ainda é inconsistente. Como afirma o FEM, os avanços no campo de investimentos de impacto existem, mas ainda existem dúvidas se um negócio que precisa devolver retornos financeiros significativos consegue, ao mesmo tempo, ser livre para perseguir e priorizar as mudanças sociais esperadas.
Segundo Anna de Souza Aranha, Diretora do Quintessa – uma das principais aceleradoras de negócios de impacto do País –, muitos dos desafios relacionados a esses negócios são compartilhados por empreendedores “tradicionais”. No entanto, existem também obstáculos específicos a esse setor. “Boa parte dos desafios enfrentados por startups de impacto são comuns a uma tradicional, como a dificuldade na validação do modelo de negócio, fazendo um fit adequado entre dor do cliente, solução e aderência de mercado, ou como e o acesso a capital. Como um adicional a esses desafios inerentes ao objetivo de se empreender um bom negócio, existem os desafios relacionados ao objetivo de gerar impacto socioambiental positivo relevante, que podem influenciar o preço praticado ou a solução que será oferecida, por exemplo. Algumas empresas se propõem a resolver desafios sociais e ambientais muito complexos, o que torna mais difícil a geração de resultados de negócio mais rápidos no curto prazo”, afirma Aranha.
Divulgado em 2019 e realizado pela Pipe Social, o 2º Mapa de Negócios de Impacto – que contou com uma amostra de 1002 respondentes – revelou os principais desafios enfrentados pelos negócios sociais no Brasil, conforme os próprios empreendedores. Do total de entrevistados, 32% estavam em uma etapa mais desenvolvida de negócio (tração, pré-escala ou escala) e 43% afirmaram não possuir nenhum faturamento.
Ainda, 50% dos negócios nunca participaram de nenhum programa de aceleração, apesar de existir o desejo. A principal demanda por parte desses empreendedores é dinheiro (48%), seguido de mentoria (22%), comunicação (19%) e parcerias e networking (19%). Conforme informações publicadas com exclusividade no Estadão PME, oito entre dez empreendedores de impacto estão em busca de recursos financeiros, e a demanda por investimentos menores é maior entre os respondentes.
Fica claro, portanto, que a resolução da grande maioria dos problemas demanda tempo para que o mercado adquira maturidade, o que, de certa forma, apresenta-se como um caminho natural, vide que a evolução nos últimos anos é clara, tanto no campo dos investimentos de impacto quanto na evolução dos próprio negócios do segmento. Além disso, a união de agendas e um trabalho feito de forma unificada e integrada entre os principais atores do ecossistema também se mostra essencial para que se tenha, no Brasil, soluções cada vez mais prontas e interessantes para resolver problemas sociais e ambientais.