Confira como as startups e tecnologias podem otimizar os processos logísticos e operações dos distribuidores da cadeia de saúde.
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A chegada de novos métodos, práticas, medicamentos e equipamentos médicos, como vimos em outros posts sobre health techs, altera não só a maneira como eles serão consumidos e usados, mas também como serão entregues aos consumidores e aos profissionais da área. Assim como é apontado no estudo The Future of Life Sciences and Healthcare Logistics, publicado pela DHL em 2017, o aumento nos gastos em saúde pode trazer transformações da mesma forma para a cadeia de suprimentos e logística da área de saúde. As transportadoras e distribuidores, principais responsáveis por essa atividade, passam a ter o desafio de conciliar as pressões de regulamentação, preço e de qualidade.
Tornou-se necessário pensar em maneiras alternativas, buscando uma adaptação aos novos modelos comerciais e de serviço, a fim de ter custos competitivos, considerando também as novas aplicações de canais online. Com a descentralização dos processos, que faz com que os pacientes se tornem o centro da cadeia, as empresas passaram a ter a necessidade de se adaptar às tecnologias, pensando em novos jeitos de dar suporte a essas transformações.
A distribuição dos medicamentos, vacinas e outros produtos relacionados à área de saúde não se baseia somente no transporte deles até as farmácias, centros clínicos, hospitais e afins. Paulo Braga, Corporate Venture Capitalist da Eurofarma, acredita que há muita oportunidade de inovação no elo de distribuição na área de saúde. Segundo ele, há uma tendência de mercado em otimizar o processo de compras e gestão de estoque. E, identificados como uma das tendências no relatório Global Healthcare Outlook, publicado em 2016 pela Deloitte, os avanços em data analytics ajudam a tornar essas otimizações possíveis.
De acordo com o estudo, o mercado de analytics na área de cuidados para saúde poderá gerar US$23.8 bilhões em 2020, 300% a mais do que em 2015, que gerou US$8.4 bilhões. A importância da análise de dados na área de saúde, observando especificamente a etapa em que os distribuidores atuam, se dá pelo poder de obter informações em tempo real de forma mais precisa e dar também a noção de previsibilidade, assim como é apontado pelo estudo desenvolvido pela DHL, o Big Data in Logistics.
A partir dos dados, é possível identificar picos de demandas, permitindo que haja uma operação mais assertiva de envio dos produtos e seleção de rotas. Além disso, podem evitar que produtos faltem nos estoques das lojas, fator que impacta diretamente na satisfação dos clientes, além de dar mais transparência para toda a cadeia de suprimentos.
O estudo Third-Party Logistics Study, publicado em 2017, realizado com operadores logísticos, apontou que
Alguns dos motivos apontados por eles foram: atender as necessidades dos clientes (18%), diminuir o tempo de entrega com aumento de eficiência (13%), redução dos custos operacionais (7%) e aumento na competitividade industrial (33%). Além disso, alguns operadores logísticos (2,5% dos entrevistados) afirmaram já utilizar tecnologias de automatização nos meios de transporte. A Otto, empresa de tecnologia voltada para veículos automatizados, entregou em 2016, em parceria com a Budweiser, uma das primeiras cargas por meio de um caminhão com a tecnologia, que foi de Denver até Colorado Springs.
Outras inovações, como o blockchain, também podem trazer inúmeros benefícios para o elo de distribuição e transporte na área de saúde. Por meio dele é possível certificar a autenticidade das etapas, aumentando a segurança e o cumprimento de normas regulatórias. Isso, pois toda transação é validada, certificada e imutável. Entretanto, as vantagens quanto ao blockchain ainda não são percebidas, pois a maioria, tanto dos operadores de logística (62%), quanto das transportadoras (67%), ainda não tem conhecimento suficiente para estimar as vantagens da inovação no momento.
Hoje, a Eurofarma possui uma área específica de corporate ventures, que tem como objetivo trabalhar a visão futurística sobre como será a indústria a um médio prazo e como pode acompanhar o desenvolvimento da área. Pensando em se tornar uma líder de inovação, a empresa testa maneiras novas e melhores de se comunicar com os usuários finais e o restante dos atores envolvidos no processo. E é justamente com essa cultura de inovação que empresas passam a analisar novos métodos e maneiras de transportar produtos com o objetivo de trazer comodidade aos consumidores.
A Amazon, por exemplo, lançou, em 2013, a Amazon Prime Air, um novo sistema de entrega que utiliza drones como meios de transporte e promete a chegada do pedido em 30 minutos ou menos. Apesar de ainda estar estudando as possibilidades de testes em outros países por conta das questões de regulamentação de cada localidade, as primeiras tentativas de entregas realizadas no Reino Unido, em 2016, já demonstraram que o método é eficaz e possível de ser implantado. A Google, com o Project Wing, e o Walmart, também estudaram a possibilidade.
Entretanto, a utilização de drones não é utilizada somente para o varejo. Pensando na oportunidade de utilizá-los como método alternativo de entrega e dar acesso de produtos ligados à área de saúde para as comunidades afastadas, a Zipline foi fundada em 2011 na Califórnia, Estados Unidos. De acordo com a startup, mais de dois bilhões de pessoas vivem em locais de difícil acesso a produtos essenciais, como sangue e vacinas, por conta da falta de infraestrutura. Assim, os drones desenvolvidos por eles podem chegar até esses locais evitando montanhas, estradas ruins e outros fatores que prejudicam a entrega desses produtos.
Com atuação nas zonas rurais de Ruanda e podendo entregar inclusive itens que necessitam de cadeia fria, atendem mais de 20 unidades de transfusão de sangue. Antes da implementação do serviço da startup, os hospitais regionais demoravam horas para chegar aos centros locais. Atualmente, podendo voar a uma distância de 80 km de forma totalmente automatizada por meio de rotas pré configuradas, os produtos chegam em 30 minutos.
De acordo com Paulo Braga, a importância dos distribuidores e das transportadoras se dá por eles “alcançarem lugares que a indústria farmacêutica não consegue ir. A maior parte da distribuição hoje é pulverizada, então é necessário ter a figura deles para utilizarmos o know how de logística deles”, diz.
A pesquisa do IBOPE Inteligência, realizada a pedido do Popai Brasil, divulgada em 2014, mostra que havia 68 mil farmácias no Brasil. Dessas, 55% representavam grandes redes, enquanto 45% representavam varejos independentes. Em 2016 o número de farmácias e drogarias privadas cresceu para aproximadamente 83 mil. Somente em São Paulo havia 16.149, de acordo com o Conselho Federal de Farmácia.
A grande questão que surge junto à discussão sobre a pulverização do varejo farmacêutico é quanto à inteligência por trás das roteirização para distribuição dos medicamentos. Tendo como objetivo buscar os melhores trajetos que um veículo deve fazer por meio de uma malha, visando a diminuição do tempo e a distância, a roteirização está intrinsecamente ligada à redução de custos logísticos.
Ela se utiliza de análises da frota de veículos disponíveis conjuntamente com a meta de montar cargas. Os percursos podem ser indicados e melhor pensados por meio de um software, que usa algoritmos matemáticos e que consideram diversos indicadores, como o volume e características da carga, a capacidade dos veículos, o controle de custos, o consumo de combustível, e outros.
Veja o que Thiago Amaral, VP Comercial da RV ÍMOLA, fala sobre o assunto:
Independente da área de atuação, todas as empresas estão no meio das mudanças tecnológicas. Pensando nisso, tomamos o cuidado de não sermos atropelados por essas transformações. Identificamos gargalos operacionais, vimos que algumas empresas do segmento de logística voltadas para a área de saúde poderiam nos ajudar e começamos a fazer pilotos. Um exemplo é a solução que estamos usando para fazermos a roteirização automática das rotas com rastreabilidade. A dLieve nos ajuda a fazer o acompanhamento das entregas com o objetivo de dar algo a mais para os nossos clientes. Temos cada vez mais tentando nos aproximar das startups de diversas áreas, como por exemplo as voltadas para coleta de resíduo e folha de pagamento, para conseguirmos desenvolver um modelo disruptivo dentro do nosso negócio e otimizar nossos processos. Nos contatos que tivemos com startups pudemos perceber que a velocidade é muito mais rápida. A relação entre corporações e startups, assim como os avanços tecnológicos, são inevitáveis. Não há mais retrocesso.
A prática pode diminuir o tempo de entregas, assegurando a pontualidade da entrega, reduzir as distâncias percorridas, impactando diretamente na redução de combustível gasto, fazer melhor uso da frota, desgastando-a menos e reduzir custos como um todo por terem custos fixos previsíveis.
Por não ser uma tarefa fácil para as grandes corporações, que muitas vezes possuem milhares de entregas, soluções como as a da Routific foram criadas. Fundada em 2012 no Canadá, a startup tem como missão construir otimizações para rotas de forma que sejam acessíveis, fáceis de usar e possíveis de serem integradas com qualquer plataforma de software.
Outro fator que é levado em consideração no processo de distribuição é o de dimensionamento das cargas dentro dos veículos que irão transportar os produtos. Estima-se que entre 10% e 40% dos espaços de carga são perdidos por conta de ineficiência de planejamento na estufagem dos caminhões.
Soluções como a da JettaCargo vêm chamando a atenção por terem como principal objetivo diminuir a porcentagem de carga perdida. Segundo Diego Rorig, cofounder da JettaCargo, os caminhões não carregam suas capacidades máximas, pois há a dificuldade de as empresas terem em sua frota diferentes caminhões e containers em tamanhos e formatos diferentes. Os responsáveis pelo dimensionamento não percebem as infinitas possibilidades de combinações que podem ser feitas ou realizarem cálculos imprecisos.
O software da startup utiliza matemática aplicada para o planejamento e otimização de cargas. A plataforma processa as informações e cria um plano ideal de carga. A partir do plano, é feito o cadastro de mercadorias e de containers, levando em consideração as regras para o transporte, como peso por eixo, empilhamento, milk run, entre outras. O usuário pode realizar diversas simulações e cenários, tendo o poder de escolha quanto a redução de custos.
Além dos motivos já listados, a roteirização é também estratégica para as empresas por poder prever rotas perigosas, com altas chances de roubo. No Rio de Janeiro, foram registrados 29 casos por dia e mais de dez mil em 2017. Se comparado ao ano anterior, que teve 9.784 casos, houve um aumento de 8,33% no número total de roubos.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do estado, a prática financia o crime organizado e o tráfico de drogas e armas. Somente em 2018, 1.210 comunicados de roubo, furto ou extravio de cargas com medicamentos foram protocolados na Unidade de Atendimento ao Público (UNIAP) da ANVISA. Quanto aos casos relacionados a produtos para a saúde, como cicatrizadores, agulhas, algodões, cateteres e bolsas de termogel, 174 foram registrados.
As tecnologias nessa etapa da cadeia são importantes não só para a redução de custos, mas também para assegurar que os medicamentos e preparações biológicas, como vacinas, cheguem ao destino final sem serem danificados ou estragados. Manter a temperatura estável em refrigeradores localizados em estabelecimentos fixos é um desafio. Certificar que, durante o transporte, a temperatura se mantenha em um intervalo de temperatura ideal é um desafio ainda maior e vem cada vez mais chamando atenção das empresas responsáveis pelo transporte e distribuição.
No caso de vacinas, por exemplo, a temperatura ideal encontra-se entre +2 e +8°C, mas, em alguns casos, elas acabam sendo transportadas em temperaturas abaixo ou acima da ideal. A Organização Mundial de Saúde (OMS), estima que aproximadamente 25% das vacinas chegam aos destinos finais deterioradas por conta de uma falha na cadeia do frio, também conhecida em inglês como cold chain, que é o processo que envolve as etapas de armazenamento, transporte e distribuição dos produtos que necessitam estar em temperaturas baixas. A grande causa dessa perda é a ineficiência do controle das temperaturas. Segundo a Agência Reguladora de Produtos Medicinais e de Saúde (MHRA), entre 30% e 40% das falhas são por esse motivo.
Veja o que Luis Lopes, Fundador da Botfy, fala sobre o assunto:
Quando se perde um lote, está deixando de atender alguém que precisa. Dessa forma, desenvolvemos uma solução com sensores de temperatura, luminosidade, vibração e GPS para evitar esses tipos de situação. Com ela, conseguimos entender os parâmetros de qualidade da carga. Identificamos se as baús estão com as temperaturas ideais, se a carga está em movimentação, se ela foi aberto em algum momento e se o medicamento, por exemplo, foi danificado. Cruzamos dados para que os atores responsáveis consigam ter decisões melhores e mais embasadas, dando mais segurança e otimização do processo. Além de evitar perda, eles também conseguem saber, caso haja a perda, quais os custos financeiros, reduzindo retrabalho por meio de um processo online de visualização de informações e de auditoria. Em um processo normal, uma empresa demoraria dias para identificar que o teste de temperatura para o transporte havia dado errado. Nós podemos identificar com muito mais rapidez, entregando mais informações, de forma mais fluida, segura e com qualificação.
Quanto à garantia da temperatura ideal no transporte e distribuição dos produtos, uma das soluções já disponíveis no mercado são os data loggers, pequenos dispositivos que podem ser acoplados às maletas térmicas e que registram a temperatura durante a viagem. Com sensores que contém comunicação sem fio, por meio da rede 3G, por exemplo, podem transmitir os dados para uma plataforma e emitir alertas sobre imprecisões de temperatura. Com eles é possível evitar perdas, além de poder identificar em quais etapas ocorrem falhas.
A LIVETRACK, startup brasileira fundada em 2016 em São Paulo, foi criada justamente para ajudar a solucionar essa problemática. Disponibilizando sensores que podem ser instalados em embalagens, malotes, caixas térmicas, motos, carros ou caminhões, a startup permite que seus clientes acessem informações de temperatura, umidade e localização por meio de um aplicativo.
Os dados armazenados pelo sistema podem ser utilizados de forma que sirvam como comprovação em possíveis fiscalizações e auditorias, além de serem a base para que os responsáveis pelo produto possam tomar uma ação proativa no caso de algum desvio e evitar que a carga seja perdida. Rodrigo Moraes, cofundador da LIVETRACK, acredita que “existem muitas regulamentações, boas práticas e normas específicas que precisam ser atendidas e consideradas”, diz. A LIVETRACK já implantou sua solução para grandes players do mercado, como o Grupo Fleury, RV Ímola, Weinmann e A+ Medicina Diagnóstica.
Rodrigo também acredita há muitas oportunidades de inovação e espaço para a adoção de novas tecnologias na área de saúde.
Por meio das novas tecnologias e inovações, a área de saúde poderá beneficiar mais pessoas, trazendo melhores resultados, com custos menores e maior eficiência. Não é mais uma questão de se haverá ou não inovação, e sim quando serão implementadas. Hoje nenhum negócio quer acompanhar as informações e os seus indicadores olhando para um ‘retrovisor’, todos querem a informação em tempo real. Entretanto, para isso acontecer de fato, é importante entender o dia a dia e desafios da área”, finaliza Moraes.
A startup americana Zipline, que já levantou mais de US$ 40 milhões em investimentos, aplica soluções com drones para transporte de produtos da saúde como vacinas e bolsas de sangue. Seu objetivo é facilitar o acesso a esses produtos a áreas remotas e com rapidez.
A PillPack é um exemplo de startup de saúde que gera valor para todos os elos da cadeia. Com mais de US$ 120 milhões levantados em investimentos, a startup entrega recorrentemente na casa do paciente as medicações nas dosagens corretas para consumo.
A Botfy desenvolve uma solução de monitoramento de violações e rastreamento, com aplicação para a cadeia fria. Com a solução, as empresas conseguem monitorar se houve algum tipo de violação na carga, por exemplo. A startup é acelerada no programa BrinksUp!.
A startup brasileira Livetrack desenvolveu uma solução IoT para o monitoramento de cargas na cadeia fria. Sua solução permite acompanhar a variação de temperatura das cargas por meio de sensores, sendo aplicada em empresas como o Grupo Fleury.