Veja como a inteligência artificial tem contribuído com a educação no Brasil e no mundo e o papel das EdTechs neste mercado
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Quando questionamos para especialistas quais as principais tendências tecnológicas que poderiam vir a transformar ou contribuir para a construção de novas metodologias de ensino no país, sem dúvidas, a inteligência artificial foi o campo mais citado entre a maioria dos entrevistados.
Dito isso, até que ponto as tecnologias de IA direcionadas para a educação estão maduras, o suficiente, do ponto de vista da aplicabilidade e da escalabilidade no Brasil?
Para responder a essa pergunta precisamos, inicialmente, consultar alguns dados gerais deste mercado promissor, mas que conta com alguns desafios centrais.
De acordo com uma pesquisa da consultoria IDC, por exemplo, os investimentos gerais em Inteligência Artificial devem alcançar patamar próximo a US$ 36 bilhões em 2019, o que representaria uma expansão de 44% em relação ao montante investidos nestas tecnologias em 2018.
Por sua vez, a IDC estima que, até 2022, estes investimentos vão mais que dobrar, chegando a, aproximadamente, 79,2 bilhões.
Segundo a consultoria, as indústrias que mais investiram até o momento em Inteligência Artificial, são, respectivamente, o varejo e os bancos, que têm direcionado recursos para o desenvolvimento de tecnologias para atendimento automatizado, combate de ameaças e prevenção de fraudes, além de recomendação de compras.
No Brasil, embora ainda haja certa carência de dados sobre o mercado de inteligência artificial no país, um estudo da FGV, que relaciona as taxas de empregabilidade com o crescimento das tecnologias de IA, projeta três cenários para o país nos próximos 15 anos:
No último destes cenários, embora a Fundação Getúlio Vargas preveja uma queda considerável dos empregos direcionados à mão de obra não qualificada, o estudo também prevê um crescimento de 1,56% no número de postos de trabalho qualificados – o que reforça a tese que apresentamos ao longo de nosso estudo, sobre a importância do letramento digital para a inserção das novas gerações no mercado de trabalho.
Outro lado positivo da pesquisa consiste no fato de que a adoção de inteligência artificial no país pode contribuir para um crescimento do PIB de até 6,43% no período acumulado de 15 anos.
Nesse contexto, algumas grandes empresas já têm feito investimentos importantes para o desenvolvimento de tecnologias de IA no Brasil.
É o caso, por exemplo, da IBM, que anunciou, no início deste ano, um aporte de R$ 20 milhões no país para a criação de um centro de pesquisas focado, majoritariamente, em pautas relacionadas com o meio ambientes, recursos naturais, saúde e finanças, segundo matéria da GQ Brasil.
Pensando no segmento educacional global, o cenário de investimentos em IA é também otimista. De acordo com uma pesquisa da MarketsandMarkets Research, por exemplo, a expectativa é de que, até 2023, os investimentos em IA aplicada à educação cheguem no patamar de US$ 3,69 bi, atingindo um crescimento médio de cerca de 47% durante o período 2017-2023.
O eixo educacional brasileiro, por sua vez, também conta com investimentos e iniciativas importantes de grandes empresas no país. É o caso da Microsoft, que anunciou parceria com SESI e SENAI para o treinamento gratuito em inteligência artificial para 3 milhões de jovens que estudam em uma das instituições.
Rafael Ávila, diretor de inovação do Grupo Ânima Educação, comenta a parceria da empresa com uma EdTech Brasileira:
Comecei na área de inovação da Ânima Educação em 2013. Logo no início, tivemos contato com algumas edtechs que conheciam não só de tecnologia, mas de todo o processo de ensino e aprendizagem.
Foi o caso da mLearn, por exemplo, com a qual nos associamos para construir conteúdos que pudessem ser acessados via plataformas mobile. Muitas vezes, vemos professores em conflito com os smartphones, mas porque não os utilizar como plataformas de aprendizagem?
Neste sentido, a mLearn casou muito com o conceito que estávamos difundindo no Grupo Ânima de Mobile Learning. Hoje, nós abraçamos a ideia de que os alunos podem aprender, também, via mobile, por meio de aplicativos, no modelo de educação híbrida.
Um grande diferencial do Grupo Ânima consiste no fato de que nunca tivemos a intenção de fechar nossas soluções e inovações. Escolas do Nordeste, inclusive da rede pública, por exemplo, estão utilizando algumas soluções desenvolvidas por nós e a Mlearn. E isso é ótimo, pois a gente entende que a Ânima tem uma contribuição para a melhoria da educação na sociedade.
A Samsung Brasil, por sua vez, por meio do programa OCEAN, oferece cursos gratuitos em Manaus e São Paulo, com foco no desenvolvimento de soluções tecnológicas e abordando temas que vão da realidade aumentada a inteligência artificial.
Tais cursos podem contribuir para o avanço da IA no ambiente educacional brasileiro, o qual, segundo alguns especialistas, ainda precisa amadurecer. Fabrício Barth, Líder Técnico da IBM e Professor Titular do Departamento de Tecnologia da ESPM, explica alguns dos desafios para a transformação deste cenário.
“Acho que há um desafio importante relacionado aos investimentos. No setor financeiro, quando criamos, por exemplo, modelos cada vez mais assertivos para identificação de fraudes, tal investimento traz um retorno muito significativo. Por sua vez, no setor educacional é difícil encontrar casos de uso em que está realmente claro o ROI (retorno sobre o investimento), e, quando há clareza sobre o retorno, geralmente não há facilidade de implementação. Neste sentido, estamos falando de um ambiente muito mais complexo.”
O pesquisador ainda acrescenta que, no que tange a políticas públicas voltadas para a inteligência artificial, estamos muito atrás de potências como Estados Unidos, China e do próprio continente europeu.
Segundo Fabrício, todos estes centros já têm uma estratégia de políticas públicas de IA documentada – não só no eixo educacional, mas como um todo – ao passo que no Brasil, de acordo com ele, ainda estamos distantes de criar um direcionamento sobre IA no âmbito do poder público nacional.
Sobre as tendências da Inteligência Artificial no campo da educação, Fabrício aponta um caminho central.
“Pensando nas instituições de ensino, penso que o caminho seja utilizar a IA para desburocratizar os processos existentes dentro da instituição de ensino e aumentar a eficiência das chamadas atividades back-office – que não estão diretamente relacionadas com o processo de ensino-aprendizagem. Uma vez implantadas tecnologias que suportem estas atividades, há a possibilidade de que o docente direcione seu esforço na preparação de aulas ou no atendimento aos alunos, ao invés de perder um tempo excessivo na correção de testes, na construção de relatórios ou mesmo inserindo dados em diversas plataformas, conclui o pesquisador.
Assim, plataformas como a Geekie One, da EdTech Geekie, busca oferecer dados e ferramentas para facilitar a rotina e o planejamento pedagógico de gestores escolares e professores. Além disso, a plataforma tem como intuito desenvolver habilidades e competências sintonizadas com o mercado de trabalho do século XXI.
Veja como Rômulo Abdalla, CEO da mLearn, enxerga os desafios da educação no Brasil:
O principal GAP do mercado de educação, a nosso ver, é a dificuldade das pessoas em se qualificar para conseguir um emprego. Por outro lado, após o movimento de recuperação da crise econômica, as empresas precisam e nem sempre encontram mão de obra qualificada.
Neste sentido, a mLearn atua com verticais de produtos voltados para a qualificação pessoal e profissional. Nós temos, por exemplo, o aplicativo qualifica, que oferece cursos de venda e o primeiro MBA Mobile do país. Nossos cursos contam com certificação e o MBA é reconhecido pelo MEC. Para acessar os cursos, o usuário assina o serviço, conforme o Netflix e outras plataformas SaaS.
Nós também trabalhamos com soluções personalizadas para empresas e instituições de ensino: a companhia quer qualificar sua equipe e já dispõe do conteúdo. Nós disponibilizamos a ferramenta e o funcionário poderá fazer qualquer curso via mobile ou multiplataforma.
Por fim, além de oferecermos a infraestrutura, nós prestamos consultoria pedagógica e acadêmica para a construção de cursos qualidade.
Outra startup sintonizada com a ideia de construir soft skills nos estudantes é a Tamboro. Por meio de uma metodologia própria para desenvolvimento e avaliação, a Plataforma Tamboro propõe uma experiência gamificada, na qual o usuário recebe um roteiro de aprendizagem e precisa superar uma série de etapas para conquistar os objetivos propostos.
Tite Zobaran, Sócia e Diretora de Produto da Tamboro, explica o papel da Inteligência Artificial na Plataforma:
“Um dos maiores desafios do desenvolvimento de soft skills por meio de e-learning é a avaliação. Nós desenvolvemos um algoritmo inteligente inovador, em parceria com pesquisadores, que analisa os dados do participante a cada etapa da sua trajetória e, ao final do processo, conseguimos emitir um certificado com nível de proficiência em cada habilidade. A solução é customizável para empresas e o desenvolvimento de soft skills pode ser “injetado” no conteúdo técnico – com cases contextualizados. Desta forma, a empresa deixa de fazer um treinamento e passa a desenvolver suas equipes”, aponta Tite.
Selecionada pelo Programa de aceleração BNDES Garagem, a Tamboro conta hoje com 100 mil usuários cadastrados na plataforma, que utilizam tanto as funcionalidades voltadas para instituições de ensino, como as ferramentas voltadas para empresas e educação corporativa – a Tamboro conta com clientes como Ancar, Deloitte, Farfetch, Natura, Reserva, dentre outras.
Apesar de todas as conquistas, a sócia da Tamboro reconhece que o ambiente brasileiro de EdTechs conta com alguns obstáculos que precisam ser superados. Além de concordar com o Professor Fabrício Barth sobre a falta de incentivos, Tite aponta outros três desafios centrais.
“O engajamento é um ponto sensível. Envolver e despertar o interesse. Evoluir de um sistema que está aí há praticamente duzentos anos, para o cenário atual, em que o conhecimento não é mais centralizado e é cada vez mais importante despertar a curiosidade e a vontade de se autodesenvolver.”
Para superar estes pontos, somente uma união entre iniciativas públicas, empreendedorismo e pesquisa será capaz de fortalecer, de fato, o ecossistema brasileiro de EdTechs, contribuindo assim, para o aumento da competitividade e do potencial de inovação do país como um todo.
A Witseed desenvolve conteúdo especializado, tendo como foco a criação de programas personalizados de ensino em que são combinados o uso de Inteligência Artificial e vídeos roteirizados com qualidade cinematográfica. Em 2018 a startup recebeu R$ 1 milhão em investimentos.
O objetivo da Plape é melhorar a gestão de instituições de ensino e a produção acadêmica por meio de Inteligência Artificial. Utilizada em mais de 50 países por cerca de 14 milhões de estudantes, a edtech, fundada em 2015, recebeu investimentos de US$ 120 mil da Microsoft.
A startup Thinkster Math combina o uso de Inteligência Artificial com tutoria de professores especializados para desenvolver habilidades matemáticas nos estudantes. Fundada em 2010, a edtech já recebeu mais de US$ 4,7 milhões em investimentos.
Por meio do uso de Inteligência Artificial, a americana Lingvist cria experiências personalizadas de ensino em diversos idiomas, levando em conta o ritmo de aprendizagem de cada estudante. A edtech, sediada na Estônia, já recebeu, desde 2013, mais de US$ 11 milhões em investimentos.