15 de abril de 2021 Artigos

Servitização: maximizando lucros e entregando valor para o cliente

Especialistas debatem sobre a importância da servitização na Construção Civil, seus benefícios e desafios.

 

Na última década, as novas tendências de consumo, a alta competitividade, a dificuldade de retenção de clientes e o maior acesso à informação de preços, qualidade e procedência dos produtos, vêm ameaçando os modelos de negócio que tem como foco o produto. Isso porque, neste contexto, o produto por si só já não é o único fator a ser considerado na hora de realizar uma compra, e o cliente passa a valorizar outros fatores como a experiência e o serviço oferecido.

Tal mudança, tem feito empresas repensarem a forma de prover valor para o cliente, reorganizando seus modelos de negócios e adotando uma abordagem centrada no cliente através da agregação de serviços aos produtos, a chamada servitização

Dados recentes atestam esta transformação e demonstram, inclusive, resultados positivos obtidos por indústrias no setor de construção civil. Um estudo realizado pela IFS, fornecedora global de software de gestão empresarial, em 2017, com mais de 200 empresas, revelou que a adição de serviços resulta em um aumento anual de 5% a 10% na receita. Quando comparado à margem das vendas de um novo produto, o lucro obtido com o serviço pós-vendas é, em média, 15% maior, segundo relatório da McKinsey.

Considerando o crescimento do setor de indústrias de materiais de construção no último ano, a servitização, aliada às tecnologias digitais, torna-se uma estratégia fundamental para as empresas que desejam se destacar em meio a um mercado que está a pleno vapor.

A fim de entender esse processo, trouxemos diferentes especialistas do mercado para discutir as tendências na oferta de serviços no setor de construção civil, as iniciativas de inovação existentes no Brasil e os principais desafios enfrentados pelas empresas e startups no que diz respeito à servitização.

Desenhando a jornada do cliente

Implementar a oferta de serviços que vão além do produto em si, exige, antes de mais nada, o entendimento do processo de aquisição do cliente.

“O ponto de partida é realizar o entendimento de toda a jornada do cliente, conhecer seus hábitos, seus desejos e comportamentos para que o desenho de serviços seja coerente com as suas necessidades e expectativas”, explica Flavio Hayashi, gerente de produtos e inovação da Leroy Merlin. “A régua tem subido muito nos últimos anos e o cliente não espera nada menos do que a melhor experiência que ele tenha tido seja qual for a marca ou segmento de mercado, ou seja, o cliente que atendemos hoje não nos compara mais com os nossos concorrentes diretos, ele espera que cada etapa funcione no mínimo como funciona no supermercado que ele mais gosta, no banco, no restaurante, academia etc.”

Para que a experiência do consumidor seja positiva e memorável, Hayashi afirma que é necessário que a cultura da empresa esteja totalmente centrada no cliente, incluindo colaboradores na parte estratégica com o objetivo de entender os pontos de melhoria para que os serviços sejam implementados de maneira eficiente e satisfatória.

Servitização como forma de agregar valor

Pensando nos hábitos de consumo da sociedade atual, Daniel Franco, diretor de TI, desenvolvimento de negócios e inovação da Duratex, afirma que a venda de um produto não resolve a dor do consumidor em sua totalidade. 

“Dificilmente um cliente sabe realizar sozinho tarefas como pintar uma parede, instalar um ar condicionado, assentar um piso de porcelanato, enfim. Quando ele compra um material de construção, ele está apenas iniciando uma árdua jornada, já que nos próximos passos deverá enfrentar desafios como: achar um bom profissional para execução do serviço, planejar a execução da obra, comprar os produtos auxiliares que viabilizem a execução da reforma e gerenciar a gestão dos resíduos provenientes da execução da reforma.”

Nesse contexto, a servitização mostra-se como uma solução ideal para atender às reais necessidades do cliente e contribui, também, para o posicionamento das marcas no mercado, comenta Eduardo Quadrado, CEO da FIX, startup de serviços de manutenção e reparos domésticos, fundada em 2017. 

“O pessoal diz que o mercado da construção civil, depois do da pesca, é o que menos inova. É um jargão que já ouvimos falar várias vezes. Pra mim é novo, eu estou nesse mercado há quatro anos, vim de tecnologia de Recursos Humanos, mas eu faço muito paralelo com as automobilísticas. Antes, vender carro dava muito dinheiro e ninguém cuidava tanto da área de serviços. Hoje isso se inverteu por causa da concorrência e da tecnologia mais parelha. Basicamente, os carros são muito parecidos, o que vai fazer diferença é o serviço, é agregar valor e ter uma experiência desse cliente em vários pontos de contato durante o processo de convivência com ele, por isso a área de serviço vai ganhar cada vez mais importância.”

Novas oportunidades de negócio

Além de agregar valor ao cliente final, a servitização tem impulsionado o surgimento de novos modelos de negócios no setor de construção civil e, neste cenário, as startups têm assumido um papel de destaque ao trazer propostas inovadoras. De 2019 para 2020, houve um crescimento de 23% na quantidade de construtechs e proptechs ativas no Brasil, conforme revela mapeamento realizado pela Terracota Ventures. Das 702 startups, a maioria (33%) está voltada à jornada de aquisição.

É o caso da FIX. Quadrado, CEO da startup, conta que, inicialmente, o modelo era exclusivamente business-to-consumer (B2C), mas a dificuldade em tracionar o negócio fez a startup buscar no setor imobiliário uma forma de alavancar as vendas através de parcerias.

“A FIX criou um sistema para organizar a área de assistência técnica das imobiliárias, intermediando o contato entre inquilinos e proprietários. Por meio de APIs instaladas em seus canais, seja site ou aplicativo, o inquilino registra as informações sobre o ocorrido no imóvel – como fotos e vídeos – e solicita o reparo a ser feito”, explica o empreendedor. “Logo que chega o pedido, nossa equipe avalia de quem é a responsabilidade, informa qual é o serviço necessário e faz a visita técnica digitalmente. Depois de identificado o problema, nós recebemos propostas da nossa rede de prestadores e apresentamos três opções para o problema do inquilino. Isso resolveu um problemão para as imobiliárias, que gastavam muito tempo para solucionar essas questões.”

Atualmente, a parceria com imobiliárias representa 60% da receita da FIX. Outro exemplo é a proptech  EasyDeco, plataforma que oferece projetos de decoração online a preços acessíveis e que, atualmente, atua em conjunto com a TokStok. A CEO da startup, Miriam Yocoyama, avalia que a parceria entre startups e grandes players do setor de construção civil gera retornos positivos para ambos os lados.

“No fim, para os varejistas e para a indústria nós funcionamos como um canal para conseguir acessar clientes que estão no momento certo, o que sabemos que não é frequente”, explica. “Eles já experimentaram o produto na casa deles, com quase zero chance de errar porque já viram, já foi recomendado, sabem que combina, então é um canal de clientes de alto LTV, alto valor.”

Os desafios para implementar a servitização

Na última década, as empresas têm, cada vez mais, focado seus esforços em oferecer a melhor experiência para os seus clientes. Neste contexto, a servitização tem se mostrado uma ferramenta importante para o setor de construção civil, que viu a necessidade de oferecer serviços a fim de se destacar em um mercado competitivo. 

Tal processo, entretanto, não é tão simples de ser realizado. Para Yocoyama, uma das maiores dificuldades da servitização é entender como escalar serviços mantendo o nível de qualidade.

“Um desafio que eu vejo muito grande pra quem vem de um histórico de produto e quer trazer serviço, é que é um business totalmente diferente. Em um, você está muito focado na escala, na produção, na eficiência, no entendimento do produto, na logística. E aí, quando você pensa em serviço, a escala é muito limitada, serviço são pessoas e essas pessoas têm que fazer coisas e garantir a qualidade, é muito variável. Em uma linha de produção você coloca uma máquina, cria o processo e roda.”

Somado à dificuldade de oferecer serviços de qualidade em larga escala, Bruno Loreto, manager-partner da Terracotta Ventures, afirma que ainda há um elemento cultural a ser rompido na grande maioria das empresas de construção civil.

“Tem um segundo desafio que é mais cultural, que é realmente entender essa lógica de como eu repenso a minha forma de desenvolver soluções, como é que eu deixo de pensar produto e penso efetivamente em uma solução pro meu cliente?”, explica. “No geral essas empresas, muitas não tem ainda uma estrutura em que olha sobre essa ótica, acabam tendo uma estrutura tradicional de pesquisa e desenvolvimento que olha muito inovação de produto e pesquisa científica, pesquisas de insumos e materiais. E aqui a gente está olhando muito mais sobre uma ótica de jornada de serviços, na experiência do consumidor, então às vezes você precisa de outro perfil de profissional, um service designer, caras que vão trabalhar UX, que são conceitos que, no geral, essa indústria não está acostumada.”

Tecnologias e tendências

Pensando na sociedade 4.0, agregar serviços ao produto exige, quase sempre, a adoção de tecnologias digitais, como explica o diretor de TI, desenvolvimento de negócios e inovação da Duratex, Daniel Franco.

Existe uma forte conexão entre os dois temas: servitização e tecnologia. Estamos vendo o crescimento disruptivo de tecnologias que facilitam e muito o processo de agregar serviços à cadeia como um todo, tanto no B2B como no B2C. Um exemplo prático é o processo de modularização e industrialização da construção civil, tornando os canteiros de obra grandes linhas de montagem. Isto só está sendo possível tendo em vista a evolução das tecnologias BIM [Building Information Modeling]. Já no B2C, muitas ferramentas digitais estão ajudando o consumidor na redução de dores nesta árdua jornada da reforma e decoração”, afirma Franco. “Além de iniciativas que permitem o consumidor simular digitalmente em seu próprio lar como ficarão os revestimentos instalados antes mesmo da compra.

Já Flavio Hayashi, enxerga a praticidade como um caminho para as empresas se destacarem no mercado e fidelizar clientes. “Se olharmos para o setor de Construção de uma forma ampla, existem muitas coisas fragmentadas e muitos modelos de negócios ainda atuando de forma tradicional e muito pouco digital, então quem puder oferecer soluções mais simples, mais fáceis e que resolvam efetivamente os problemas e necessidades dos usuários, certamente vai conquistar muitos novos clientes, é o que está acontecendo com o setor imobiliário por exemplo, com startups criando uma disrupção ao oferecer soluções de crédito e contratos menos burocráticos, soluções de co-living e até casas prontas para morar inclusive decoradas.”

A servitização no Brasil e no mundo

De acordo com Bruno Loreto, o mercado brasileiro está avançando, mas, no geral, as soluções apresentadas são menos sofisticadas quando comparadas às tecnologias desenvolvidas por outros países.

Um bom exemplo é o robô desenvolvido pela startup israelense, Okibo. Utilizando tecnologias como Inteligência Artificial, scanners 3D, sensores de movimento e geolocalização, o robô atua de forma autônoma no processo de pintura e aplicação de revestimentos. Além disso, o android pode operar por 24 horas sem interrupção.

O especialista afirma que soluções como essa auxiliam a substituir o trabalho humano e reduzir a improdutividade da atividade manual, além de gerar oportunidades de parcerias entre diferentes players do mercado.

“Esse caso está focado não só em vender o produto robô, mas principalmente em como a Okibo vende a parede pintada, como ela ganha por metro quadrado pintado em um modelo de negócio que, por exemplo, ela pode atuar em parceria com a indústria de tintas e, juntas, atender a demanda do cliente”, comenta Loreto. “Esse é um exemplo que eu vejo acontecer no ecossistema de Israel com uma tecnologia mais robusta e que aqui eu vejo a indústria, de uma forma geral, caminhar nessa direção, mas com pouca tecnologia efetivamente. Você tem muita inovação de design, de serviço, mas nada muito disruptivo.”

Ponto final

Apesar do setor de construção civil, no geral, ainda atuar com modelos de negócios tradicionais e pouco digital, a servitização vem ganhando cada vez mais espaço em empresas que têm o produto como foco. Aqueles que quiserem se destacar e criar relacionamentos duradouros com seus clientes terão que se adaptar ao novo modelo de consumo, a começar pela cultura da empresa e digitalização e, posteriormente, oferecendo soluções que atendam às reais necessidades do consumidor, tudo isso com uma experiência marcante, fácil e sem fricção