Confira uma análise sobre as perspectivas em torno do mercado de trading de energia e sobre o futuro do setor elétrico no Brasil e no mundo
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No último tomo deste estudo, nosso objetivo é conectar três discussões que podem contribuir para o desenho de um panorama sobre o futuro do mercado de energia no Brasil. São eles: a entrada de novos agentes no setor elétrico; o amadurecimento do segmento de trading de energia no ecossistema de negócios do país; além da busca por eficiência energética como um motor para o surgimento de inovações tecnológicas.
Dito isso, pensando em novos players do mercado de energia, um primeiro movimento, comentado por muitos especialistas consultados neste estudo, envolve a entrada dos bancos e de grandes grupos financeiros no setor elétrico, por meio da criação de mesas de comercialização de energia nas instituições.
É o caso do Banco Itaú e do Banco Indusval & Partners (BI&P), por exemplo, os quais, conforme destaca matéria do Portal Exame, veem na abertura do mercado de energia, uma oportunidade para se posicionar neste segmento e disputar espaços com as empresas de trading que vem conquistando bons resultados no ambiente de negócios nacional.
Além disso, o potencial de consumo dos clientes atuais do mercado livre no Brasil é significativo, uma vez que estamos falando, essencialmente, de um universo de consumidores (dentre grandes empresas e negócios de menor porte) que consomem cerca de 30% da demanda energética do país.
Em entrevista para o Valor Econômico, o diretor de comercialização de energia do Banco Itaú, Oderval Duarte, aponta que um dos diferenciais do banco é, justamente, uma estrutura mais robusta para lidar com gestão de riscos dentro de um segmento ainda com bastante volatilidade nas operações de compra e venda. Antes de chegar ao Itaú, é interessante observar que o executivo já conduzia a área de comercialização de energia no Banco BTG Pactual, um dos pioneiros da indústria bancária a atuar no nicho de compra e venda de energia em território nacional, em conjunto com outras instituições, como o Banco Santander.
Outro banco que deve se juntar a esse grupo é o Bradesco, segunda maior instituição bancária do Brasil. Vale salientar que o número de comercializadoras de energia teve crescimento de 19% dentre janeiro e outubro de 2019 – de acordo com dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Para Adriana Luz, consultora e especialista no mercado livre de energia, os bancos, possivelmente, irão aproveitar o seu potencial de digitalização para fomentar a venda de ativos de energia por meio de apps, facilitando assim, a comunicação com seus clientes.
“Nós já tínhamos os bancos BTG, XP e Santander atuando nesse mercado. Com o anúncio da abertura de comercializadoras de energia por parte do Itaú e do Bradesco, duas das maiores instituições financeiras privadas do país, vemos uma consolidação deste movimento – bancos como players no mercado livre, na área de trading da energia. Mas eu acredito que também estejam visualizando novas possibilidades da venda de energia, como por meio de aplicativos para seus clientes (tanto residenciais quanto empresariais). Afinal de contas, não é a toa que estão entrando nesse mercado no momento em que está avançando a abertura dele para todos os perfis de consumidores”, analisa Luz.
Avançando nesta discussão, e pensando nas perspectivas para o mercado de trading no Brasil, Sami Grynwald, Gerente de Novos Negócios da Thymos, concorda com a perspectiva do Banco Itaú e aponta que a volatilidade do mercado de energia no Brasil abre um nicho de oportunidades para os traders.
“A matriz energética brasileira é conhecida por ser prioritariamente térmica e hidrelétrica. O custo hidrelétrico é baixo e o térmico, por sua vez, é alto. Quando temos a troca de um pelo outro, há uma volatilidade de preços muito expressiva, surgindo uma oportunidade para o trader. Neste sentido, eu acredito que o mercado de trading deve crescer muito no Brasil ainda. Estamos vivenciando reduções nas taxas de juros e, com a volatilidade, é comum que o trading se torne uma alternativa para novos entrantes. Com a entrada das grandes instituições financeiras no terreno da comercialização de energia, acredito que o trading vai assumir um papel de índice financeiro, índice de mercado”, comenta Grynwald.
Não à toa, nos últimos anos, o segmento de trading vem impulsionando o surgimento de novas comercializadoras de energia no Brasil.
No ano de 2018, por exemplo, quando o número de comercializadoras alcançou crescimento recorde de 23,3%, para especialistas consultados em reportagem da Revista Época, cerca 95% destas novas comercializadoras estavam focadas no segmento de trading de energia.
A reportagem destaca, justamente, uma mudança de paradigma para as comercializadoras: se antes, a maioria delas estava focada na intermediação de negócios entre geradores e consumidores, com a expansão do ambiente de contratação livre, a tendência é de que, cada vez mais, estas empresas foquem nas operações de compra e venda (trading).
[highlight = “pink”]Pensando em escala global, vale citar que o mercado de trading de energia movimentou US$ 1,3 bilhões em 2019, devendo alcançar um crescimento médio de 4,2% até 2026[/highlight], de acordo com dados da Market Watch. Rafael Estrela, Assessor Financeiro na Astris Finance, analisa algumas das perspectivas e desafios para este segmento.
“O mercado de trading de energia é muito desafiador em qualquer lugar do mundo – no curto prazo há muita volatilidade, impondo riscos ao comercializador, mas um upside enorme também. Até recentemente já se precificava uma subida do preço de energia com a retomada da economia e logo o mercado virou com a questão do coronavírus – o trader trabalha com estes riscos constantemente. Neste sentido, ele tem o desafio de ter essa leitura de mercado, identificar ineficiências em submercados e regiões específica, identificar grandes indústrias eletrointensivas demandando energia e ao mesmo tempo gerenciando bem o risco de crédito de sua carteira. Além disso, seu conhecimento técnico de aspectos que afetam o preço no curto prazo como o clima afetando nível de reservatórios de usinas hidrelétricas, tendências de vento, crescimento da economia, demanda de submercados em diferentes regiões do país pode fazer o trader de energia antecipar movimentos e apostar em subidas e quedas de preço”, analisa Estrela.
Vale salientar ainda que produtoras de energia, como no caso da ENGIE Brasil Energia – maior produtora privada de energia elétrica do país – vem ampliando sua participação no mercado de trading. É o que explica Gabriel Mann, diretor de comercialização da companhia.
“O trading de energia é um segmento que complementa as soluções que a Engie opera. Temos um dos maiores e mais diversificado portfólio de usinas do país, bem como de clientes. Toda esta diversidade traz riscos e oportunidades que, através do trading, conseguimos potencializar. O trading traz a velocidade necessária para direcionarmos algumas “posições” do nosso portfólio. Além disso nos proporciona uma diversificação de contrapartes necessária para que se diluam riscos. Este é um mercado que vem crescendo e que acreditamos. Atuamos a muito tempo com o trading, mas nos últimos três anos aprimoramos nossa participação, nosso foco e métricas de tomada de decisão e risco. Acreditamos que temos muito para desenvolver este mercado, principalmente no que tange a risco de contrapartes, alavancagem e liquidez. Já vimos isso acontecer em outros países e cada vez mais precisamos de agentes fortes e com robustez financeira para operar neste mercado”, explica Mann.
Dito isso, para que movimentos como o trading de energia e novas oportunidades de negócio surjam no contexto do mercado livre, é importante notar alguns desafios importantes, tendo em vista uma real consolidação do ambiente de contratação livre no país.
É o que comenta Ricardo Grassman, diretor da vertical de Energia da ACATE (Associação Catarinense de Tecnologia) e CEO da Way 2 Technology, empresa de software e serviços focada no setor elétrico que oferece soluções para telemedição e gestão de energia associados a aplicações de inteligência sobre dados energéticos.
“Para que esses objetivos se realizem ainda precisamos de uma adequada alocação dos custos da contratação de atributos para o sistema, mais alguns ajustes finos nos modelos computacionais para assegurar a implementação do preço horário com segurança e maior uso de contratos financeiros pelo setor para alimentar e garantir mais liquidez ao mercado. Talvez um dos maiores desafios, apesar de pouco falado na mídia, seja o avanço da medição inteligente no setor. Hoje a maioria do nosso parque de medidores não é inteligente, isto é, não permite o acesso remoto aos dados de energia, impossibilitando a consolidação digital online de consumos horários. Este último e importante desafio poderia ser superado com pequenos ajustes na forma em que os sistemas de medição (principalmente medidores) são contabilizados na tarifa de energia”, analisa Grassmann.
Pode-se inferir que um dos principais motores para a busca por uma maior abertura do mercado de energia e por novos modelos de compra e venda deste ativo envolve um anseio dos consumidores, tanto empresariais quanto residenciais, por maiores níveis de eficiência energética atrelada a redução de custos.
No ambiente de contratação livre, por exemplo, as empresas conseguem absorver – mesmo com uma eventual volatilidade no curto prazo – uma economia de até 34%, segundo dados anteriormente citados da Abraceel.
Estamos falando de uma porcentagem de redução significativa, principalmente quando levamos em conta que, em determinados mercados, como no setor industrial, por exemplo, o gasto com energia pode representar até 40% dos custos de produção, segundo dados da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
Além disso, de acordo com reportagem da Universidade Federal de Santa Catarina, o Brasil possui a segunda tarifa de energia elétrica mais cara do mundo para a indústria.
A boa notícia, diante deste cenário, é uma oferta maior de alternativas para a redução de custos com energia no país. É o que indica Ricardo Grassmann.
“O consumidor conta com uma gama de alternativas que vão desde a migração para o mercado livre até a compra de créditos de geração distribuída de um terceiro e o abatimento destes créditos em sua conta com a distribuidora, passando inclusive pela opção de contratar diversos projetos e tecnologias ligadas a eficiência energética. Esta pluralidade de alternativas é algo muito bom, mas trouxe uma complexidade para o consumidor na hora de escolher o que mais faz sentido para sua operação. Nesta hora os serviços de gestão de energia baseados em monitoramento do consumo são tremendamente eficazes pois ajudam o consumidor a entender seu próprio perfil de consumo e usar ferramentas para auxiliá-lo na escolha da melhor opção”, explica o diretor da vertical de Energia da ACATE e CEO da Way 2 Technology.
Dentro deste contexto de surgimento de tecnologias em torno da eficiência energética e de soluções para o monitoramento do consumo, as startups têm assumido um papel mais disruptivo no país, por meio de inovações guiadas pelo princípio de uma gestão inteligente do uso de energia. É o caso, por exemplo, da CUBi, que utiliza IoT e ciência de dados para auxiliar empresas e indústrias no entendimento e gestão de seu consumo de energia, promovendo uma economia de até 18%, dependendo da indústria e da disponibilidade da empresa para promover ações estratégicas de redução de custos.
“Poucas empresas fazem uma gestão adequada do recurso energético. Hoje, a maior parte dos gestores não sabem onde, quando ou como estão consumindo energia elétrica. Além disso, a alta complexidade do ambiente regulatório combinada às múltiplas opções de ações de melhoria de performance energética acabam paralisando ou levando esses gestores para soluções não ideais. Neste sentido, temos um trabalho muito grande visando educar os clientes sobre as melhores práticas de uma gestão baseada em dados. O que buscamos sempre é identificar o potencial de eficiência energética dentro da empresa para colocar as ações mais atrativas para a indústria na mesa. Para tanto, realizamos desde monitoramento em tempo real para captar dados sobre o consumo de energia, até a análise de faturas, boletos e os processos do cliente, por meio de um sistema inteligente e automatizado”, comenta Rafael Turella, cofundador & diretor comercial da CUBi.
A busca por eficiência energética no país, vale salientar, é um movimento essencial, uma vez que estamos falando de um gargalo que diminui a competitividade das empresas brasileiras em escala global.
De acordo com o International Energy Efficiency Scorecard, relatório lançado em 2018 pela ACEEE (American Council for an Energy-Efficient Economy), por exemplo, o Brasil é apenas o vigésimo colocado em eficiência energética, dentro de um ranking que analisou 25 grandes economias, ao passo que o potencial de economia com energia no país gira em torno de R$ 52 bilhões.
Para o cofundador da CUBi – que conta com clientes como Camargo Corrêa, Sodexo, Vale S.A., Itograss e FIESC – o mercado de energia já conta com soluções que podem ajudar as empresas nos mais diversos aspectos; o grande desafio é colocar em prática uma mentalidade mais digital no setor.
“Nós falamos bastante na CUBi que as tecnologias para o mercado de energia já existem em abundância. Temos uma série de opções para os clientes colocarem em prática. A grande dificuldade é saber o que usar, quando usar e estar disposto a aproveitar ao máximo o potencial de uma solução”, conclui Rafael Turella.
A GreenAnt é uma plataforma baseada em inteligência de dados com foco no aumento da eficiência energética e melhoria da tomada de decisões na gestão de ativos de energia. A startup já recebeu R$ 2,3 milhões em aportes.
A Navarra Tech é uma startup de Santa Catarina que desenvolveu uma plataforma de trading e procurement de energia elétrica, com foco em negociações de ativos dentro do ambiente livre de contratação. A startup foi acelerada no programa Techstars da Energy Accelerator.
A Power Ledger é uma startup australiana que desenvolveu uma plataforma de trading com foco em transações de energias renováveis. A startup utiliza blockchain para assegurar suas operações e já recebeu US$ 35 milhões em investimentos.
A Watty é uma startup sueca que desenvolveu uma solução baseada em IoT para o monitoramento do uso de equipamentos eletrônicos em residências, com foco no consumo consciente. Já recebeu investimentos de € 4,1 milhões.