Veja como as logtechs têm contribuído para a superação de desafios e gerado oportunidades para a inserção de novas tecnologias na área logística
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Um dos principais desafios ao se falar sobre logística e sobre as startups da área (logtechs) envolve, antes de mais nada, a amplitude deste tema para as organizações e para a própria vida em sociedade.
Para entendermos a dimensão deste conceito, basta pensarmos que a origem do termo, estava relacionada principalmente, com a organização e movimentação de suprimentos militares; sendo posteriormente adaptada para o terreno da administração de empresas, principalmente no campo do planejamento, controle e distribuição de mercadorias.
Com as transformações do mercado, a logística passou a adquirir um posicionamento mais central para os negócios. Segundo conceito dos professores e pesquisadores da FGV, Paulo Knörich Zuffo e Thomaz Wood Junior, a logística, hoje, pode ser entendida como um campo que ganha uma nova dimensão, “envolvendo a integração de todas as atividades ao longo da cadeia de valores: da geração de matérias primas ao serviço ao cliente final. Deixa de ter um enfoque operacional para adquirir um caráter estratégico.”
Tratar desta mudança de paradigma da logística nas organizações e do nível de maturidade das empresas brasileiras para encarar esta atividade não mais como uma ferramenta somente operacional, mas sim, de caráter estratégico e que traz implicações para a satisfação do consumidor e para a própria rentabilidade destas organizações, é um dos propósitos centrais deste estudo.
Além disso, é importante ter em mente o impacto que a logística traz para a competitividade dos países e para a economia global como um todo.
Para termos uma ideia, de acordo com a pesquisa do Banco Mundial – Logistics Performance Index, que avalia os países de acordo com seus níveis de infraestrutura, os 10 líderes do ranking estão, também, entre as principais economias do planeta – sendo a maioria deles pertencente a União Europeia, que teve PIB nominal de € 15.869 trilhões em 2018, mesmo com as dificuldades macroeconômicas atuais da região.
A Alemanha, líder do LPI (Logistics Performance Index), aliás, é responsável, sozinha, por mais de um quinto do PIB de toda a União Europeia, sendo também, atualmente, a quarta maior economia do planeta, segundo ranking do Fundo Monetário Internacional (FMI).
É interessante perceber ainda que a China, que vem diminuindo a distância para os Estados Unidos quanto ao seu PIB nominal, também vem crescendo, de modo gradativo, no ranking de logística do Banco Mundial, ocupando, atualmente, a 26º posição (Hong Kong, centro econômico do país, se encontra na 12º posição).
Dentro de todo este contexto, uma questão importante deve ser levantada:
Se, mesmo com todos os desafios logísticos nacionais – basta lembrar que o Brasil ocupa apenas a modesta 56º posição do LPI – e os anos de baixo crescimento graças à crise econômica que afetou o país na última década, o Brasil ainda é uma das 10 principais economias do mundo, o que seria de nosso ambiente de negócios, em termos de crescimento, se tivéssemos um ecossistema de infraestrutura logística mais convidativo para as organizações?
É razoável supor que nossa competitividade e protagonismo na macroeconomia global seria ainda mais significativo. Impulsionar esta competitividade, superar obstáculos e identificar oportunidades é, certamente, um dos principais papéis da tecnologia. É o que aponta o professor e coordenador do MBA em Logística 4.0 e Supply Chain do Instituto Projeção de Goiânia (INPRO – GO), Victor Sampaio.
“Mesmo que o governo quisesse começar a investir de modo maciço para resolver os problemas de infraestrutura do país, alguns estudos indicam que se levaria de 15 a 20 anos, apenas para começarmos a ter uma base de estrutura logística razoável em todos os modais. Neste sentido, as empresas não podem esperar somente o governo, caso contrário, perderão todo o seu poder de competitividade. Elas precisam entender que independentemente de nossa conjuntura nacional, é preciso investir em tecnologia logística.”
Dentre as principais tecnologias capazes de otimizar a eficiências das empresas, o professor do Instituto Projeção cita os sistemas de gestão de armazenagem (WMS), tecnologias de roteirização e soluções de business intelligence, capazes, segundo Sampaio, de ampliar o potencial dos dados logísticos nas organizações.
Como efeito da mudança de patamar da logística para as organizações, aos poucos, as organizações no Brasil estão mais atentas para a importância dos investimentos tecnológicos. De acordo com o estudo, Panorama dos Transportes de Cargas no Brasil, a tecnologia deve dominar os aportes em logística no Brasil ao longo dos próximos anos, sendo que 30% das empresas consultadas pretende criar uma área de planejamento logístico suportada por tecnologias avançadas.
Em âmbito global, até 2022, soluções de big data e análise preditiva devem dominar os investimentos em tecnologia logística, de acordo com números da Statista. Mas, apesar destes primeiros movimentos de transformação digital, é importante entendermos que a logística no Brasil ainda é um mercado tradicional, que enfrenta desafios, justamente, nesse processo de mudança de mentalidade capaz de propiciar a abertura para a inovação.
Vitor Marques, sócio-diretor e especialista em supply chain da Visagio, consultoria de gestão com escritórios no Brasil, Oceania e Europa, aponta, inclusive, a necessidade de uma maior difusão da capacitação profissional na área logística e o perfil familiar das empresas brasileiras.
“Logística ainda é um tema muito jovem no Brasil e, também por isso, temos ainda poucas escolas de formação de profissionais de supply chain. Em boa parte das empresas, os profissionais da área têm um conhecimento muito prático. Estamos falando de empresas com um perfil familiar, que, em alguns casos, passaram só recentemente por um processo de profissionalização. Os gestores de armazéns, por exemplo, geralmente, são profissionais que ali começaram e ganharam experiência. Esse, obviamente, é um retrato do profissional de nível médio no país. Sem dúvidas, tivemos alguns avanços e as próprias exigências internacionais fazem com que os profissionais busquem mais competências, para estruturar cadeias logísticas integradas, com produtos internacionais de outras cadeias produtivas. Mas temos ainda um espaço grande para percorrer. Ao mesmo tempo em que os desafios são enormes, temos um terreno muito vasto de oportunidades”, comenta Marques.
A Associação Brasileira de Logística aponta diagnóstico semelhante, indicando uma baixa maturidade da logística no país. O Coordenador do Comitê de Gestão de Pessoas da Associação Brasileira de Logística (ASLOG), Fernando Purves, comenta, em artigo, que um dos fatores que justificam essa baixa maturidade é, justamente, é a falta de educação formal na área, uma vez que a maioria dos profissionais se concentrou, principalmente, em adquirir experiência prática nas organizações.
Se, por um lado, a transformação cultural é um desafio do setor logístico no Brasil que precisa ser vencido para uma maior adesão tecnológica por parte das empresas, como veremos no decorrer deste estudo, muitas startups estão se mobilizando e desenvolvendo estratégias para fomentar a transformação digital da logística nacional e, consequentemente, aumentar a competitividade do ambiente de negócios brasileiro.
Mas a transformação cultural é apenas um dos passos para o fortalecimento do ambiente logístico do país. Como destaca o professor Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral e pesquisador responsável pela Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes da FDC, o Brasil enfrenta desafios complexos no âmbito da infraestrutura que, por sua vez, afetam toda a cadeia de produtividade nacional.
“O país possui um gargalo significativo de produtividade logística. A produtividade logística é o resultado de cenários de eficiência que envolvem tanto as redes físicas de movimentação, quanto a questão de pessoal e a questão tecnológica. Se você olhar um país com alta eficiência logística e consequentemente, alta produtividade, você vai ver que esses três pilares são bem equilibrados. Nós temos, sobretudo, grandes problemas de infraestrutura – nossa rede física é uma rede ruim e ela é desequilibrada na sua matriz, ou seja, nós temos um modal rodoviário predominando sobre todos os outros modais.”
O baixo investimento em infraestrutura logística é um dos pontos que explica, ao menos em parte, o cenário descrito pelo pesquisador da FDC.
Segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, nos últimos 20 anos, somente 2,1% do PIB nacional foi destinado para o ambiente infraestrutural do Brasil – o número é cerca de metade do que as economias emergentes investiram nos últimos anos.
Algumas iniciativas, é verdade, tem buscado transformar este cenário. No Porto de Suape, por exemplo, recentemente, foi lançado um novo serviço expresso de cabotagem interligando este porto com o Porto de Santos, que pode contribuir para uma diversificação maior de modais no país. É o que explica Tahiana Gurgel, coordenadora de negócios do Complexo Industrial Portuário de Suape.
“Dependendo das distâncias, o modal marítimo se torna bem atrativo. O importante é criar serviços e rotas mais competitivas. Por exemplo: aqui em Suape foi criado um serviço expresso que vai nos conectar diretamente a Santos. Esse serviço expresso é uma linha que leva três dias de trânsito, superando o rodoviário, porque se a troca de motoristas for feita no modal físico, levará mais do que três dias. No marítimo não há necessidade, então o modelo já se torna mais competitivo que o rodoviário e pode contribuir com a diversificação de modais no país. O grande desafio ainda é, justamente, a liberação da carga. Isso também tem sido trabalhado e depende da integração do usuário com os órgãos anuentes locais”, explica Gurgel.
Com cerca de 65% de sua movimentação direcionada para a cabotagem (navegação de curta distância), o Porto de Suape tem trabalhado para difundir os benefícios deste modal para o Brasil. Tahiana Gurgel destaca alguns dos principais desafios para uma maior adesão a este modelo.
“Quando a gente fala de cabotagem, é extremamente estratégico termos toda essa costa de navegação e poder interligar as principais capitais, os principais PIBs, com o transporte marítimo. Você pode ser mais rápido e ágil, você tem ganhos em segurança da carga e é um transporte que possibilita a junção de grandes volumes, possibilitando grandes expedições. Apesar disso, a cabotagem no Brasil ainda precisa de incentivos. Algumas regulações do setor demandam mais tempo neste processo, porém isso não intimida os armadores, já que existe uma oferta justa no mercado e eu vejo muitos ganhos para a empresa que queira se adaptar a esse tipo de modal”, aponta Gurgel.
A complexidade da infraestrutura de um país com dimensões continentais como o Brasil e as oportunidades geradas por este ambiente compõem um dos eixos que serão analisados em profundidade ao longo deste estudo.
Além disso, questões relacionadas a segurança de cargas e ao cenário tributário aplicado a logística serão outros pilares desta pesquisa que, por sua vez, foram apontados por diversos dos especialistas consultados neste estudo com os principais gargalos logísticos nacionais.
Para superar tais gargalos, as empresas têm direcionado, cada vez mais, investimentos para a área de logística de seus negócios. A pesquisa Custos Logísticos no Brasil da Fundação Dom Cabral aponta, por exemplo, que mais de 12% do faturamento das empresas é direcionado para os seus centros de logística.
Dentro deste contexto, o professor Victor Sampaio do INPRO – GO, observa a necessidade de uma gestão de custos logísticos mais profissional, por parte das organizações.
“Uma gestão de custos mais eficiente é fundamental para que se consiga estratificar de onde está vindo a despesa e seja possível se tomar planos de ação para que aquela despesa esteja correta – muitas empresas não têm uma gestão de custos detalhada e embarcada em tecnologia. É preciso levar em conta a amarração dos centros de custos e captação de dados para cada conta contábil, para que as empresas consigam, inclusive, identificar onde estão seus gargalos financeiros”, conclui Sampaio.
Em termos de segurança, vale destacar também iniciativas de algumas organizações que têm investido em terminais de alta segurança e depósitos inteligentes, que utilizam tecnologias como o IoT para otimizar a proteção a cargas e aumentar a eficiência nos processos de supply chain.
A Brink’s, uma das principais marcas globais de segurança e transporte de cargas de alto valor, por exemplo, foi pioneira no lançamento de um terminal de alta segurança em aeroportos da América Latina. Fundado em 2016, a operação está localizada em Viracopos. É o que explica Gil Hipólito, diretor de negócios da Brink’s.
“A operação de Viracopos é um ambiente seguro dentro do aeroporto, uma instalação construída e operada pela Brink’s para dar segurança a cargas de valor, tanto na importação como na exportação. A gente faz o armazenamento da chegada e da saída de cargas de valor. Na sequência, avançamos com esse projeto, uma vez que percebemos que alguns clientes precisavam de segurança também fora do aeroporto, então construímos um armazém seguro para compor a solução de logística. Fazemos, então, a recepção e a transferência para um armazém seguro fora do aeroporto, utilizando, dentre outros pontos, soluções de rastreabilidade e monitoramento em vídeo durante todo o período em que as cargas estiverem sob nossa responsabilidade”, explica Hipólito.
Dentro deste contexto, a indústria de armazenagem tem apresentado grande potencial de crescimento, impulsionada, sobretudo, pela tendência dos “smart warehouses”, conforme aponta pesquisa da Technavio, que prevê crescimento médio deste mercado de 6% até 2022, ano no qual a indústria de armazenagem deve atingir US$ 265 bilhões em expansão.
Para Gil Hipólito, um dos maiores desafios, em segurança logística, é manter-se atualizado quanto às inovações, trazendo, para uma operação, as soluções que, de fato, possam contribuir com a realidade do negócio.
“Constantemente temos que adaptar nossas operações a novas demandas de mercado. Investimos, de modo contínuo, em recursos tecnológicos para aumentar a segurança e eficiência da operação. Para tanto, é preciso aplicar a inovação de uma forma consistente. Há muitas novidades no mercado, muita tecnologia disponível, e a grande questão é você trazer isso para o seu negócio de uma forma prática e duradoura, sem que seja apenas uma abertura momentânea, uma mera experiência. Nós temos um processo constante de avaliar as novidades e a possibilidade de trazer aquilo para a realidade da operação”, conclui Hipólito.
A Brink’s, aliás, conduz um programa de aceleração de startups junto a Liga Ventures, o BrinksUp!, justamente com o intuito de fortalecer os processos de inovação da companhia de modo consistente.
O direcionamento de um maior volume de recursos para os departamentos logísticos constitui também uma oportunidade ímpar para as empresas que desenvolvem tecnologias focadas em supply chain, incluindo as startups de logística, também conhecidas como Logtechs.
Neste cenário, além de aproveitar o início de abertura do mercado logístico no Brasil para a inovação, as startups podem se posicionar como verdadeiras agentes de mudança nas organizações. O sócio-diretor da Visagio, Vitor Marques, comenta este contexto de oportunidades.
“Olhando para o mercado, naturalmente, há uma busca por mais inteligência para os processos de supply chain, para que se evitem os desperdícios com excesso de cobertura de estoque, perdas de produtos por obsolescência, etc. Quando começamos a falar de produtos mais tecnológicos, de maior valor agregado, você faz com que o supply chain precise ser mais moderno e mais ágil”, aponta Marques.
Entender o potencial e a maturidade das Logtechs e seu papel neste contexto de busca por uma logística mais inteligente é, por fim, o objetivo central do presente estudo, pois, como reforça o professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.
“O futuro da gestão logística é um futuro que vai exigir um conhecimento estratégico, muito mais do que operacional. Mesmo que a pessoa atue no chão da fábrica, vai ter que possuir uma visão mais macro do mercado. Neste sentido, é preciso não ir contra as inovações, pelo contrário, os futuros gestores devem analisar o impacto destas inovações para conviver e compartilhar informações dentro de um ambiente que será altamente conectado”, encerra Resende.