Nesse post, analisamos a questão de investimentos no mercado de alimentação e o surgimento de novos movimentos que fomentam a inovação tecnológica no setor
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Em 2019, muito já se falou sobre expressivos investimentos realizados em Food Techs, visto que nomes mundialmente conhecidos estão olhando com atenção para esse mercado. Jeff Bezos, CEO da Amazon, apostou parte de suas fichas na chilena NotCo, startup de produtos veganos (como maionese, queijos e iogurte) a partir de inteligência artificial; Bill Gates, grande entusiasta desse mercado, já investiu milhões de dólares em startups como Impossible Foods, Beyond Meat e Motif Ingredientes, e enxerga as “novas proteínas” como um dos melhores investimentos para esse ano.
Outro exemplo é a Starbucks, maior rede de cafeterias no mundo, que pretende investir US$ 100 milhões em novos negócios voltados a produtos e serviços para alimentação e varejo, por meio do fundo Valor Siren Ventures. No entanto, apesar da prosperidade desse mercado em âmbito internacional, ainda são poucos casos brasileiros expressivos e que chegam ao conhecimento do público.
Além do iFood, que no final de 2018 recebeu um aporte de US$ 500 milhões – o maior já registrado na América Latina –, outro exemplo é a LivUp, que captou R$ 5 milhões em 2017.
São bastantes os desafios que envolvem a questão de investimentos no mercado e sua evolução em direção à inovação e tecnologia:
Segundo Christiano Guirlanda, Engenheiro de Alimentos e Doutorando em Ciência de Alimentos pela UFMG, as características intrínsecas ao segmento de alimentação fazem com que a indústria não veja motivos claros para a implementação de inovação e tecnologia em seus processos.
“É um mercado em que grande parte da população compra por necessidade, então as empresas não dão atenção à inovação para continuar vendendo. Mas, aos poucos, quem não tiver um diferencial, um caráter inovador, vai ficar para trás. Além disso, grande parte do mercado é formado por empresas pequenas, que não têm recursos para investimentos nos seus próprios processos, e a tecnologia é entendida como algo caro para esses empreendedores. As áreas de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) ainda são vistas como algo para o futuro, quando essas empresas crescerem. No fim, se investem, é de forma muito irrisória, baseando-se em necessidades próprias. Mas, à medida que a demanda dá preferência para produtos inovadores, as empresas se veem obrigadas a seguir isso”, afirma.
Por conta disso, são as próprias startups que estão realizando o movimento rumo à diferenciação, posicionando-se, aos poucos, no mercado. No entanto, de acordo com Augusto Terra, Diretor da Food Ventures, apesar de o segmento de Food Techs no Brasil ser muito promissor, ainda carece de uma maior integração dentro do ecossistema de inovação e uma melhor formação de empreendedores.
“Em 2018, pouco se falava disso no Brasil, havia pouca coisa acontecendo, mas com um potencial de ser referência mundial no setor, se não fosse a falta de organização. É um mercado promissor, com ideias boas, inovadoras e ótimos produtos. Existe a questão da educação empreendedora, da formação de times, que ainda é um obstáculo, porque falta a união de modelo de negócio e produto. Precisa pensar na escala do negócio, entregar uma projeção. A partir do momento em que houver mais hubs e outros movimentos para entendimento do mercado, os fundos vão aparecer como consequência, porque é um bom investimento”, afirma Terra.
Se seguir tendências mundiais – como já tem acontecido –, o setor é, de fato, muito promissor. De acordo com o Pitchbook, fundos americanos de venture capital estão mais interessados em Food Techs do que nunca: até junho de 2018, haviam gasto mais de US$ 1.3 bilhão nesse mercado, número que representa proporcionalmente quase o dobro do valor investido em 2017 e 2016, em que o total registrado foi de US$ 1.5 bi no período de um ano inteiro.
Em comparação a números da década passada, foi registrado, em 2008, investimentos que totalizaram US$ 60 milhões; em 2013, esse valor alcançara os US$ 290 milhões. Fora do Brasil, por exemplo, a Perfect Day Foods, startup californiana que produz laticínios veganos, captou US$ 24.7 milhões em uma rodada Series A. No Brasil, A Tal da Castanha e NoMoo são representantes desse mercado, com negócios semelhantes ao da empresa americana.
O crescimento desse mercado está diretamente ligado às mudanças das preferências dos consumidores e das novas gerações. O setor de Food Techs engloba novas tecnologias para restaurantes, aplicativos de delivery, startups que produzem kits de refeições, varejo de alimentos e desenvolvimento de novos produtos.
Simultaneamente, cada vez mais os consumidores tomam suas decisões baseadas em conveniência e praticidade para comprar comida, aspectos e características oferecidas e encontradas em muitas das Food Techs em ascensão.
“O que as startups brasileiras estão conseguindo fazer é oferecer mais opções para o público, hoje é muito simples e fácil consumir produtos de uma empresa pequena. Isso está se desenvolvendo no Brasil. Ainda não chegam a impactar o market share das grandes marcas, mas já acolhem uma demanda do público”, diz Terra.
Quando se fala em investimentos, também é válida uma análise sobre o fomento do ecossistema, e não apenas no lado financeiro da questão. Muitas das grandes empresas do mercado de alimentação estão começando agora a olhar para inovação, tecnologia e FoodTechs, ou seja, de forma ainda incipiente. Segundo post da AgFunder News, cenário parecido é vivenciado na Europa, em que as corporações atuam de forma lenta, mas já mais atentamente, por conta de uma movimentação que se inicia no mercado.
Assim, emerge uma convergência de interesses entre corporações e investidores, em busca de escalar “futuros campeões” do setor. Como consequência da falta de percepção por parte das empresas de que o sistema de alimentação começa a se quebrar, novas oportunidades para as startups começam a existir no setor.
De acordo com Kelly Galesi, Fundadora do Food Academy e Consultora, as mudanças no mercado brasileiro são recentes, mas começam a ser mais claras. As empresas já olham mais para as startups como fundamentais catalisadoras de mudança, o que deve fazer “girar a roda de inovação”.
“Pouco se falava sobre isso no Brasil até dois anos atrás, havia poucas corporações atuando nesse cenário. A grande maioria não achava que as mudanças poderiam atingi-las. Com a movimentação do cenário global, elas perceberam que isso chegaria a qualquer momento no Brasil. Então já existe uma disposição para ouvir, entender e mapear possíveis parcerias com startups do setor. No fim das contas, tudo está interligado: se houver mais investimentos, as startups podem amadurecer mais rapidamente, o que atrairá mais empresas e parceiros também ou vice-versa. Sem isso, a credibilidade nesses novos negócios tende a ser menor, porque torna o mercado desaquecido”, declara Galesi.
Apesar dos pesares, o Brasil é visto como um importante pólo quando o assunto são tecnologias ligadas à agricultura e alimentação. Um exemplo disso foi o fato de a ONG Thought for Food – que tem o objetivo de empoderar novos empreendedores nesses setores – ter escolhido o Rio de Janeiro como sede da sua primeira cúpula realizada em uma região fora da Europa, em julho de 2018. Em entrevista à revista Época Negócios, Christine Gould, CEO da organização, afirmou que o país representa o futuro da inovação na agricultura, além de concentrar um “resumo de desafios globais da cadeia produtiva de alimentos”.
Além disso, enxerga aqui um terreno fértil para mudança, com startups que crescem rapidamente, com bons rendimentos e soluções interessantes para os problemas que existem na indústria. Em convergência à opinião de Galesi, Gould afirma que existe um grande espaço de aprendizado, em um contexto no qual as grandes empresas não estão mais advogando pontos de vista, mas ouvindo abertamente e buscando aprender sobre os desafios que precisam enfrentar.
Assim, movimentos de fomento a esse ecossistema – como é o Thought for Food Summit, que reúne startups, empreendedores, representantes de grandes corporações e outras lideranças da área de inovação – tornam-se extremamente necessários para o desenvolvimento do mercado no Brasil.
Como citado anteriormente, a questão de investimentos em tecnologia e inovação dentro do setor de alimentação, como acontece também em outras indústrias, acaba por obedecer uma relação até óbvia de causa e consequência: um maior nível de maturidade das startups puxará mais investimentos (que por sua vez podem ajudar novos negócios a se tornarem mais maduros), acabando por atrair mais atenção de grande parte dos players do mercado.
A criação de centros, hubs e espaços de inovação possibilita a geração de proveitosas discussões, que no fim abrem mais espaços para a atuação de tecnologia dentro dos gaps que existem no segmento.
A startup Liv Up cria kits de refeições saudáveis, sob a tecnologia de ultracongelamento. Com uma equipe de engenheiros, nutricionistas e chefs de cozinha, oferece um cardápio diversificado, com produtos orgânicos e ingredientes naturais. Em 2017, recebeu um aporte de R$ 5 milhões da Kaszek Ventures.
Fundada em 2011, a startup californiana Impossible Foods produz carnes e laticínios à base de vegetais, imitando aspectos como cor, sabor e textura de alimentos de origem animal. A Impossible Foods já captou mais de US$ 387 milhões em investimentos, de acordo com o Crunch Base.
Com mais de US$ 20 milhões captados, a americana Memphis Meats produz carne em laboratório, com pretensões de lançar no mercado, em 2021, almôndegas sintéticas. A startup, que desenvolve seus produtos a partir de células animais, recebeu aportes da Tyson Foods
Fundada em Jerusalém, a Future Meat é uma startup que criou uma plataforma de produção de carne não-transgênica, a partir de células animais e do desenvolvimento de músculos e gordura. Com atuação desde 2018, já captou mais de US$ 2 milhões em investimentos.