Entenda o movimento de Deep Techs no setor financeiro. Open banking, blockchain, computação quântica, inteligência artificial e mais.
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As transformações do ambiente financeiro brasileiro e global tem impulsionado o surgimento de novos modelos de negócio e inovações, tanto em uma primeira camada mais tradicional, a partir de tecnologias já existentes e da melhoria de processos; quanto por meio de inovações mais profundas, guiadas, sobretudo, pelo uso de IA e de data science. Tais inovações, por conseguinte, buscam responder às demandas de um mercado ainda com grandes desafios. Marin Mignot, COO da Ingenico, sintetiza este cenário.
“Quando olhamos sob a perspectiva de desafios, a desbancarização ainda é uma grande questão na América Latina, assim como a melhoria da experiência e da interoperabilidade. Ao mesmo tempo, temos uma grande oportunidade de criar soluções capazes de atingir a todos e não só a “bolha” de heavy users. Nós acreditamos muito na tecnologia como ferramenta para democratização dos serviços financeiros, criando muito mais possibilidades e melhores experiências, inclusive para regiões mais emergentes, colocando o user experience no centro da nossa atenção para novas soluções”, analisa Mignot.
A própria consolidação das fintechs – empresas que oferecem serviços financeiros diversos a partir de uma base tecnológica – tem acelerado a transformação digital nos bancos e nas grandes companhias da indústria, conforme aponta análise da Capital Research para reportagem do Portal ClienteSA. Números recentes, aliás, apontam que o setor de fintechs cresce no Brasil.
Dentro desse contexto, outro fator apontado como agente de transformação no ambiente financeiro por especialistas consultados para a construção do presente estudo, envolve a percepção do mercado de um consumidor mais exigente, conectado e disposto a aderir a novas tecnologias em prol de uma melhor experiências. Não à toa, o número de usuários de soluções de fintechs mais que dobrou em apenas dois anos, saltando de 25% em 2017, para 55% em 2019, conforme dados da MindMiners.
Por sua vez, uma pesquisa da Cisco indicou que 52% dos consumidores do país acredita que seu Banco não compreende suas necessidades – número quase 10% maior do que a média mundial nesse quesito (43%); enquanto 84% dos entrevistados no levantamento afirmou estar disposto a aderir a uma instituição financeira não-tradicional para ter seus serviços bancários.
Para atender às demandas desse consumidor que demonstra insatisfação com os serviços financeiros oferecidos pelos bancos mais tradicionais, startups tem desenhado novas linhas de produto, se atentando, sobretudo, a experiência do usuário. É o caso da startup gaúcha Warren, que utiliza inteligência artificial em sua infraestrutura tecnológica para estruturar, de modo mais assertivo, a gestão dos investimentos de seus clientes.
“A experiência de investir no Brasil ainda é muito ruim. Os produtos são complexos e as plataformas não ajudam. Construir sozinho um asset allocation (alocação de ativos) eficiente, escolhendo os melhores produtos para os seus diferentes objetivos é quase impossível. Então as pessoas acabam delegando a decisão de onde investir e surge o segundo problema, o conflito de interesses. Nós resolvemos esse problema entregando uma experiência digital superior e conectada a um time de relacionamento incrível. Na Warren nós também usamos a ponta do iceberg em inteligência artificial na gestão dos nossos produtos de investimento e vamos colocar ainda mais energia nisso para o futuro”, explica Tito Gusmão, fundador e CEO da Warren.
Gusmão acrescenta que todos os produtos da corretora são gratuitos e ela cobra apenas um fee anual, aumentando assim a transparência na relação com os usuários e evitando conflitos de interesse na indicação de investimentos. Com mais de 130 mil clientes em seu portfólio e R$ 1.5 bilhões sob gestão, a Warren almeja fechar 2020 com aproximadamente 5 bilhões em investimentos gerenciados.
O uso de IA e de inovações profundas na indústria financeira deve se potencializar também com o progressivo avanço do movimento de open banking no mundo – o qual, de acordo com matéria do G1, teve sua regulamentação iniciada pelo Banco Central em maio deste ano, com previsão de início de vigência no Brasil em novembro de 2020, e plena implementação até outubro de 2021.
Conforme estudo lançado pela Liga Ventures em julho do ano passado, o Open Banking se dá a partir da abertura das APIs dos sistemas dos bancos e outras instituições financeiras, de forma que as informações dos usuários e clientes possam transitar livremente entre as instituições de forma segura, sempre com a permissão do titular desses dados, seja ele uma pessoa física ou jurídica. Tal portabilidade de dados possibilitaria uma interoperabilidade entre sistemas e a consequente criação de novas plataformas, negócios e produtos, além da entrada de novos concorrentes no mercado. Com o aumento de competição, espera-se, por sua vez, uma consequente melhoria dos serviços oferecidos pelo mercado.
Diante dessa abertura, novas possibilidades de inovação profunda se abrem para as fintechs e para as instituições bancárias de modo geral, incluindo uma análise de dados mais robusta para, por exemplo, otimizar os processos de disponibilização de crédito e o desenho de serviços personalizados a partir da interoperabilidade das informações bancárias.
Além disso, a Inteligência Artificial assume um papel de destaque nesse ambiente, uma vez que, de acordo com estudo realizado pelo CB Insights em parceria com a Mastercard, se os bancos obtiverem sucesso na implementação de IA, a indústria entrará em uma nova fase de automação, tornando possível a identificação ativa ou até mesmo preditiva de riscos.
Atento a esta necessidade, o setor bancário tem aumentado os investimentos em tecnologia, os quais chegaram a R$ 19,6 bilhões em 2018, segundo pesquisa da Febraban divulgada no ano passado. Ainda segundo a pesquisa, 73% das instituições consultadas pretendem direcionar esforços para soluções de inteligência artificial.
Grandes empresas do setor de meios de pagamentos, como a Ingenico, também tem observado as transformações do mercado financeiro, como um motor para a transformação digital de seus negócios. É o caso da Ingenico, uma das organizações responsáveis por trazer hub de inovação francês, La Fabrique, para o Brasil.
“Não é nenhuma novidade que a interoperabilidade é uma tendência, estamos bastante otimistas com o lançamento do PIX (para o qual estamos desenvolvendo uma solução) pelo Banco Central, o qual acreditamos que será um marco para o mercado de pagamentos, além claro dos modelos de Open Banking e um mercado financeiro cada vez mais transparente. Na área de inovação da Ingenico, estamos sempre de olho nas tendências. Estamos desenhando, para lançamento no segundo semestre, nosso programa de aceleração que vai selecionar algumas startups no setor de Fintechs, Retail Techs e startups voltadas para experiência financeira, para que seja possível investirmos, trabalharmos em conjunto, nos auxiliando com essa transformação que estamos passando”, expõe Marin Mignot, COO da Ingenico.
Conforme indicado por Mignot, o PIX é uma das principais inovações disruptivas previstas para os meios de pagamento e se trata, em síntese, de um sistema de pagamentos instantâneos, pelo qual será possível realizar pagamentos e transações entre pessoas físicas, governo e empresas de modo automatizado e instantaneamente, 24 horas por dia, sete dias por semana. De acordo com informações do Banco Central, o sistema deve ser implementado no Brasil até novembro deste ano e, até o momento, 109 instituições pediram adesão PIX, incluindo Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú, Santander e Banco do Brasil, além de fintechs como Inter, Nubank e PicPay.
Se aprofundando em tendências de inovação profunda e participação de deep techs no mercado financeiro, é interessante citarmos mais dois campos que tem atraído investimentos significativos ao longo dos últimos anos. O primeiro deles é o de blockchain, setor que deve atingir uma média de crescimento de mais de 67% até 2025, atingindo valores de mercado na casa de US$ 39,7 bilhões, de acordo com dados da consultoria Markets and Markets. Vale salientar, também segundo a consultoria, que a indústria financeira é o principal segmento investidor das tecnologias de blockchain, que devem ser aplicadas para uma maior segurança de transações financeiras, cibersegurança e transparência para os consumidores.
Um case de sucesso global deste mercado é a Ripple, que utiliza blockchain para assegurar transferências instantâneas de dinheiro e pagamentos em tempo real para qualquer lugar do mundo. Só em 2020, a startup já recebeu mais de US$ 16 milhões em investimentos, de acordo com o Crunchbase. A Ripple é um dos 11 unicórnios que trabalham com blockchain, possuindo valuation de US$ 5 bilhões.
Outra tendência em deep techs que começa a dar seus primeiros passos na indústria financeira é a computação quântica – que utiliza princípios da mecânica quântica para solucionar cálculos e algoritmos inviáveis para a computação clássica em intervalos de tempo muito curtos. Segundo report da IBM, as principais áreas em que a computação quântica pode ser aplicada dentro da indústria financeira incluem, por exemplo, o terreno da predição, otimização de negociações e a definição de perfis de risco.
Embora seja uma tendência ainda iniciática, até 2024, a computação quântica deve alcançar investimentos de US$ 283 milhões, de acordo com levantamento da Market and Markets, e estar presente atuando em setores distintos, como o automotivo e o de simulação de materiais.
Dentro desse contexto, a Semantix é uma startup brasileira que tem estudado aplicações de computação quântica, combinadas com data analytics avançado para a área financeira. Luiz Fernando Ohara Kamogawa, PHD em economia aplicada pela USP e head de mercado financeiro da Semantix, explica como essa tendência pode transformar segmentos como a área de trading.
“O uso de dados e de computação avançada garante uma vantagem competitiva óbvia no universo do trading. Um trading pode ganhar ou perder milhões e a movimentação do mercado financeiro é muito grande. Neste sentido, a computação avançada pode nos auxiliar a desenhar estratégias a partir de dados trafegando em todo lugar – redes sociais, notícias, conteúdo – identificando qual desses dados é relevante, para que serve essa informação. Hoje, já temos mecanismos que capturam e interpretam esses dados.
O próximo passo é transformar essas informações em sinais de negociação, que respondam em que momento devo comprar ou vender, quanto comprar e quanto vender, etc. O desafio é criar mecanismos inteligentes que pensem de modo estratégico o mercado financeiro, conjugando tudo isso em uma máquina desenvolvida para executar, estrategicamente, ordens de compra e venda. Isso é deep tech numa intersecção avançada com hardware”, explica Kamogawa.
Para responder a esses desafios, a Semantix mantém contato direto com pesquisadores e parcerias com universidades, integração essa que é decisiva para o desenvolvimento das deep techs no país.
“O nosso foco agora é trazer pessoas com experiência e que consigam aplicar toda essa tecnologia que está sendo estudada, porque às vezes são duas linhas que seguem apartadas – academia e mercado. A pessoa que está em busca da tecnologia, fazendo todos os estudos, geralmente não tem acesso para saber exatamente qual vai ser a aplicação, o resultado daquilo na indústria. Temos trabalhado para aproximar esses elos. Para tanto, mantemos um data lab na Unicamp, em que temos uma equipe desenvolvendo pesquisas avançadas conosco, além de sermos mantenedores de dois centros de inovação. Nossa ideia é sempre estar próximo de quem está na vanguarda, desenvolvendo novas tecnologias que podem ser relevantes para o mercado”, ressalta Karina Teixeira Rodrigues, gestora de comunicação e marketing da Semantix, acrescentando que a startup é mantenedora dos centros de inovação InovaHC e InovaBra.
Com atuação em diversos segmentos – do setor financeiro ao setor jurídico e de saúde – a Semantix desenvolve soluções baseadas, sobretudo, em Big Data, Analytics e IA, para melhoria de performance nas organizações.
É importante salientar, no entanto, que mesmo com todos os avanços citados e a profusão de fintechs presentes no mercado, o Brasil ainda tem passos para caminhar, em termos de inovação profunda no setor financeiro.
“Acho que no setor financeiro brasileiro ainda existem muitas oportunidades de melhoria de processos usando a primeira camada de tecnologia. Então acho que o timing para utilizarmos com mais intensidade uma segunda camada, mais profunda, será mais para frente, em um futuro próximo. De todo modo, já vejo algumas empresas, como nós aqui na Warren, usando parte desse potencial, para construir as bases dessa transformação e acelerar no futuro”, conclui o fundador e CEO da Warren, Tito Gusmão.
A Nuveo é uma startup que desenvolveu mais de 60 algoritmos patenteados de inteligência artificial para análise de documentos e imagens, incluindo o setor financeiro, no âmbito da análise de financiamento de veículos. A startup foi selecionada no programa Scale-up Endeavor B2B 2020.
A WEEL é uma fintech que utiliza inteligência artificial para financiar pequenas e médias empresas por meio da antecipação de recebíveis para otimizaçã. A startup já recebeu US$ 63,1 milhões em investimentos, segundo dados do Crunchbase.
Zirra é uma startup israelense, que combina uma série de tecnologias avançadas, incluindo análise de dados não-estruturados, IA e processamento de linguagem natural para classificação e gerenciamento de portfólios de investimento. Já recebeu US$ 4,3 milhões em investimentos.
A OneConnect é uma startup chinesa que desenvolve soluções com base em Big Data, Cloud e Blockchain para otimizar a transação de ativos interbancários e a investigação de crédito pessoal em bancos de pequeno e médio porte. Já recebeu US$ 650 mil em investimentos.