Para a inovação na sáude, o futuro é promissor. Para superar os principais desafios é preciso aproximar mercado e universidades. Entenda!
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Apresentamos nos aprofundamentos anteriores uma expectativa positiva sobre uma evolução do segmento de Hard Sciences em Saúde no Brasil, porém, ainda existe um caminho importante a ser trilhado e desafios “básicos” a serem vencidos. De certa forma, quando se fala na penetração de inovações tecnológicas em segmentos da economia, é natural que se encontrem obstáculos para isso em todos eles; no entanto, quando se trata de ciência médica, existem alguns específicos ao setor.
De certa forma, pensar nos desafios existentes para a evolução de pesquisas, projetos e negócios científicos no setor da Saúde é pensar que tais desafios se colocam também como obstáculos para a resolução de problemas nacionais e globais do setor. Ou seja, redobrar a atenção – criando modelos de incentivo e fomento e expandindo os investimentos no segmento – ao que é considerado prioritário é uma forma não apenas de contribuir para a evolução de um ecossistema, mas também para encontrar soluções para problemas sanitários gerais da população.
No início de 2020, ano que representa o início de uma nova década, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou uma lista com os principais desafios urgentes e mundiais à Saúde para os próximos dez anos. De acordo com Tedros Ghebreyesus, diretor geral da OMS, a lista – que conta com desafios relacionados, por exemplo, à expansão ao acesso de medicamentos, combate a doenças infecciosas, preparo a epidemias, uso de novas tecnologias, entre outros – reflete uma preocupação de que líderes têm falhado em investir os recursos necessários em problemas prioritários e sistemas.
Ainda segundo ele, é preciso perceber que investir em saúde é investir no futuro, e que em geral os países investem mais pesadamente contra ataques terroristas do que ataques de um vírus, que podem ser muito mais fatais e muito mais danosos em quesitos sociais e econômicos. Para o Brasil, a pandemia do novo coronavírus não poderia representar melhor tal afirmação, revelando no país a dependência de importação de equipamentos e produtos de Saúde, como apresentando em matérias da Folha de S. Paulo, UOL e Saúde Business. Claramente, todos esses desafios e outros existentes acabam por criar oportunidades de atuação. Mas como, de fato, endereçá-las? E o que dificulta a criação e alcance de soluções originadas em pesquisa para o mercado brasileiro?
Como apresentado em um artigo da MIT Sloan Review, o Brasil é um país relativamente criativo e produz conhecimento científico importante em âmbito global. Conforme dados do Ranking Global de Criatividade, realizado em 2015, o país ocupa o 29º lugar entre 139 analisados e, segundo informações do artigo, a 14ª posição em artigos científicos indexados na Web of Science – base de dados global para pesquisas acadêmicas. Além disso, conforme informações de pesquisa realizada pelo MIT presentes no artigo, está entre os 20 países com maior intenção de empreender.
No entanto, de acordo com dados do Índice Global de Inovação (GII) 2019, o Brasil ocupa apenas a 66ª posição, entre 129 países. O problema, portanto, talvez esteja justamente na transição da teoria para a prática, da universidade para a aplicação no mercado. Ainda segundo dados do GII, quase metade (45,3%) das publicações científicas brasileiras estão relacionadas à saúde, taxa superior à média mundial de 33,7%.
Como analisado nos aprofundamentos anteriores, uma das possíveis soluções para vencer de fato o desafio de transformar pesquisa em inovação é a união entre diferentes atores do ecossistema. Conforme ponto de vista presente no artigo citado, “estamos diante de um problema complexo, não existe uma única causa, uma solução única ou um ator que irá solucionar magicamente a questão. […] Conta muito a efetiva articulação, inter-relação e cooperação entre os entes governamentais, o meio empresarial, as instituições acadêmicas e a sociedade civil.”
Tendo em vista essa necessidade de cooperação e colaboração, de acordo com Lucas Delgado, Diretor de Projetos e Novos Negócios da EMERGE – consultoria de inovação especializada em desenvolver a inovação de base científica nas organizações e transferir tecnologia de centros de pesquisa para indústrias – existe um obstáculo relacionado à comunicação de demandas reais do mercado e como isso pode ser absorvido por parte de pesquisadores e cientistas. Além disso, torna-se necessário o estabelecimento de uma linguagem comum entre as partes envolvidas, fator que está sendo construído aos poucos.
“Existe um desafio muito grande de comunicação no sentido de estabelecer mecanismos para que a indústria possa saber como, quando e com quem comunicar suas demandas, de forma que os cientistas possam projetar seus estudos e desenvolver tecnologias de acordo essas necessidades do mercado, que também representam uma parte da demanda da sociedade. Além disso, é necessário que a indústria entenda que o momento é de codesenvolvimento, visto que são raros os projetos e até mesmo startups com uma solução pronta nesse segmento. É necessário um sentimento de parceria, mais do que de fornecimento”, afirma ele.
Além disso, segundo Delgado, há um problema cultural a ser vencido, de mudar a imagem que a indústria tem para a universidade, de que as corporações querem se apropriar indevidamente da ideia para si. Por outro lado, os pesquisadores e cientistas estão acostumados a apresentar projetos em modelo acadêmico, deixando de lado fatores relacionados a negócios, e as empresas sequer avaliam, porque são linguagens diferentes – cenário, portanto, que demanda mudanças.
De fato, a linguagem mais técnica e uma baixa formação empreendedora se apresentam como problemas comuns dentro desse cenário. Conforme um material produzido pela Biominas – grupo que oferece suporte à estruturação de negócios em bio, oferecendo programas de pré-aceleração e aceleração de projetos e startups, além de outras iniciativas –, empreender nesse segmento traz consigo desafios peculiares a ele, como, por exemplo, o aprimoramento do perfil empreendedor e aperfeiçoamento de competências de gestão, além, claro, do desenvolvimento da tecnologia em si, a partir da pesquisa realizada.
Ainda, segundo uma publicação da Biotech Town, um hub de inovação focado em biotecnologia em ciências da vida, tratando-se de empreendedorismo científico e startups de hard sciences, existem outros desafios enfrentados pelo segmento. Além da já citada falta de formação empreendedora – que segura muitas soluções nas bancadas da academia –, os altos custos de infraestrutura e equipamentos para o desenvolvimento de produtos, aspectos e processos regulatórios complexos e morosos e a dificuldade na atração de investidores (por se tratar de investimentos volumosos, com alto risco) são dificuldades encontradas pelos cientistas empreendedores.
Fundado em 2010 e mantido pela Rede D’or São Luiz, o Instituto D’or de Pesquisa e Ensino é uma instituição sem fins lucrativos, voltada à educação, à ciência e à inovação no segmento de saúde. No segmento de educação, oferece cursos relacionados a ciências médicas em nível de doutorado, graduação, pós-graduação e outros; no lado da ciência, tem reunida uma equipe de pesquisadores e docentes para a realização de pesquisas e estudos científicos; além disso, conta com o Open D’Or Healthcare Innovation Hub, uma plataforma de inovação aberta, iniciativa realizada de forma conjunta com a Rede D’or São Luiz.
Segundo Gabriela Salles, responsável pelo Open D’Or Health Care Innovation Hub, além de enxergar a importância da transformação digital, o instituto também tem se preparado e estruturado uma frente voltada para pesquisadores, de forma que viabilizem a transição de conhecimento em pesquisa para a aplicação em si. No entanto, acredita que ainda existam desafios culturais para que essa transição possa ser mais fluida.
“O Open D’Or funciona, hoje, como uma plataforma que tem como objetivo dar suporte para empreendedores de diferentes áreas da saúde conectando com as estruturas do grupo. Estamos desenvolvendo formas de viabilizar também o apoio a pesquisadores, que possuem um conhecimento profundo em temas extremamente relevantes, como por exemplo neurociência, terapia celular e oncologia, e fomentar o empreendedorismo científico. Vejo que ainda falta a cultura e visão de empreendedorismo no ambiente de pesquisa, mas é um cenário que está mudando. Existe também um outro elemento, que é a importância de se trazer a visão de hard sciences, de pesquisas científicas com potencial disruptivo, combinando com o desenvolvimento de negócios. É um trabalho que precisa a coordenação de diferentes áreas, que não tem a tradição de trabalhar em conjunto”, afirma ela.
De fato, os desafios elencados pela publicação do Biotech Town e citados também por Salles são enfrentados, na prática, pelos empreendedores do segmento. Fundada em 2010, a Genera é um laboratório especializado em genética, oferecendo exames diretamente para o consumidor. Atualmente, oferecem exames como de ancestralidade, nutrigenética, farmacogenética, entre outros. Segundo Ricardo di Lazzaro, fundador e co-CEO da Genera, apesar de não se considerar mais exatamente uma startup, a empresa enfrentou e ainda enfrenta os desafios de uma dentro do segmento de Hard Sciences.
“Existe um desafio muito grande de infraestrutura, acesso a laboratórios, aquisição de equipamentos, questões regulatórias envolvidas também, mesmo que a gente não seja uma biotech que desenvolva um fármaco, por exemplo. A questão regulatória apresenta entraves muito burocráticos em geral. A regulamentação na área de Saúde não foi feita para startups, definitivamente. É bastante complexo para uma startup conseguir superar essa barreira, envolve questões de importação, documentação, processos muito pouco fluidos”, afirma di Lazzaro.
Ainda de acordo com ele, a escassez de investimentos mais frequentes e robustos em projetos e negócios com base científica e tecnológica no setor da Saúde também representa um desafio importante no segmento. Para o fundador da Genera, os fundos no Brasil ainda entendem pouco sobre o segmento de biotech e hard sciences, em um contexto que carece de especialização. “Fora do Brasil, existem fundos especializados no tema, mas é difícil para empresas daqui terem acesso a eles. Esse é um problema que em parte a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo) consegue ajudar em São Paulo, com os recursos do PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), mas é preciso que existam outras fontes também”, completa.
No estado de São Paulo, o PIPE/FAPESP se apresenta como um modelo interessante para empresas que buscam recursos para o desenvolvimento de novos produtos ou serviços inovadores. Conforme informações do Relatório de Atividades FAPESP 2018, desde a criação do programa, em 1997, já foram mais de 1368 pequenas empresas apoiadas, de 138 municípios de São Paulo, totalizando mais de 2.234 projetos; em 2018, 1.455 pesquisas receberam um total de R$ 88,9 milhões.
Sendo um recurso bastante importante primordialmente em fases iniciais dos projetos, as propostas de financiamento para 2020, como consta no site da fundação, “devem conter projetos de pesquisa que possam ser desenvolvidos em duas etapas: 1) demonstração da viabilidade tecnológica de produto ou processo, com duração máxima de nove meses e recursos de até R$ 200 mil; e 2) desenvolvimento do produto ou processo inovador, com duração máxima de 24 meses e recursos de até R$ 1 milhão”.
No que tange a investimentos privados, como comentado por di Lazzaro, ainda existem obstáculos a serem vencidos para que estes sejam mais volumosos no Brasil. Claramente, trata-se de um setor altamente técnico, sobre o qual o conhecimento ainda é pouco aprofundado, além de constituir um cenário de pouca maturidade de negócios, o que consequentemente – e também pela natureza deles – pode trazer mais riscos aos investidores.
No Brasil, a KTPL – VC que nasceu da união das gestoras A5 e Inseed – é uma das principais gestoras focadas em startups com forte propriedade intelectual (em sua maioria B2B) no Brasil, com mais de 90 investimentos realizados, que totalizam R$ 700 milhões sob gestão. Com portfólios que olham para segmentos diferentes, a KPTL busca pesquisadores de universidades que estão desenvolvendo negócios de base tecnológica. De acordo com Eduardo Sperling, sócio da KPTL, os desafios para que negócios inovadores do segmento de Hard Sciences em Saúde no Brasil sejam atraentes para investimentos estão ligados à maturidade do mercado e à distância ainda existente entre universidades e indústria.
“Existe o desafio de escalabilidade das soluções dentro de fundos com prazo, é a dificuldade de encontrar o timing certo do investimento, visto que existe um tempo considerável para que essas soluções adquiram maturidade para chegar ao mercado, com os benefícios comprovados e indícios de demanda. Além disso, é um ecossistema em construção, que vem crescendo, mas ainda não se consolidou. Uma outra questão é a distância da Academia em relação ao mercado. Nós temos universidades de excelência, que produzem muita pesquisa, mas a conversão disso para negócio, para o uso prático, acaba sendo menor do que a gente gostaria”, diz Sperling.
Tendo enxergado os desafios presentes no mercado brasileiro, a OneSkin é uma startup do segmento de biotecnologia, fundada por brasileiras, mas sediada em São Francisco, na Califórnia (EUA).
Focada no segmento de antienvelhecimento, a empresa desenvolveu uma molécula, um composto capaz de diminuir o acúmulo de danos causados pelo envelhecimento e que está sendo formulado em um produto tópico diretamente para o consumidor focado em promover a saúde da pele com a expectativa que seja lançado até o final de 2020.
Segundo Carolina Reis, cofundadora e CEO da OneSkin, as características do mercado consumidor e também do setor de investimento em biotech no Brasil não apresentavam as melhores oportunidades, as quais foram encontradas fora do país.
“No início do projeto, quando a ideação da solução ainda era outra, a empresa passou por alguns programas brasileiros tentando alavancar essa primeira ideia, mas o Brasil não se representava um mercado grande e inovador o suficiente, e os investimentos em biotech eram limitados. As soluções e produtos desenvolvidos nesse segmento demandam muito investimento e tempo, então é necessário um aporte inicial, um mínimo de estrutura para desenvolver um MVP. O mercado no Brasil está crescendo, mas acho que o investidor ainda enxerga um risco grande, de forma impeditiva, ainda não está confortável”, declara Reis.
A Onkos é uma startup focada no desenvolvimento de diagnósticos moleculares para Oncologia, buscando solucionar incertezas diagnósticas e evitar cirurgias, e procedimentos desnecessários. Os exames são desenvolvidos a partir de uma plataforma proprietária, unindo biologia molecular à inteligência artificial.
A Magnamed é especializada no desenvolvimento de produtos de ventilação pulmonar. Atualmente, oferece seis tipos de equipamentos médicos, com opções de ventiladores pulmonares que podem ser utilizados tanto por adultos quanto recém-nascidos.
Fundada em 2008, a Samumed é uma startup que se utiliza de pesquisa e desenvolvimento para a regeneração de tecidos, buscando novos tratamentos para doenças degenerativas, oncologia e medicina regenerativa. Com sede em San Diego, na Califórnia, já levantou mais de US$ 650 milhões em investimentos.
A United Imaging é uma startup chinesa que desenvolve equipamentos médicos e soluções para imagens médicas, com produtos relacionados a exames de diagnóstico, radioterapia, ressonância magnética, entre outros. Fundada em 2011, já captou US$ 464 milhões em uma rodada de investimentos.