Veja qual o papel da internet e do acesso digital para uma maior difusão tecnológica no ambiente educacional brasileiro e os desafios para que isso ocorra
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Em um país de dimensões continentais como o Brasil, refletir sobre o acesso digital é um ponto essencial quando pensamos nos processos de digitalização do ensino.
Antes de mais nada, basta levarmos em conta, por exemplo, que cerca de 39% dos domicílios do país ainda não conta com nenhuma forma de acesso à internet, segundo pesquisa do CGI – Comitê Gestor da Internet, de julho do ano passado. Ao todo, aproximadamente 27 milhões de residências ainda não possuem conexão com a web e, embora este número esteja caindo ao longo dos anos, o fato é que ainda temos uma grande porcentagem da população que vive às margens dos movimentos de transformação digital.
De acordo com o IBGE, esta margem de cidadãos não-digitalizados é ainda mais significativa nas regiões Norte e Nordeste, que contam, respectivamente, com 45,7% e 47,7% de indivíduos não conectados à internet, conforme levantamento divulgado no início de 2018.
No contexto das escolas públicas, o problema é igualmente complexo. Para além de obstáculos ainda mais básicos, que envolvem desde a falta de saneamento básico até a ausência de energia ou água corrente, apenas 46,8% dos colégios públicos do país dispõem de laboratórios de informática, ao passo que 34,4% não possuem acesso à internet e em 46,5% não há conexão via Banda Larga. Os números são do Censo Escolar de 2017, divulgado pelo MEC em janeiro do ano passado.
Algumas iniciativas governamentais vêm sendo realizadas nos últimos anos para reverter a falta de acesso digital nas escolas. Dentre elas, vale a pena citar que, em maio de 2017, o Governo Federal lançou, a partir do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), primeiro satélite inteiramente operado pelo Brasil voltado para a democratização de tecnologias digitais. Com investimentos de quase R$ 3 bilhões, o equipamento visa possibilitar o acesso à conexão em banda larga em todas as regiões do país.
Este é um passo importante, mas, segundo especialistas, o país ainda precisará evoluir muito para que possamos considerar nosso sistema educacional digitalmente conectado.
A mestra em Desenvolvimento Educacional pela Universidade de Columbia e Cofundadora da Sincroniza Educação, Ana Paula Romero Manzalli, aponta que, além da questão internet, a própria qualidade e quantidade de computadores e dispositivos tecnológicos dificulta o processo de transformação digital das escolas brasileiras.
A falta de preparo dos professores para lidar com tecnologias com finalidade pedagógica, bem como o modelo de ensino ainda calcado na ideia de que o professor é o detentor do conhecimento e os alunos receptores passivos do conteúdo de aulas expositivas – com poucas oportunidades de produção e colaboração -, também são entraves a serem superados para um maior acesso digital no ensino público e, consequentemente, para a construção de uma mentalidade disruptiva entre os alunos.
A própria aproximação das EdTechs junto às instituições públicas de ensino, que poderia contribuir para uma aceleração dos processos tecnológicos nas escolas, torna-se um desafio, tendo em vista a estrutura burocrática de compras no sistema público brasileiro.
“As EdTechs têm dificuldade de vender seus produtos e serviços para as secretarias de educação, por conta do tipo de objeto e do processo burocrático, e as secretarias, por sua vez, têm dificuldade em mapear e entender quais tecnologias poderiam auxiliá-las de forma mais assertiva”, comenta Ana Paula Romero Manzalli.
Um dos propósitos da Sincroniza Educação, empresa de serviços que auxilia secretarias de educação e organizações a implementarem produtos que necessitem de gestão de projetos e formação de professores em escala, é, justamente, quebrar as barreiras entre o ensino público e as startups de educação, ação que tende a favorecer o acesso digital.
Conforme reforça Ana Paula, a maior parte das EdTechs ainda atua de modo exclusivo nas escolas particulares, justamente por dificuldades de como as expostas anteriormente de inserção no ensino público.
“A Sincroniza Educação tem como principal frente de atuação, hoje, a implementação de tecnologias educacionais em escolas. Não desenvolvemos as tecnologias – somos contratadas para auxiliar EdTechs e redes de ensino a implementar plataformas educacionais com qualidade, o que envolve desde a formação de professores e gestores, até o acompanhamento de dados relacionados ao uso da tecnologia. Nosso trabalho é garantir que o uso das tecnologias educacionais faça sentido no contexto escolar”, conclui.
Uma das frentes da transformação digital na educação que poderia, ao mesmo tempo, se beneficiar dos avanços na infraestrutura digital das escolas do país e contribuir para um maior acesso de diferentes geografias a diferentes modalidades de aprendizagem são as plataformas de ensino a distância. Bruno Mendonça, CMO da Edools – startup que oferece uma plataforma de EAD e serviços de gestão e produção de conteúdo digital – acredita que uma das formas de superar os desafios do sistema de ensino nacional se dá por meio do compartilhamento de conhecimento relevante, que pode mobilizar mudanças em qualquer lugar do país.
“A Edools, por exemplo, oferece conteúdo de qualidade para qualquer pessoa, instituição de ensino ou empresa que busque revolucionar a forma como ensina pessoas. Hoje nós temos mais de 250 artigos publicados em nosso blog, que ajuda públicos diversos a superarem desafios nos mais variados cenários. Também temos diversos e-books lançados, infográficos, webinars, podcasts e outros formatos para incentivar e difundir cada vez mais todos os recursos e benefícios do ensino online em suas realidades”, explica o CMO da startup que tem crescido em média, 60% ao ano, desde sua fundação. Dentre os clientes da empresa, destacam-se a Fundação Estudar, T2 Educação, Sebrae e o Grupo Impacta.
Bruno Mendonça reconhece, entretanto, que o acesso digital restrito ainda é um obstáculo que precisa ser superado para que a expansão de novas tecnologias ocorra de modo mais amplo no país, e que uma união entre a iniciativa privada e o poder público é indispensável para a resolução deste cenário.
“Incentivos governamentais são cruciais para uma maior disseminação do conhecimento por intermédio da tecnologia na educação brasileira”, comenta Bruno Mendonça, CMO da Edools.
Sobre a questão dos incentivos governamentais, abordada pelo CMO da Edools e por outros especialistas consultados neste estudo, vale a pena citar ainda o programa GESAC (Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão), do Ministério de Ciência e Tecnologia, que atingiu a marca de 1 milhão de alunos conectados em regiões de difícil acesso do país, de acordo com informações divulgadas pela Agência Brasil.
O projeto envolve a instalação de pontos de conexão que utilizam a banda do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC), citado há pouco. Até o fim do ano, o Governo Federal pretende instalar 10 mil pontos de internet banda larga. No momento, são 3,8 mil pontos instalados, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste que, segundo aponta o presidente Jair Bolsonaro, são regiões prioritárias no programa.
Outro possível norte, por fim, para o rompimento das fronteiras da acessibilidade, pode se dar por meio do uso das ferramentas como os smartphones, hoje mais disponíveis, mesmo em regiões de difícil acesso ou baixa renda per capita, sendo o principal meio de acesso à internet nos domicílios brasileiros.
Com o objetivo de difundir a inovação e fortalecer uma cultura maker nas escolas, a Explorum traz uma série de soluções, desde a certificação de professores, até o desenvolvimento de ambientes criativos de aprendizagem. Já recebeu, em 2017, investimento-anjo de R$ 1,2 milhões.
Focada na oferta de cursos de inglês para comunidades carentes de São Paulo, Minas Gerais e Paraíba, a 4YOU2 conta com um projeto flexível de ensino e aulas presenciais com professores nativos. Em 2019, recebeu investimento do fundo internacional Yunus Negócios Sociais.
A indiana Vedantu oferece aulas particulares conduzidas em tempo real por professores especializados, para alunos do ensino regular e abarcando disciplinas que vão da Matemática a Ciência da Computação. Em 2018, a startup captou US$ 11 milhões em investimentos.
Fundada nos EUA em 2012, a Coursera é uma plataforma que oferece cursos livres, MBAs e programas de graduação das principais universidades e instituições do ensino do mundo, atendendo mais de 20 milhões de estudantes. Já captou mais de US$ 313 milhões.