12 de setembro de 2022 Artigos

Entendendo o panorama da mobilidade urbana no Brasil

Conheça o panorama da mobilidade urbana no Brasil, entenda os desafios de gestão e infraestrutura e descubra as oportunidades no setor.

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No caminho para conhecer os desafios da mobilidade urbana brasileira e sem esquecer do impacto que a fluidez do trânsito tem na qualidade de vida das pessoas, vale ressaltar o transporte como um direito constitucional, assegurado também pelo direito à cidade – conforme Estatuto da Cidade.

Em 2012, o Governo Federal determinou a Lei n.12.587/12 da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), a qual definiu que todos os municípios com mais de 20 mil habitantes precisam incluir um plano de mobilidade urbana ao seu Plano Diretor. As diretrizes a serem seguidas incluem fomento ao transporte público e priorização para o transporte não motorizado. Considerando que o transporte está correlacionado à infraestrutura das cidades, não é à toa que o plano de mobilidade vem atrelado a um planejamento de desenvolvimento da cidade.

Vale salientar que temos 5.570 municípios distribuídos por toda a extensão do território nacional e por isso existe a dificuldade de unificar ações em prol da melhoria da mobilidade. Além disso, muitas cidades brasileiras cresceram sem planejamento, o que nos levou a problemas de congestionamento e ao marco de 9 cidades brasileiras no ranking de pior trânsito do mundo de acordo com o Traffic Index 2019, sendo que 7 estão entre as 100 piores.

Por outro lado, até 2012, segundo o IBGE, a inexistência de um sistema de transporte público era a realidade de 38% dos municípios brasileiros. Ainda segundo o IBGE, no Perfil dos Municípios Brasileiros de 2017, segundo matéria na Revista Piauí, existem 52,8 milhões de pessoas que não têm acesso a ônibus dentro do próprio município. Diante dos dois extremos, vale salientar que desde 2015, por meio da emenda constitucional 90, o transporte esteja garantido na Constituição.

No caso das áreas mais urbanas, onde naturalmente existem mais opções de transporte público, como ônibus, metrôs e trens urbanos, os desafios se configuram devido ao desenvolvimento urbano. Isso se dá porque existe uma tendência para a concentração de postos de emprego na área central e comercial das cidades. Por exemplo, de acordo com este artigo do Observatório das Metrópoles, o Centro da cidade do Rio de Janeiro concentra cerca de 35% dos postos de emprego do município. Esse processo aguça a competitividade, favorece a melhoria da qualidade dos serviços, estimula o processo de desenvolvimento local e gera ganhos de escala. No entanto, o fato das pessoas precisarem se deslocar até esses centros gera engarrafamentos especialmente nos horários de pico.

Para superar desafios do trânsito e da mobilidade urbana como um todo nas cidades brasileiras, Sergio Avelleda, Diretor de Mobilidade Urbana da WRI, propõe um olhar da inovação:

“É necessária uma mudança de mentalidade sobre quem é o cliente por parte das concessionárias de ônibus, primeiro porque o cidadão é o cliente e não deveria ser porque ele só tem essa opção, mas sim porque essa é a opção mais sustentável e eficiente. Além disso, é importante pensar que a experiência desse cliente não começa quando ele entra no ônibus, mas quando ele acorda e começa a planejar seu deslocamento do dia inteiro. As calçadas, a iluminação pública e a segurança também compõem aspectos da mobilidade. Boa parte da infraestrutura urbana hoje é pensada a partir da perspectiva do automóvel, por exemplo, avenidas com longos muros de concreto passam despercebidos por quem está dentro de um carro em 50 Km/h. Para pedestres e ciclistas esse tipo de paisagem urbana tem impacto direto no bem-estar”, explica Avelleda.

Os engarrafamentos não só têm impacto na vida de cada cidadão, mas também representam perda de produtividade e dinheiro para o país. Esta matéria apresenta dados da Quanta Consultoria, com base na Pesquisa Nacional por Domicílio (Pnad), que apontam perda de R$ 267 bilhões por ano devido aos congestionamentos que as pessoas pegam no trajeto casa-trabalho – isso representa aproximadamente 4% do PIB nacional.

Diante do cenário desafiador da mobilidade urbana, é evidente que a questão é uma problemática multidisciplinar e profunda no que diz respeito ao desenvolvimento das cidades. Por um lado, visões mais inclusivas e colaborativas tornaram a mobilidade urbana um terreno fértil para soluções inovadoras. Por outro lado, o desafio continua – uma vez que as políticas públicas de transporte acabam ficando atrás da cultura de inovação mais arrojada que cresce na esfera privada, em especial com os esforços das startups.

Jessica Lima, engenheira civil, pesquisadora e professora da UFAL, avalia que as startups de mobilidade podem agilizar as mudanças, mas que isso tem um preço.

“A tecnologia vem crescendo mais rápido do que a regulamentação pode acompanhar, mas a regulamentação é importante para proteger o estado e garantir que o capital não se aproprie de bens públicos. A Uber, por exemplo, é uma empresa que vende transporte – embora diga que não. Eu questiono por que essas empresas não estão contribuindo para a manutenção da infraestrutura das cidades. Dessa forma ocorre que a sociedade acaba subsidiando essas empresas, enquanto que o transporte público segue sem ser prioridade”, afirma Lima.

Durante a pandemia do novo coronavírus, as empresas de ônibus sofreram ainda mais com a redução do número de passageiros que já vem caindo há alguns anos. De acordo com a NTU, conforme reportagem publicada no Diário de Transporte, entre abril de 2018 e abril de 2019 a demanda por ônibus caiu 4,3%, o que significa 12,5 milhões de passageiros a menos.

Um dos grandes desafios do trânsito, segundo Jessica Lima, é descrito como o círculo vicioso do transporte. “ Aumentos na tarifa faz com que menos pessoas usem o transporte público e que mais pessoas usem carros. De acordo com a NTU  apenas 11 sistemas de transporte por ônibus no Brasil possuem algum tipo de subsídio público. Ou seja, em 89,9% dos casos o usuário paga a tarifa integralmente. Isso contribui para o sucateamento do sistema. E quanto pior o sistema ou mais caro, menos pessoas vão querer usá-lo; portanto mais as pessoas vão dar preferência a carros e motos”, explica Lima.

Diante do desafio de encontrar soluções para subsidiar o transporte público, a ideia de compartilhamento ou transferência dos custos ganha força. É importante considerar que a mesma infraestrutura de trânsito da cidade é compartilhada entre os diferentes meios de transporte.

No Brasil, a realidade é que a maioria da população usa meios de transporte que não o carro. O modelo atual de mobilidade urbana é majoritariamente rodoviário e dependente do ônibus como principal meio de transporte. Diante do desafio de orquestrar os subsídios de forma mais efetiva, modelos de subsídios ao transporte público, como pedágio urbano e tarifação de congestionamento, entraram em pauta, a exemplo do novo pacote de propostas para o transporte coletivo de Porto Alegre, detalhado em reportagem do Jornal do Comércio.

Já os sistemas ferroviários urbanos em operação estão pouco presentes no país, totalizando 20 sistemas entre Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), metrôs e trens urbanos. Parte desse cenário escasso, deve-se ao custo de implementação de sistemas ferroviários. De acordo com informações publicadas no portal Mobilize, a implementação de uma linha de metrô pode custar entre US$ 70 milhões e US$ 1,5 bilhões por quilômetro. Por exemplo, uma linha subterrânea custa entre US$ 200 e US$ 300 milhões por quilômetro,  com custos distribuídos entre construção civil (45%), material rodante (30%), desapropriações (10%), equipamentos e sistema (8%), reurbanização (4%) e projetos de engenharia (3%).

No Brasil, 85,7% dos deslocamentos por transporte coletivo são realizados por ônibus, segundo dados da NTU. A pesquisa “Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana na Cidade” feita pela Rede Nossa São Paulo de 2018, Ibope Inteligência e Sesc, aponta que 80% da população paulista usa o transporte público. Mesmo o metrô de São Paulo sendo o mais importante do país, 49% das pessoas usam ônibus até 5 dias na semana na capital paulista. Para além desse exemplo, o mesmo relatório da NTU mostra que em cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes, a divisão modal ocorre da seguinte maneira: 40% faz seus deslocamentos a pé, 28% por transporte coletivo, 25% por automóvel, 4% por motocicleta e 3% por bicicleta. Ou seja, o automóvel é usado por ¼ das pessoas, mas é o principal responsável pelo congestionamento das vias que impacta a vida de 60% das pessoas que habitam nessas cidades.

A pesquisadora Jessica Lima também aponta outro aspecto: “A infraestrutura das cidades privilegia o transporte motorizado, no entanto, não é ele que subsidia toda essa infraestrutura. É comum observar grandes obras para alargamento de avenidas e poucas iniciativas para alargamento de calçadas ou implementação de ciclovias. A mobilidade urbana deve ser pensada a partir do deslocamento das pessoas e não dos meios de transporte.” Jessica Lima corrobora com a visão de que se tivéssemos um transporte coletivo de qualidade, calçadas boas, ciclofaixas que conectam parte importantes da cidade e políticas de taxação do uso de carro, a mobilidade urbana seria mais eficiente.

Nesse sentido, novas tecnologias aplicadas à mobilidade podem impactar positivamente no seu redesenho, levando em conta aspectos como sustentabilidade, melhoria da qualidade dos serviços de mobilidade e da difusão da informação, bem como planejamento urbano – aspectos, esses, levantados pelos pesquisadores Jessica Lima e Sergio Avelleda. De fato, não há panacéia tecnológica para a resolução dos desafios da mobilidade que dizem respeito ao desenvolvimento de cidades e aos entraves para colocar em prática as políticas públicas e direitos assegurados por força de lei. Por outro lado, as novas tecnologias podem ajudar o poder público a viabilizar as transformações para tornar a mobilidade mais eficiente, especialmente com a inclusão de tecnologias emergentes no processo de planejamento urbano, como big data, sensorização e internet das coisas.

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