12 de setembro de 2022 Artigos

Empreendedores de favela no contexto da crise

Mas e quando nos deparamos com empreendedores em realidades completamente diferentes de uma startup tradicional? E quando, além de todos os desafios de empreender na favela, temos de enfrentar uma pandemia?

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ARTIGO DE OPINIÃO

Por: Betânia Pontelo  / Head de Inovação na abeLLha

Há quatro anos construímos e evoluímos constantemente a metodologia para desenvolvimento de negócios na abeLLha. Durante este tempo, trabalhamos com diversas empresas e setores que nos ajudaram a ganhar experiência e construir um conteúdo relevante para quem está no início da jornada empreendedora.

Mas e quando nos deparamos com empreendedores em realidades completamente diferentes de uma startup tradicional? Como adaptar essa jornada de aprendizado, as ferramentas e a abordagem para conseguir atingir, também, esse público? E quando, além de todos os desafios de empreender na favela, temos de enfrentar uma pandemia?

O temido controle financeiro

Até hoje o que eu mais escuto é “eu trabalho tanto, mas não sei para onde vai o dinheiro”. A primeira etapa do acompanhamento consiste justamente em ajudá-los a criar o hábito de anotar tudo, para então entender despesas, receitas e passar a pensar nas finanças de maneira planejada e estratégica.

Uma das dificuldades foi a de adaptar as ferramentas de controle financeiro, assim como a criação do hábito de anotar gastos e entradas. Um fator que dificultava a criação desse hábito com o nosso método tradicional era o fato de os empreendedores não terem acesso ao computador todos os dias (e acessar um Excel, por exemplo). Assim, abrimos as possibilidades: vale anotar no celular, no livro-caixa, no caderninho que fica na bolsa, desde que ficasse registrado para que, depois, na reunião de acompanhamento, eu passasse os dados para o Excel.

Além do controle financeiro, sempre incentivei os empreendedores a criar o hábito de fazer o controle para conseguirem, também, guardar dinheiro. Ter reservas financeiras é importante para fazer investimentos nos negócios ou para ter capital para qualquer emergência.

De um dia para o outro, com o início da pandemia e do isolamento social, essa reserva se tornou quase que a única fonte de dinheiro para muitos deles.

Orientar para depois implementar ferramentas

Com o Projeto Hub e o Favela Hub, pela primeira vez tive que lidar com um público desbancarizado, e busquei educá-los financeiramente antes de abrir uma conta. A decisão foi baseada na jornada de aprendizado que os outros empreendedores, já bancarizados, me mostraram ser necessária, pois o controle de caixa ainda é uma grande questão para a maioria dos brasileiros. Não aprendemos a controlar nosso dinheiro em nenhuma etapa da nossa educação regular, e isso não depende de termos uma conta no banco.

Neste ponto entra mais uma questão importante ligada à pandemia: esse público necessita de um recurso financeiro disponibilizado pelo governo, mas que depende do uso e interação com uma tecnologia que é aplicada sem muitas orientações e em fase de teste. Como já vimos, isso implica em que grande parte dos solicitantes do recurso não consigam aprovação. No geral, não educamos e orientamos as pessoas antes de aplicarmos ferramentas e novas formas de interação através da tecnologia, e isso mais exclui do que integra.

Acessibilidade e comunidade

Muitas vezes, a palavra acessibilidade nos remete a barreiras físicas, mas o que vejo ao longo dessa jornada com os empreendedores de favela é que o acesso, na maior parte dos casos, diz respeito ao pertencimento.

Não é raro escutar, por exemplo, que eles compraram algum material para a empresa em uma loja “na cidade”. Isso mesmo, apesar de o bairro de Botafogo, onde fica localizada a favela Santa Marta, ficar na Zona Sul do Rio de Janeiro, quando os empreendedores saem do morro é que eles vão “para a cidade”. Isso diz muito sobre a falta do sentimento de pertencimento, que acaba afastando oportunidades e torna o acesso a serviços, produtos e pessoas, mais difícil.

O grande senso de comunidade, por sua vez, supre necessidades e cria novas possibilidades de negócios. O que eu faço é mostrar caminhos fora dos limites que estavam habituados, mas a evolução e adaptação dos empreendedores às novas ideias é quase natural. Estes empreendedores moram em um território onde compartilhar aprendizados, ajudar e solucionar problemas são práticas diárias, então meu trabalho é muito focado em organizar prioridades e conduzir o pensamento estratégico, para que os talentos que sempre existiram ali possam se mostrar e evoluírem de forma estruturada.

Buscar conhecimento e integrá-lo às metodologias da abeLLha é mais um dos meus papéis, que envolve a quebra dessa barreira invisível criada em torno das comunidades e visa, principalmente neste momento de isolamento social e crise econômica, manter o dinheiro girando dentro da comunidade, e acima de tudo, levar informação para preservar a saúde e a vida dos atendidos pelo projeto e todo o entorno.

Conquistas e motivação

O mais interessante da jornada de acompanhamento e desenvolvimento dos empreendedores de favela é quando, depois de alguns meses de trabalho, eles começam a ter consciência da importância da organização e do valor da transparência com relação ao dinheiro, passando a atingir objetivos a partir do que foi planejado nas nossas reuniões.

E foi quando chegamos a este ponto que estourou a pandemia do Coronavírus. Agora um dos principais desafios é manter a autoestima e a motivação dos empreendedores. A maioria viu seu faturamento cair, estão parados ou ainda mantém a esperança de que as coisas vão voltar a ser como eram em breve. Para tentar mantê-los engajados nos reinventamos mais uma vez, propondo dinâmicas em grupo, atendimentos individuais online e workshops temáticos para que não percam o foco.

A escuta ativa é minha grande aliada no acompanhamento dos negócios e representa boa parte do valor do trabalho.

No fim do dia são pessoas e, independente das ferramentas, o que importa é como elas vão se adaptar e facilitar suas vidas a partir dos aprendizados. Hoje temos uma metodologia super relevante para acompanhamento e desenvolvimento de negócios, porém a maior relevância é saber adaptar a jornada para cada um dos empreendedores e suas realidades. Olhar com cuidado e carinho para o processo de cada um, entender as frustrações que envolvem viver uma época de crise e mantê-los motivados é um desafio. Estamos juntos aprendendo como sobreviver e nos adaptar a esta nova realidade.

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Sobre o Follow-On:

Com uma rede que já conta com mais de 90 parceiros, o Follow-on é uma iniciativa organizada pela Liga Ventures que tem como objetivo reforçar a crença no ambiente empreendedor e de inovação do Brasil diante do cenário atual. O Follow-on quer contribuir para a discussão de uma Agenda Positiva de retomada, pautando as ações de inovação com startups como algo fundamental também em momentos de crise. A nossa rede está organizando uma série de apresentações de pitches de startups, conteúdos especiais, painéis com especialistas, cases estruturados, artigos de opinião, entre outros formatos para que possamos fundamentar ainda mais nossas decisões para uma Agenda Positiva de retomada.

Sobre a Liga Ventures:

Criada em 2015, a Liga Ventures é uma das maiores aceleradoras de startups do país e pioneira no mercado de aceleração corporativa e corporate venture, com parceiros como Porto Seguro, GPA, Banco do Brasil, Brink’s, Embraer, Mercedes-Benz, TIVIT, Saint-Gobain, Unilever, Vedacit, Souza Cruz, Suvinil, Bauducco, Ferrero, Colgate-Palmolive, Unimed FESP e Sodexo. A Liga também já acelerou mais de 200 startups nos ciclos de aceleração e criou mais de 25 estudos inéditos por meio do projeto Liga Insights, apontando startups que estão inovando nos setores de AutoTech, Retail, Tecnologias Emergentes, HR Techs, Health Techs, IT, Real Estate, Food Techs, MarTechs, AgroTechs, EdTechs, entre outros.

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