Neste artigo do Insights, confira como a tecnologia pode assumir um papel chave para a evolução do ambiente esportivo brasileiro
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Os investimentos em inovação no ambiente esportivo brasileiro devem crescer de modo expressivo ao longo dos próximos anos. Segundo um relatório da Markets and Markets, até 2024, o mercado de tecnologia voltada para o esporte deve atingir um crescimento médio de 20,6%, partindo de um valor de US$ 8,9 bilhões em 2018 para cerca de US$ 31,1 bilhões em 2024.
A própria tecnologia, por sua vez, é a base de modalidades como o eSports (que envolve competições profissionais de jogos eletrônicos) que vem crescendo no mundo e que contou com uma expectativa global de público na casa de 450 milhões de pessoas em 2019, de acordo com a consultoria Newzoo, especialista na modalidade.
Para Leandro Mazzei, Professor do Curso de Ciências do Esporte da UNICAMP, a expectativa de expansão da inovação no esporte é uma consequência natural da maior presença das novas tecnologias na sociedade como um todo. “Seja qual for o segmento, é inevitável não recorrer a algum recurso que envolva novas tecnologias e inovação. Vivemos em um mundo tecnológico e o esporte não está excluído deste contexto. Portanto a tecnologia em ambiente esportivo é inerente nos dias atuais”, explica Mazzei.
Mas uma análise da expansão da inovação no esporte, para ser completa, deve levar em conta os desafios do setor e questões que vão além do aumento bruto de receita no segmento esportivo global. Afinal de contas, em muitos dos casos, é atacando as carências de um mercado que as novas tecnologias podem crescer.
Neste sentido, quando nos concentramos na realidade do esporte brasileiro, por exemplo, é possível identificar problemas como a disparidade de receitas entre clubes, a concentração de investimentos no futebol, o envolvimento e suporte do poder público, além de uma estrutura pouco profissionalizada e da falta de uma cultura digital mais bem estabelecida nas entidades esportivas.
Sobre a questão cultural, Júlia Vergueiro, sócia-presidente da Pelado Real Futebol Clube, maior escola de futebol exclusiva para meninas e mulheres do país, comenta sobre a necessidade de renovação dos gestores esportivos.
A maioria das lideranças do futebol brasileiro não tem uma mentalidade voltada para investir em inovação. Há uma dificuldade dos clubes em enxergar as demandas e oportunidades que saem do ‘comum’ e da ‘zona de conforto’ de fazer o que já se sabe fazer há muitos anos. Os poucos clubes que oferecem abertura interna para que as novas cabeças pensantes desenvolvam projetos para atender essas novas demandas já estão se destacando, e esse pioneirismo vai fazer cada vez mais diferença em termos de resultados dentro e fora de campo.”
Um dos pontos inerentes a essa transformação cultural, envolve, inclusive, uma maior representatividade da mulher no esporte. Vale frisar que, segundo pesquisa recente, 40% das mulheres no esporte ainda enfrenta discriminação de gênero.
Pensando no futebol, esporte de maior público no país, para que haja a transformação deste cenário é necessária a mobilização de uma série de players – clubes, mídia e lideranças do esporte.
“Os desafios ainda envolvem muito a falta de uma cultura do futebol feminino no Brasil: é preciso tempo e divulgação para que as pessoas se acostumem com o calendário, para que tenham na cabeça que, todo certo dia em certa hora, tem rodada do feminino. Parte da imprensa e alguns clubes têm feito um bom trabalho nesse sentido, então é preciso continuar, fazer mais, e investir também em entretenimento – hoje as pessoas consomem muito futebol fora dos 90 minutos, então vai dos clubes e emissoras desenvolverem esse conteúdo também no futebol feminino, de modo a criar uma maior conexão entre jogadoras e o público geral. Além disso, é preciso que haja uma renovação na mentalidade dos líderes. Não adianta termos um “produto futebol feminino” interessante se as lideranças não estão dispostas a atuar em algo diferente”, conclui Vergueiro.
A escola Pelado Real, aliás, tem se esforçado para contribuir com a transformação deste cenário. Com categorias exclusivamente femininas para alunas a partir de 5 anos de idade e equipes comandadas, exclusivamente, por gestoras e treinadoras, a escola conta com 300 alunas treinando regularmente em duas unidades na cidade de São Paulo.
Diante deste cenário presente no ambiente esportivo brasileiro, as Sports Techs – startups atuantes no mercado esportivo – têm um papel importante na construção de modelos de negócio mais ágeis, que facilitem a entrada de novas soluções no segmento esportivo. Para tanto, é crucial que aproveitem o ainda inicial movimento de maturação tecnológica do mercado e transformem os desafios citados acima em oportunidades de geração de negócios.
“As startups devem cumprir seu dever, ou seja, atender a demanda e necessidades dos envolvidos com o esporte com soluções práticas e efetivas. O que é muito difícil e específico, posto que, ao mesmo tempo em que existem inúmeras possibilidades de geração de negócio, elas devem focar em problemas pontuais e fazer algo útil na prática que esteja embasado na construção de um conhecimento”, aponta o professor da UNICAMP, Leandro Mazzei.
As iniciativas de startups no universo esportivo, vale salientar, vem ocorrendo em diversos ecossistemas de negócio. Na Espanha – cujo futebol, de modo semelhante ao Brasil, ganha destaque central dentro de sua cultura esportiva –, por exemplo, o Real Madrid lançou uma iniciativa para atrair 6 startups, visando o desenvolvimento de produtos que possam auxiliar no desenvolvimento tecnológico do clube em áreas como performance, engajamento de fãs, e-health e cibersegurança.
Já nos Estados Unidos, ligas como a de futebol americano (NFL), tem um histórico reconhecido de suporte à inovação. Em reportagem do Meio & Mensagem, por exemplo, é dado destaque para os investimentos da NFL em drones, nanotecnologia, visão computacional e soluções para a melhora de desempenho. Anualmente, a NFL seleciona startups para aceleração por meio do programa 1ST & Future.
Para Libia Macedo, professora de projetos esportivos da ESPM, consultora e especialista em eventos esportivos, a tecnologia tem um papel decisivo em diferentes aspectos do esporte.
“A tecnologia auxilia, por exemplo, na pulverização e divulgação do esporte – nas suas várias modalidades esportivas – trazendo, inclusive, acesso a detalhes e melhorando a vivência no esporte enquanto entretenimento. Além disso, tem um papel importante nos processos de gestão de eventos, por meio do uso de dados e business intelligence”, comenta Macedo.
Por sua vez, para traçar as principais contribuições de startups atuantes no ambiente esportivo brasileiro, nós definimos – por meio de pesquisas em veículos especializados e de entrevistas com acadêmicos, líderes de startups e de grandes empresas esportivas – quatro eixos centrais em que o país já conta com alguns exemplos bem-sucedidos de iniciativas tecnológicas.
São eles: Big data e analytics no esporte; Soluções com foco na melhoria de desempenho e performance; Desenvolvimento de equipamentos esportivos; E tecnologias direcionadas para o marketing e o engajamento com torcedores.
Sobre o eixo do big data e o potencial das tecnologias de analytics no universo esportivo, o professor da Professor da Pós-Graduação em Educação Física da UFPR, Fernando Marinho Mezzadri, destaca o papel conjunto da inovação com o olhar técnico de especialistas capazes de extrair valor dos dados.
“Em primeiro lugar, é importante ter em mente a confiabilidade dos dados, abordando variáveis que realmente importam para o desenvolvimento do atleta. Em seguida, as análises específicas, que devem ser feitas levando em consideração as caraterísticas dos atletas, das modalidades, da posição no ranking, dentre outros fatores. Nos estudos desenvolvidos pela Inteligência Esportiva, é visível a melhoria de performance de atletas que tomam decisões baseadas em seu histórico de dados. Obviamente que, somente os dados não garantem evolução. Os melhores resultados são obtidos através de cruzamentos e análises criteriosas dos dados por toda a equipe de trabalho”, comenta Mezzadri.
Como se percebe, a possibilidade de intersecção entre soluções de analytics e a busca por melhora de desempenho é, como veremos mais a frente, um dos campos explorados pelos clubes dentro do terreno da performance de atletas. Além disso, analisaremos cases de startups que utilizam desde treinamentos cognitivos para a melhora da tomada de decisões e do tempo de reação de atletas, até soluções focadas em realidade virtual e evolução de desempenho. Os dados têm um papel importante no novo cenário dos eventos esportivos, conforme ressalta Libia Macedo.
“Temos exemplo do uso de big data em eventos, para auxiliar frequentadores de jogos nos mais diversos aspectos: visualização de assentos, acesso a serviços, localização de amigos que também estejam no estádio e até acessar, por meio de apps, os melhores momentos do seu atleta favorito”, destaca a professora de projetos esportivos da ESPM.
No âmbito dos equipamentos esportivos, por sua vez, o foco principal foi analisar como startups podem contribuir com o ambiente global de esportes e, além disso, criar diferenciais competitivos em um [highlight = “pink”]mercado dominado por grandes marcas, o qual, até 2024, pode movimentar US$ 80 bilhões[/highlight], segundo projeção da TechSci Research.
Para o professor da UFPR, Fernando Mezzadri, o fator flexibilidade, aliada a possibilidade de personalização de produtos, pode contribuir para o avanço das startups no segmento de equipamentos esportivos.
Em experiências mais recentes, verificamos que as grandes empresas não dão conta de atender um mercado que necessita de flexibilidade, personalização e rápido atendimento. Neste sentido, a personalização do produto/serviço, a otimização da distribuição e a rapidez com que as decisões são tomadas podem ser grandes artifícios para que as startups esportivas se diferenciem das empresas globais de artigos esportivos”, diz Mezzadri.
Finalmente, na frente das soluções voltadas para o marketing esportivo e engajamento, abordaremos tanto plataformas de streaming que estão transformando os modelos de consumo de informação esportiva, quanto tecnologias voltadas para a gestão de estádios e ferramentas capazes de aproximar os torcedores de seus clubes, aumentando assim a participação de pessoas em eventos esportivos.
Este desafio, aliás, faz parte da realidade de diversos esportes no Brasil, incluindo o futebol, uma vez que, embora seja a décima maior liga futebolística do mundo em termos de receita, [highlight = “pink”]o Brasileirão tem uma taxa de ocupação nos estádios de apenas 43% [/highlight] – número que fica abaixo, apenas para citar um exemplo, da segunda divisão inglesa (Championship), que conta com cerca de 73% de ocupação, segundo dados divulgados pelo Meio & Mensagem.
Diante deste ecossistema desafiante, há ainda o desafio de educar dirigentes e lideranças esportivas sobre o papel de tecnologia no processo de transformação do esporte brasileiro.
“Mais do que o investimento, é preciso convencer (educar e conscientizar) os dirigentes esportivos. A maioria deles ainda não compreendeu a importância que as novas tecnologias oferecem para auxiliar no desenvolvimento da modalidade ou da própria instituição. Com a importância a tecnologia vem ganhando em toda a sociedade, o mercado está se regulando naturalmente e o avanço está sendo gradativo. Para acelerar isso, somente com a ajuda de grandes investidores e também das maiores entidades esportivas do país, que deveriam ser as primeiras a incentivar o uso dessas tecnologias no ambiente esportivo”, ressalta Mezzadri.