6 de abril de 2021 Artigos

Beyond the pills: rumo à saúde integrada e personalizada

Especialistas do setor de saúde debatem sobre a importância dos dados e das tecnologias digitais na adoção de uma estratégia que vai além dos comprimidos a fim de maximizar resultados.

 

O fácil acesso à informação e às tecnologias digitais têm possibilitado, cada vez mais, a participação ativa das pessoas em relação à saúde e bem-estar. Esse movimento, impulsionado pela pandemia de Covid-19, abre novas oportunidades para a indústria farmacêutica na adoção de estratégias beyond the pills – além dos medicamentos — que possibilitem a saúde integrada.

Neste contexto, as empresas que têm como core modelos de negócios tradicionais focados somente em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), fabricação e comercialização de produtos, terão que se adaptar a fim de vencer a competitividade e fidelizar clientes.

Em termos de crescimento no setor de saúde, o futuro é promissor. Na manufatura farmacêutica, por exemplo, a previsão é que o mercado global obtenha uma taxa de crescimento anual composta de 12,8% de 2021 a 2030, alcançando US$ 1,1733 bilhão ao final da década. No Brasil, a perspectiva também é positiva. De acordo com a IQVIA — empresa estadunidense de tecnologia da informação da saúde — a expectativa é que o Brasil supere a China e a média das economias de farmacêuticas emergentes, representando um aumento de 8% no período de 2019 a 2023.

A tendência de expansão acontece também no mercado de startups. No último ano, o investimento global em healthtechs registrou um crescimento significativo, alcançando a marca de US$ 21,8 bilhões, além de estabelecer um novo recorde trimestral de rodadas e aportes, conforme mostra o relatório da plataforma CB Insights. As startups do setor, então, mostram-se como uma alternativa para auxiliar grandes players na aceleração de tendências de digitalização, por meio de serviços que promovem um impacto positivo na jornada do paciente e no setor como um todo.

A seguir, vamos analisar a maturidade do setor de saúde no que diz respeito à tecnologia, os desafios em adotar estratégias focadas no cuidado integral do paciente e a importância dos dados na adoção de uma medicina personalizada e efetiva.

Cuidado integral como foco da saúde integrativa

Nunca se falou tanto em qualidade de vida e, diariamente, surgem novos negócios focados em bem-estar, alimentação e saúde mental. Neste novo cenário, adotar uma estratégia que vai além dos medicamentos se torna essencial para as empresas do setor de saúde que desejam se destacar, explica Daniel Macedo Silva, diretor adjunto de criação de valor e inovação da Raia Drogasil.

“As nossas pesquisas mostram que os nossos clientes buscam algo que os ajude a cuidar mais da saúde e não da doença. As pessoas querem ajuda para mudar seus hábitos diários e, por isso, vamos lançar uma plataforma que está em fase de teste, cujo objetivo é acompanhar nossos clientes no cuidado integral da saúde deles, integrando isso com outros serviços que temos na loja”, diz.

Para Samilla Dornellas, CEO da Far.me, startup focada na gestão individualizada de pacientes que utilizam medicamentos contínuos, as empresas de saúde necessitam ter uma visão mais holística do paciente, acompanhando sua jornada do início ao fim.

“Em termos práticos, é estar mais na ponta, é entender como está sendo essa percepção subjetiva em relação àquele princípio ativo, se está tendo alguma reação, se ele tem alguma dúvida sobre possíveis intervenções, reações adversas e interações medicamentosas”, afirma Dornellas. “É entender os quatro pilares que estão ligados à experiência - segurança do medicamento, efetividade, indicação e conveniência - e como isso está sendo construído, como o paciente está recebendo isso quando recebe um fármaco de determinada indústria.”

Startups e a digitalização do setor de saúde

O aumento na expectativa de vida e a mudança na perspectiva do olhar sobre o paciente, abre novas oportunidades para o setor, afirma Guilherme Salgado, CEO da 3778, healthtech fundada em 2018. 

“O mercado de saúde está em um processo de grande transformação. É um movimento de digitalização no atendimento, que já aconteceu em outras áreas e que foi acelerado com a pandemia. Ao mesmo tempo, existe uma necessidade de reduzir desperdícios e ligar os diferentes segmentos desse ecossistema. Isso abre possibilidades para a área de inovação e desenvolvimento. Sobretudo para quem conhece a fundo o setor de saúde, suas carências, limitações e dores. Além disso, é um setor que está em evidência por causa da pandemia”, explica o CEO.

Rodrigo Gurdos, cofundador da Smart Pill, enxerga a parceria entre grandes players do setor e healthtechs, uma alternativa para acelerar a tecnologia no setor de saúde brasileiro, mas, para que isso aconteça, é preciso que haja uma mudança cultural.

“As indústrias farmacêuticas são muito boas e têm muito recurso estancado que poderia ser injetado nas startups, mas falta uma ponte dentro da indústria que, muitas vezes, não tem alguém que saiba falar essa língua e que consiga levantar recursos com o corporativo”, explica o empresário. “É preciso alguém para fazer o meio de campo porque as expectativas são muito diferentes e não se conversam. A indústria tenta criar centros de inovação, mas as startups não têm a autonomia necessária para fazer a máquina girar, é muito complexo.”

Uso de dados e analytics no diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças

A saúde é um setor que sempre gerou muitos dados, mas, de acordo com Dornellas, CEO da Far.me, eles nunca foram trabalhados, interpretados e utilizados para o bem maior do paciente como estão sendo agora.

“Eu tenho observado que o setor está ficando cada vez mais integrado, as empresas estão cada vez mais preocupadas em abranger toda a jornada, desde o momento que o paciente tem algum diagnóstico até o momento em que ele, de fato, recebe algum tratamento. Hoje as plataformas estão integrando tudo em um mesmo local, você tem alguns dados e informações iniciais que são trabalhados até o momento que você consegue entender o paciente como um todo, inclusive prever ações ou o desenvolvimento de comorbidades, enfim, todo o tipo de interação que esse paciente vai ter.” 

Neste processo, os dados, somados às tecnologias digitais são fundamentais, tanto do ponto de vista de resultado quanto financeiro, explica Guilherme Salgado, CEO da 3778.

“A partir de uma rotina de input de informações, a Inteligência Artificial e os modelos preditivos que desenvolvemos com nossos cientistas de dados são capazes de apontar as melhores alternativas para tomadas de decisão. Seja no planejamento, seja na escolha de programas e terapias que fazem mais sentido para uma população ou para o indivíduo”, explica Salgado. “Na prática, acompanhando a jornada do colaborador ou de um conjunto de trabalhadores, com base em dados, conseguimos entender se ele e seus colegas precisam, por exemplo, de programa de saúde emocional ou programas de ergonomia, um programa de alimentação ou de exercícios.”

A LGPD no setor de saúde

Que os dados são a nova moeda da sociedade atual, ninguém pode negar. No setor de saúde, as informações de pacientes e consumidores são ainda mais valiosas. Segundo um estudo da IBM, um vazamento de dados pessoais de saúde custa aproximadamente US$ 7,13 milhões, três vezes mais do que um vazamento de hábitos de compra das pessoas, por exemplo.

Apesar da importância que os dados possuem na tomada de decisão de grandes empresas, o advogado especializado em direito digital, Lucas Magalhães, explica que é preciso ficar atento às regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor a partir de agosto deste ano.

A legislação apoia o uso de Inteligência Artificial e big data, mas o que as empresas precisam se preocupar é em como ser claras com as pessoas sobre o que elas fazem com os dados que coletam. E para isso, as empresas precisam ter essa clareza internamente, definindo os seus objetivos, entendendo a jornada do dado e os riscos à que elas estão submetendo as pessoas. Nós precisamos virar essa chave de data-hungry para virar data-driven.

Além disso, Magalhães comenta sobre a importância da transparência entre empresas e usuários. “A empresa precisa ser muito clara e deve direcionar a conversa para o público que está acessando. Se ela lida com o público idoso, por exemplo, não adianta criar um termo de uso que a pessoa tem que clicar em quatro lugares para chegar nele, aquele negócio extenso que a pessoa que não está acostumada a lidar com tecnologia não vai ler. Quando falamos em transparência, precisamos pensar na experiência do usuário e na garantia da segurança das informações dele.”

Medicina individualizada: a medicina do futuro

Cada vez mais, a medicina e o setor de saúde como um todo estão transitando de uma abordagem “um serve para todos”, para um tratamento mais individualizado, afirma Lia Back, cofundadora da Biogenetika, startup de sequenciamento genético pioneira no Brasil.

Segundo a cientista, essa tendência surge através de um movimento dos próprios pacientes, que estão mais participativos e interessados em cuidar de si mesmos. Nesse contexto, caracterizado por uma medicina personalizada, a genética se torna uma ferramenta fundamental.

“A medicina individualizada é algo que veio para ficar, o grande desafio é coordenar toda essa informação”, explica Back. “Hoje isso ainda é feito muito com conhecimento humano, mas a tendência é que nós consigamos alimentar bancos de dados para, através de sistemas de informação de inteligência artificial, entregar uma resposta para aquela pessoa, qual medicamento, qual a dose ou qual o tipo de alimento vai ser benéfico para ela, o que ela deve evitar o que ela não deve evitar.”

Ponto final

Adotar uma estratégia que vai além dos comprimidos e enxerga o paciente de maneira integral é essencial para as empresas de saúde que desejam sair na frente em um setor que está em movimento de transformação. Neste processo, o uso de dados, inteligência artificial e análise preditiva são aliados fundamentais para entender as reais necessidades do paciente ao longo da sua jornada, atingir melhores resultados de saúde, reduzir custos e fidelizar clientes.

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