Inovação na saúde: a transformação digital como primeiro passo, a importância do P&D na saúde e as iniciativas no ambiente brasileiro.
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A transformação digital em empresas do segmento de Saúde pode representar um importante – e essencial – primeiro passo rumo à adoção de inovações mais disruptivas. Isso porque a digitalização de processos e a evolução dessa transformação não impacta apenas as companhias de forma interna, mas também externamente.
Segundo um levantamento realizado pela Deloitte em 2018, apesar de acontecer de forma lenta, o comprometimento da indústria biofarmacêutica com a transformação digital tem crescido. Isso porque uma maior maturidade em questões de digitalização e tecnologia permite às empresas maior eficiência e possibilitam que as companhias explorem novas formas de fazer negócios, em comparação a organizações menos maduras nesse sentido. Criar e buscar novas formas de se relacionar com inovação e práticas relacionadas se tornam importantes em um contexto e mercado nos quais apenas adquirir não é mais 100% suficiente – como citado nesse artigo, aquisições podem ser uma forma de permanecer acima das mudanças de mercado, mas a pressão por crescimento orgânico continua.
Além disso, as oportunidades para transformação são inúmeras, desde operações de negócios, passando pelo engajamento com pacientes, médicos e sistemas de saúde, até o desenvolvimento de novos produtos e serviços. Isso requer, claramente, uma estratégia integrada, cultura colaborativa e experimentação.
Um outro estudo, este produzido pela Accenture, em 2019, apresenta uma visão mais otimista sobre a digitalização das corporações, em um contexto de tecnologias já pós-digitais sendo adotadas pelo segmento de Ciências da Vida, adoção essa com o propósito de atender aos desejos e expectativas de pacientes, funcionários e parceiros de negócios. De acordo com resultados do estudo, 82% dos executivos dessa indústria concordam que mídias sociais, dispositivos móveis, analytics e computação em nuvem já são componentes principais na base técnica da organização. Ainda, 97% afirmam que o ritmo de inovação da organização foi acelerado pelo impacto de tecnologias SMAC (sigla para Social, Mobile, Analytics e Cloud).
Isso devido ao fato de estas estarem permitindo que atores da indústria tratem doenças de novas maneiras; além disso, a convergência entre ciência e novas tecnologias está acelerando a aprovação de novos remédios e fármacos. A penetração dessas tecnologias é um sinal de que a indústria entra, aos poucos, em uma era pós-digital, na qual, conforme o estudo, a convergência tecnológica está remodelando tratamentos, e a maneira como as companhias se utilizam disso servirá como uma catalisadora de mudanças.
Dentro desse futuro pós-digital, nasce a importância da chamada Nova Ciência, que combina o melhor dos mundos científico e tecnológico – desde a área genômica, passando por biomarcadores e tecnologia diagnóstica – para conduzir o crescimento, aprimorar a área de P&D na saúde e resultados clínicos, transformando a experiência dos pacientes.
Em convergência a isso, de acordo com Istvan Camargo, Gestor de Inovação do Grupo Sabin – corporação do segmento de medicina diagnóstica –, as inovações tecnológicas cumprem um papel importante para a área de P&D na saúde, possibilitando, inclusive, novas formas de colaboração junto a startups, universidades e parques tecnológicos. “A combinação entre inovação e tecnologia tem permitido a exploração de novas ideias e negócios sem que isso inviabilize os custos envolvidos em P&D. Com isso, está se abrindo um novo caminho para o desenvolvimento de uma medicina mais personalizada, preditiva e precisa, em um contexto em que a inovação na Saúde deverá gerar cada vez mais valor tanto para médicos quanto para pacientes”, afirma Istvan.
As inovações tecnológicas, inclusive, ganham importância em um momento de certa “revolução” da área de produtos em algumas empresas do segmento, que passam a olhar também para a adoção de novas metodologias e trabalham a inovação aberta em conjunto com o P&D. Segundo Thiago Julio, médico e gerente de inovação aberta da Dasa, empresa de diagnóstico médico, o core da companhia torna impossível dissociar ciência, inovação e tecnologia do P&D, em um contexto de modernização da área dentro da organização.
“Pensando tanto em um contexto interno quanto externo, as inovações tecnológicas e científicas tem uma importância enorme. Dependemos de ciência aplicada para inovar em novos produtos, serviços ou soluções para médicos e pacientes. Parte do nosso P&D é feito em parceria com universidades, startups e grandes empresas do setor. A Inovação Aberta nos permite acessar novas tecnologias e acelerar o desenvolvimento dos produtos. Inovação na Dasa é tema matricial que todas as áreas desenvolvem em conjunto, incorporando metodologias ágeis, criando novas fontes de financiamento, novos modelos de gestão, cocriação e parcerias”, conta ele.
Incorporar inovação à área de P&D e criar, como consequência, o conceito de P,D&I – unindo práticas de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental e inovação tecnológica, como explicado pela ANPEI (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras) –, não apenas se apresenta como uma evolução quase natural da área em empresas do segmento de Saúde, mas também como uma resposta à necessidade de torná-la ainda mais profícua.
De acordo com dados do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), em 2017 foram R$ 82,8 bilhões investidos em P&D no Brasil, dos quais aproximadamente R$ 41,2 bi (49,72%) foram dispêndios públicos e R$ 41,6 bi (50,28%) vieram do setor privado. Em uma comparação em relação a dados de anos anteriores, é a primeira vez, desde 2005, que os gastos por parte das empresas superou os feitos pelo governo federal, somados aos gastos estaduais.
Além disso, os dispêndios públicos representaram 0,63% do PIB em 2017, menor taxa registrada desde 2012; os dispêndios privados, por outro lado, representaram 0,64%, maior taxa – igualmente a 2015 – desde 2000. Mesmo que não represente uma curva reta ascendente, a participação privada apresentou um crescimento expressivo desde 2013, o que pode ser bastante representativo na evolução das empresas no aspecto científico-tecnológico. Se por um lado o aumento da participação da iniciativa privada seguiria tendências de países como Japão, China e EUA, como aponta relatório da UNESCO, por outro, os recursos públicos representam ainda parte importante e essencial nesse jogo.
Como defendido em artigo publicado no Nexo Jornal, “a ciência básica é fundamental para o progresso e inovação tecnológica e depende de recursos públicos em todo o mundo”, e são em laboratórios de pesquisa básica que são estudadas disciplinas como biologia molecular, biotecnologia e farmacêuticos, nanotecnologia e outros, em sinergia com TICs, a partir das quais se esperava que surgisse uma nova onda de altas tecnologias.
Além disso, de acordo com os autores do texto, um dos maiores desafios do país é consolidar o caminho entre o P, de pesquisa, e o D, de desenvolvimento, e que não existe inovação isolada. Nesse contexto, defendem que “bons resultados surgem da interação entre diferentes atores de um ecossistema”, e que a interação entre o conhecimento e recursos humanos provenientes das universidades e a indústria “possibilita a produção de tecnologias de alto nível que, por sua vez, conduzem à inovação”.
A Sanofi é uma das maiores empresas do setor farmacêutico no mundo e uma das que mais despende recursos em P&D , possuindo forte presença no Brasil. De acordo com Leila Rodrigues, Head de IT LATAM e Marcelo Nadruz, Head de Aceleração Digital Brasil na companhia, a organização enxerga um valor expressivo em parcerias como importante gerador de resultados e tem buscado se conectar com atores relevantes e inovadores do ecossistema.
“As inovações tecnológicas vêm contribuindo amplamente para acelerar e auxiliar em questões analíticas de dados, predição de resultados e validação e aceleração de estudos de P&D no campo da saúde. A Sanofi está muito atenta aos centros de inovação e startups, buscando soluções alinhadas à nossa estratégia, e estabelecemos parcerias com universidade, incubadoras e aceleradoras. Tendo em vista os desafios enfrentados pelas startups em acessar recursos de empresas maiores, como corpo médico clínico, dados e pesquisas científicas, nós criamos mecanismos para simplificar esses processos, sem perder o foco em questões regulatórias, éticas e de segurança”, afirmam Rodrigues e Nadruz. Além disso, a Sanofi possui também uma plataforma de inovação aberta global no segmento de Consumer Healthcare, com desafios para a cocriação de soluções de saúde do consumidor.
Iniciativas como as da Sanofi são interessantes e importantes em um contexto como o brasileiro em que, de fato, ainda existe um desencontro entre os atores do segmento de Saúde, questão que, por outro lado, abre oportunidades para o desenvolvimento de novas atuações em parceria, mesmo que de forma gradual. De acordo com uma publicação da Wylinka, que desenvolveu uma régua de grau de interação entre ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia) e empresas, existem quatro níveis que podem ser estabelecidos:
No Brasil, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz é um ator que possui iniciativas de desenvolvimento próprio e apoio à pesquisa e desenvolvimento, atuando conforme a maturidade dos projetos apresentados, oferecendo diferentes formas de suporte, desde incubação e mentoria até investimento e aquisição. De acordo com a entrevista com Gustavo Faibischew, Gerente de Inovação e Educação Médica do HAOC, questões ligadas à área de P,D&I na Saúde não são prospecções de futuro, mas premissas da própria natureza das atividades na vertical de saúde, o que justifica o desenvolvimento de inovações tecnológicas no segmento.
“Atualmente, o Hospital mantém parceria com outras organizações para a realização de desafios de tecnologia e inovação médica, sempre focados em projetos ou anseios já delineados em nosso roadmap de inovação. Possuímos um espaço físico dedicado para startups, apoiando também projetos de pesquisa nas áreas de biotecnologia, biossensores, realidade virtual, manufatura aditiva (impressão 3D) e inteligência artificial. O suporte que provemos depende muito do nível de maturidade do negócio ou da pesquisa em questão. Projetos embrionários são mentorados quanto ao delineamento do escopo, abordagem do problema e desenvolvimento de soluções. Outros, mais maduros, são acelerados por meio de condução de provas de conceito em cenário real, ou de protocolos de pesquisa”, conta Faibischew. Além disso, segundo ele, startups mais maduras participam do ecossistema da companhia, com a proposição de soluções que são assimiladas pelo hospital.
Existe uma importância muito significativa no desenvolvimento de soluções em conjunto ou que sejam apoiadas de alguma forma por grandes empresas, que reside no desenvolvimento real e posterior aplicabilidade da solução e introdução da mesma no mercado. Um estudo realizado pela Wylinka, em colaboração com a Associação Samaritano e o Instituto Sabin, mapeou 63 projetos de tecnologia na área da Saúde, englobando desde projetos em nível básico de pesquisa até tecnologias ativas no mercado.
Do total mapeado, 20 delas estavam no nível básico de pesquisa, 33 em encaminhamento para aplicação (em estágio de pesquisa aplicada ou em prova de conceito ou em escalonamento) e 10 já estavam sendo aplicadas. Conforme análises presentes no material, o fato de poucas tecnologias ainda não estarem inseridas no mercado pode demonstrar dificuldades no desenvolvimento de pesquisas no setor, tornando necessária a busca por oportunidades de validação e testes reais da solução que está sendo desenvolvida. Além disso, determinam como importante “entender quem são os clientes e parceiros para produção e envolvê-los desde o início para garantir a viabilidade de escala da solução”.
O HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) é um dos principais complexos hospitalares do país, com uma estrutura de desenvolvimento de P&D com mais de 60 laboratórios, estando estes vinculados à Faculdade de Medicina da USP. Atualmente, possui diversas iniciativas com o objetivo de fomentar a inovação no segmento da Saúde, sendo a principal delas o InovaHC, que tem por missão ser “um catalisador de inovação em saúde conectando recursos, empreendedores a fim de gerar soluções que tornem a jornada do atendimento, pesquisa e ensino mais intuitiva, eficiente e iterável, além de facilitar a promoção e transferência de conhecimento científico, tecnológico e cultural ao setor produtivo público e privado”.
De acordo com Ivisen Lourenço, Gerente de Inovação InovaHC/HCFMUSP, a organização desenvolveu diversos modelos para apoiar pesquisadores e empreendedores do segmento – que variam conforme o estágio do projeto.
“Hoje, nós apoiamos iniciativas dentro dos oito institutos do complexo HC e, por meio do InovaHC nós criamos iniciativas para desenvolver pesquisadores para a validação de projetos frente à necessidade do mercado. Possuímos ações de apoio a esses projetos durante toda a jornada de desenvolvimento, desde a ideia até o scale-up. Oferecemos serviços de apoio nas fases de ideação, validação laboratorial, prototipação, validação de protótipo e modelo de negócio, tração e escalabilidade”, afirma Lourenço.
Ainda conforme Lourenço, o país passa por um momento crítico, dentro de um contexto em que colaborações são essenciais para um desenvolvimento mais ágil de soluções. “O momento atual pelo qual passamos evidencia que o fomento à pesquisa e inovação com base tecnológica e científica é um dos pilares de desenvolvimento. O Brasil possui um capital intelectual de alto padrão: universidades, pesquisadores e cientistas com projetos promissores e metodologias eficientes, mas esbarram em alguns problemas estruturantes para desenvolvimento mais ágil. O impacto é observado em projetos com resultados laboratoriais expressivos, publicações interessantes, mas com pouca transição para o mercado. Aumentar o relacionamento da iniciativa privada e pública é fundamental para elevar os padrões de desenvolvimento de soluções Hard Science em Saúde”, finaliza.
A Veritas é uma startup de biotecnologia com foco no descobrimento, desenvolvimento e comercialização de biomoléculas. A empresa desenvolveu uma plataforma de P&D para descobrir e validar novas composições de matéria com potencial real terapêutico e/ou diagnóstico.
A Invitra é startup do segmento de Reprodução Humana Assistida. Fundada em 2013, oferece inovação em produtos para TRA (técnicas de reprodução assistida), formulações crioprotetoras para gametas e embriões, análise microbiológica, análise metabolômica de fluidos biológicos e produtos para diagnóstico in vitro.
A Genorbio é uma startup chinesa com foco no desenvolvimento de medicamentos acessíveis para oncologia e doenças autoimunes. A empresa criou uma plataforma para identificar demandas volumosas e não atendidas nessas áreas. Já captou mais de US$ 430 milhões em investimentos.
A canadense Geneseeq é uma startup que se utiliza da tecnologia de Sequenciamento de Nova Geração para acelerar o tratamento de precisão para pessoas com câncer. Os testes de genoma criados pela companhia oferecem análises para tratamentos mais eficazes à condição do paciente. A startup já captou cn¥940 milhões (US$ 130 mi).