Uma análise sobre o papel da tecnologia nos processos de inclusão de alunos com deficiência no sistema de ensino brasileiro
por
O constante avanço da inclusão de alunos com deficiência nas salas de aula regulares é uma importante conquista do país que, aos poucos, tem conseguido suplantar algumas das barreiras que diminuem a participação de diferentes grupos sociais no ambiente educacional brasileiro.
De acordo com o último censo escolar divulgado no início de 2018 pelo Ministério da Educação, o número de estudantes com algum tipo de deficiência presentes no ensino regular (iniciativa recomendada por especialistas em educação e pelo MEC), aumentou de 85,5% em 2013 para pouco mais de 90% em 2017.
Apesar disso, todo um grupo de desafios ainda precisa ser vencido para que essa inclusão seja, de fato, verdadeira e capaz de proporcionar aprendizagem efetiva para os alunos portadores de deficiência no Brasil.
Ainda de acordo com o censo escolar, por exemplo, dos 90,9% de alunos matriculados no ensino regular, somente 40,1% conta com acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), o qual, segundo definição da Secretaria de Educação Especial, “identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas”.
Por sua vez, apenas 46,7% das escolas de ensino médio conta com dependências adequadas às deficiências dos alunos e que levam em conta seus processos de aprendizado, como as salas de recursos multifuncionais, em que são realizados os atendimentos educacionais especializados.
Por fim, mesmo se tratando de itens mais básicos, como banheiros adaptados, mais de 37% das escolas ainda não os possuem. Em outras palavras: a inclusão de alunos com deficiência vem melhorando, mas ainda precisamos avançar muito, sobretudo do ponto de vista atitudinal, para que haja uma educação inclusiva de qualidade e com respeito às diferenças.
Levando em conta todos estes desafios, a tecnologia assume um papel crucial para o aumento da autonomia e evolução dos processos de aprendizagem de alunos com deficiência.
“O cenário de tecnologias assistivas voltado para a educação é muito promissor, tendo o potencial de ampliar o campo de atuação e estender as possibilidades de comunicação e atuação dos alunos portadores de deficiência”, explica Ana Cecília Oñativia, Diretora Pedagógica da Trilha Educação Especial, escola privada que baseia sua metodologia de ensino na estruturação da personalidade, no desenvolvimento cognitivo e no desenvolvimento da percepção de estudantes com deficiência.
Ana Cecília ressalta, entretanto, que, muitas vezes, os custos das chamadas tecnologias assistivas são um entrave para a implementação de ferramentas e soluções que fortaleçam a autonomia dos alunos. Superada a barreira dos custos, a recepção dos alunos para estes recursos é muito positiva.
“Os alunos estão sempre abertos às novidades e disponíveis para as mudanças, desde que sejam implementadas com cuidado e respeito”, acrescenta a diretora.
Apenas para contextualização, de acordo com definição do Comitê de Ajudas Técnicas de 2009, tecnologia assistiva é “uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
Adentrando no mercado de EdTechs nacional, temos startups que desenvolveram soluções específicas para o público com deficiência e, com isso, pretendem contribuir para a democratização do conhecimento dentre as pessoas com deficiência.
Uma delas é a Signa, plataforma online que oferece cursos livres a distância – sobretudo da área de informática – especificamente voltados para a comunidade surda do Brasil. Todos os cursos são disponibilizados com interpretação em libras e a plataforma dispõe ainda de curso de língua portuguesa para pessoas com deficiência auditiva.
“A tecnologia é fundamental e, muitas vezes, é o único meio de aprendizagem para a comunidade surda em muitos contextos. Quando pensamos em uma sala de aula tradicional que conta com um surdo, por exemplo, ainda é muito difícil que haja um intérprete de libras, algo que, naturalmente, afeta muito seu processo de aprendizado. Mesmo as que já contam com professores, intérpretes e recursos tecnológicos, fora da escola, o indivíduo acaba tendo de lidar com um mundo não-inclusivo. Neste sentido, se ele procura um curso de Excel ou de Photoshop, apenas para citar alguns, ele não encontra facilmente um conteúdo em libras com qualidade”, explica Leandro da Cunha, Cofundador da Signa.
Finalista do Next Billion EdTech, evento que ocorreu em Dubai no mês de abril, em 2016, a startup participou dos programas de aceleração SEED e Sinapse de Inovação e teve como principais desafios o baixo letramento digital dos surdos no Brasil, além da falta de informações mais consistentes sobre a comunidade de portadores de deficiência auditiva.
“A comunidade surda é extremamente carente no Brasil. Neste sentido, se pegarmos uma média, temos um grande contingente de deficientes auditivos com um grau de escolaridade muito baixo e, em diversos casos, a tecnologia ainda é uma novidade e um desafio para eles. Outra dificuldade que a gente enfrenta é ter mais números disponíveis, conhecer o mercado por meio de estudos mais consistentes. Para vencermos essas barreiras, temos trabalhado, justamente em prol da promoção do conhecimento junto aos deficientes auditivos”, conclui.
Ampliando o escopo desta discussão, Liliane Garcez, gerente de programas do Instituto Rodrigo Mendes e mestra em Educação pela Universidade de São Paulo, explica que, atualmente, não é possível pensar a escola e, consequentemente, a educação de alunos com e sem deficiência, desconsiderando os dispositivos tecnológicos que já fazem parte do nosso cotidiano.
“O que a gente acredita é que hoje, para a tecnologia ser uma parceira de fato dos processos educativos, temos de promover uma articulação horizontal entre cultura digital e educação. Nessa perspectiva, esse casamento é inovador, pois estamos constituindo uma relação equilibrada entre esses dois campos. O mais comum é vermos a tecnologia ditando as regras ao professor ou a pedagogia utilizando a tecnologia de maneira apartada do currículo. O que o Instituto Rodrigo Mendes quer induzir e apoiar com o desenvolvimento de seus projetos são diálogos mais horizontais entre essas áreas no sentido de mobilizar todos os elementos que possam enriquecer a experiência de ensinar para todos, investindo no desenvolvimento de estratégias metodológicas que consideram todos e cada um dos estudantes”, enfatiza Liliane.
Este ano, vale acrescentar, a ONG está atuando junto à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, mais precisamente na Diretoria Regional de Educação de Itaquera com o projeto Materiais Pedagógicos Acessíveis, que, em parceria com a Fundação Lemann, auxilia as educadoras e os educadores a planejarem o desenvolvimento de materiais multissensoriais.
“Os materiais pedagógicos acessíveis, construídos na perspectiva do desenho universal para a aprendizagem, ampliam as formas de comunicação e participação. Neste sentido, eu não preciso me perguntar qual o sentido ou movimento que você não tem ou não realiza; eu invisto meu conhecimento pedagógico na elaboração de materiais que consideram todos os sentidos humanos. Logo, a questão mobilizadora muda de “O que faço com meu aluno cego?” para “O que eu posso reorganizar em termos dos materiais pedagógicos que utilizo para que ele torne minha aula mais rica e inclusiva? Dessa forma, as educadoras e os educadores convidam todos os estudantes da turma ao saber.”
A gestora ainda acrescenta que esse movimento de inovação parte das próprias escolas, que escolhem situações desafiadoras, e se espalha pela cidade, uma vez que São Paulo conta com FAB LABs de livre utilização.
Nesses equipamentos, é possível utilizar ferramentas de robótica, impressoras 3D, dentre outra série de soluções tecnológicas, e desenvolver, por exemplo, materiais multissensoriais para a aprendizagem de alunos com e sem deficiência. Vale destacar que atualmente a cidade conta com 12 FAB LABs livres, abertos, inclusive, para a utilização de startups.
A DOMlexia oferece uma solução, voltada para crianças de 6 a 8 anos, que facilita a alfabetização e o processo de aprendizagem de estudantes com dislexia. Startup residente do LinkLab Acate, a edtech recebeu o prêmio de inovação na educação, no Congresso Internacional de Dislexia de Lisboa.
A Geraes é uma startup que, dentre outras soluções, desenvolveu um teclado que, por meio de uma combinação de comandos, facilita a comunicação e propicia o empoderamento de pessoas com deficiência. A Geraes foi acelerada pela SEED.
A BraiBook é a primeira plataforma que transforma qualquer livro digital em braille, permitindo o acesso de portadores de deficiência visual há milhões de conteúdos disponibilizados na web. Fundada na Espanha, a startup já venceu o prêmio Chivas de melhor projeto com impacto social.
Fundada nos EUA, a ExceptionALLY já conseguiu captar mais de US$ 120 mil e procura aconselhar os pais no processo de formação de crianças portadoras de deficiência, permitindo que eles tirem suas dúvidas e organizem informações para oferecer uma educação de qualidade.