Analisamos a utilização de startups e soluções de Rastreabilidade aplicadas nos processos de produção do mercado agropecuário
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Outra temática que tem sido importante na transformação de fazendas tradicionais para fazendas inteligentes é a rastreabilidade. Sendo a habilidade de identificar a origem dos produtos agropecuários e seus insumos com o objetivo de registrar a localização, qualidade e condições gerais que eles se encontram durante todos as etapas da cadeia, desde a escolha da semente mais adequada até o consumidor final, sua importância se dá, sobretudo, por facilitar a identificação de possíveis falhas e deformações no produto e melhorar as consequências e perdas de recalls.
Os recalls têm sido uma das maiores ameaças no setor. Isso, pois, de acordo com um estudo realizado pela Food Marketing Institute e a Grocery Manufacturers Association, publicado também pela Food Safety Magazine, além de danos de imagem e de vendas, o custo médio de um recall para uma empresa é de US$ 10 milhões. Além disso, uma pesquisa da Harris Interactive apontou que 55% dos entrevistados trocariam de marca por conta de um recall; 15% afirmaram que nunca mais comprariam da marca e 21% afirmaram que evitariam comprar qualquer marca de um fabricante cujo produto teve problema.
Em 2010 a U.S. Grocery Supplier confirmou tais informações. No ano seguinte de um recall de produtos envolvendo espinafre e pasta de amendoim, aproximadamente ¾ dos consumidores pararam de comprar tais mercadorias por conta de preocupação da qualidade e procedência. A RDC nº 24/2015 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é o documento que orienta as empresas sobre suas responsabilidades e práticas para a realização de recall de alimentos.
Um dos primeiros passos realizados pelas empresas que precisam fazer o recall é o Procedimento Operacional Padrão (POP). Segundo a RDC nº 24/2015, é preciso existir um procedimento que comprove as informações sobre a origem e o caminho percorrido pelo produto ao longo da cadeia. As principais causas para os recalls, segundo o 2º Simpósio de Gestão de Alérgenos Alimentares, realizado em Sydney, em 2017, são a falta de conhecimento, problemas com fornecedores, erro nas embalagens e contaminação cruzada acidental.
Para as empresas, a rastreabilidade dá o poder de diferenciação dos produtos. Para a indústria, torna-se essencial em uma questão de segurança alimentícia, podendo proteger a reputação e o market share delas. Para os consumidores, garante a origem dos produtos, de forma que passam a ter mais confiança deles.
Assim como aponta o relatório Innovation with a purpose: improving traceability in food value chains through technology innovations, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, os principais benefícios da rastreabilidade na cadeia alimentícia são:
Além disso, tornam a comunicação entre todos os atores mais transparente e agiliza o compartilhamento de informações.
Rastrear os produtos sempre foi algo recorrente no setor. Entretanto, por conta de processos manuais terem uma grande probabilidade de erros e perda de informações, novas tecnologias e modelos de negócio têm impulsionado essa prática por meio de sistemas integrados que mantêm o controle individual dos produtos.
A AgroTools, empresa brasileira, vem atuando também nessa oportunidade e de forma pioneira, por meio da inteligência geográfica. A empresa atua há mais de uma década com gerenciamento de riscos territoriais para grandes corporações do agro. Para se ter uma ideia, em 2017, a Serasa Experian, o maior bureau de crédito da América Latina, passou a distribuir um dos produtos da AgroTools, o TerraSafe, que tem como principal objetivo a garantia de que os consumidores saibam a origem dos produtos.
A tecnologia, que é própria da AgroTools, é uma plataforma de inteligência geográfica totalmente desenhada para o agronegócio, que entende as particularidades ambientais, fundiárias e produtivas. Lucas Tuffi, Diretor Comercial e de Marketing na AgroTools, destaca que a principal dor do mercado atualmente é a assimetria de percepções de riscos e oportunidades entre o mundo corporativo e o grupo rural. “Nossas soluções digitais entregam uma redução dessa assimetria. A dor dessas empresas é enxergar de forma muito mais real o risco que correm nas operações, assim como as oportunidades”, afirma.
Entretanto, ele acredita que o entendimento sobre as tecnologias tem crescido, o que impacta diretamente no aumento de implementações tecnológicas no setor.
“Além dos clientes terem tido uma maturidade maior, por estarem surgindo novas empresas e a digitalização estar na agenda de todos, a tecnologia e a evolução tecnológica nos beneficiaram muito, tanto do lado da tecnologia quanto clientes que passaram a ver a importância disso”, diz Tuffi.
Hoje, possuindo 15% das maiores empresas do setor como clientes, a AgroTools atua em todos os atores, como bancos, seguradoras, resseguradoras, indústria de insumos, a cadeia de indústria e a cadeia indireta, como varejistas e grandes marcas.
A Mãe Terra, marca pertencente à Unilever, é um exemplo de corporação que já identificou oportunidades tecnológicas em seus processos e já vem fazendo o plantio planejado junto aos produtores, entendendo a demanda de volume de produção. A empresa os orienta fornecendo informações técnicas sobre o melhor tipo de semente e solo para cada cultura e a melhor época de plantio, por exemplo.
Ao mesmo tempo, Ulisses Bocchi, Coordenador de Suprimentos da Mãe Terra, acredita que há uma oportunidade para dar um passo a mais, por meio da implementação de tecnologias para controlar os produtos. “A rastreabilidade permite um controle maior de garantias. Pode ser passada adiante para os nossos consumidores, para certificação orgânica, e pode certificar melhor a origem do produto. Por um lado garantimos a transparência e, por outro, nos ajuda a pensar em contramedidas para uma quebra de safra”, diz.
Segundo ele, as tecnologias permitem que eles estejam mais próximos dos processos, obtendo informações mais precisas sobre saúde nutricional das plantas, identificação prévia de problemas fitossanitários, além avaliar todas as variáveis de temperatura, umidade e quantidade de nutrientes no solo.
Por entender esses benefícios, grandes corporações já estão unindo o conceito de rastreabilidade com tecnologias. O GPA, um dos maiores grupos varejistas brasileiros, tem desenvolvido um manejo intensivo de produção de bovinos com alta tecnologia no Programa de Produção de Carne Rubia Gallega.
A companhia controla todo o processo de produção das carnes, desde a distribuição do material genético e inseminação até a distribuição do produto em aproximadamente 800 pontos de venda do grupo pelo Brasil, nas bandeiras Extra e Pão de Açúcar.
Com isso, toda carne comercializada consegue ser rastreada, levando ao consumidor a certeza da origem e controle de qualidade. Outro elo envolvido são as empresas frigoríficas possuidoras de Serviço de Inspeção Federal, contratadas para o carregamento, transporte, abate e desossa dos animais, sendo este trabalho feito separadamente dos demais animais já produzidos por elas. Segundo André Artin, Gerente Comercial do GPA, o uso de tecnologia é a base do programa.
“Nosso objetivo é buscar a produtividade no campo e a rentabilidade do produto final. O uso de uma genética de raça garante maior produção de carne por hectare e um consequente aumento de produtividade na fazenda”, afirma Artin.
Artin também conta que também tem usado tecnologias de embalagens em Atmosfera Protetora com o objetivo de facilitar o prolongamento da vida útil do produto e sua distribuição pelo diversos pontos de venda da companhia. O projeto começou com a participação de oito fazendas e hoje conta com aproximadamente vinte pecuaristas distribuídos nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso.
A BRF é outra empresa atuante no setor que também tem envolvido tecnologias em seus processos. Tem iniciativas de desenvolvimento de IoT (sensores, leitura de dados, inteligência artificial, inteligência cognitiva e preditiva), aplicativos para gerenciamento dos processos para o time de campo, assistência remota para as fazendas, realidade virtual (tanto para assistência remota como para capacitação dos profissionais e integrados), recursos para identificação de doenças nos animais conforme o comportamento, identificação e predição do momento provável do parto para as leitoas, softwares de logística para malha agropecuária, entre muitos outros.
Segundo Sérgio Pinto, Gerente Executivo de Inovação, e Ana Serafim, Gerente Executiva de Gestão Agropecuária, da BRF, além de focar em inovação de produtos e comunicação, coerentes com o consumidor, a empresa tem dedicado esforços para a indústria 4.0, nanotecnologia, rastreabilidade, processos mais enxutos e ágeis. Um dos principais desafios que a BRF enfrenta, de acordo com eles, é justamente atender à demanda dos consumidores sobre a origem dos produtos.
“Nosso maior desafio é responder qual o impacto de todo esse processo a longo prazo, como sermos mais eficientes, ágeis e como fazê-lo mantendo a companhia como uma multinacional competitiva nos mercados em que atua”, afirmam.
Pinto e Serafim acreditam que a principal maneira de acompanharem as mudanças e estarem a par dessa necessidade dos consumidores é por meio de cocriações e parcerias com startups.
“As mudanças tecnológicas estão nos ajudando a manter este formato e construir projetos pilotos, que são absorvidos gradualmente conforme avançamos”, dizem Pinto e Serafim.
A empresa possui um programa de inovação aberta, o brfHUB, que atua ativamente na indústria 4.0 no desenvolvimento de soluções conjuntas, assim como contratações de soluções já pré-moldadas. De acordo com eles, o programa foi expandido e lançado na OI Week em fevereiro, com o objetivo de engajar com novas tecnologias em estágios de validação e aquelas em ganho de escala, desde startups até grandes instituições científicas.
Startups têm sido protagonistas no desenvolvimento de soluções tecnológicas que envolvem o conceito de rastreabilidade. A FoodLogicIQ é um exemplo. Fundada em 2006, na Carolina do Norte, a startup desenvolveu um software capaz de dar visibilidade em tempo real sobre a cadeia de suprimentos e os processos aos quais os produtos são submetidos.
Segundo a CMO da startup, Katy Jones, a rastreabilidade tecnológica permite responder inúmeras questões, tais como: “de onde o produto veio?”, “quem produziu?”, “quando foi feito?” e “quais foram os custos ambientais e sociais envolvidos?”. A FoodLogicIQ já participou de quatro rodadas de investimento, nas quais captou, no total, US$ 31, 8 milhões, tendo como clientes a Tyson, Whole Foods, Subway, Chipotle e Five Guys.
Entre o meio da cadeia de Agro e os consumidores está uma etapa muito importante, que é a distribuição dos produtos para a agroindústria, responsável por processar e repassar os produtos aos consumidores. Inclusive, nesse processo, é possível implementar tecnologias de rastreamento.
A PackID, startup fundada em 2016, em Chapecó, tem justamente essa missão. Atuando principalmente na prevenção de perdas de produtos e custos excessivos que estejam relacionados ao monitoramento de temperatura e umidade, possuem uma solução IoT, possibilitando que sensores captem a informação da temperatura e enviem os dados para a nuvem, gerando, além do gráfico de temperatura e/ou umidade em tempo real, informações inteligentes e alertas que servem para uma gestão eficaz do negócio e ações preventivas.
A startup foca na cadeia de distribuição de alimentos, desde a indústria, a transportadora, os centros de distribuição e também os pontos de venda final, como supermercados. Um dos principais clientes da PackID é a Minerva Foods, para a qual realizaram o monitoramento em uma unidade em São Paulo, e já estão presentes em quatro cidades, atuando tanto no transporte, quanto nos centros de distribuição.
Outro caso interessante refere-se à empresa Los Paleteros, na qual monitoram desde as câmaras dentro da indústria, até centros de distribuição, o transporte e atualmente também realizam o monitoramento em tinas de maturação, cobrindo a cadeia completa. Caroline Dallacorte, CEO da PackID, acredita que as tecnologias são essenciais para melhorar os processos e as condições de trabalho, aumentando produtividade, reduzindo custos, facilitando atividades.
“É de suma importância que as empresas avaliem a tecnologia como um investimento. É preciso deixar a resistência tecnológica de lado e entender os benefícios que as tecnologias proporcionam”, diz.
A Checkplant é uma startup de Pelotas que possui um sistema de rastreabilidade, no qual os produtores podem ter controle por meio de registros instantâneos e identificação dos lotes de produção, integrando avaliações de qualidade, movimentações logísticas e estoques.
A DataMatte faz o monitoramento dos produtos da cadeia produtiva do setor, registrando e acompanhando todas as etapas. Além de rastreabilidade, também trabalha com mapeamento, gerenciamento e controle das propriedades cadastradas.
A SafeTraces, fundada em 2013 na Califórnia, disponibiliza soluções de rastreabilidade de commodities. Por meio de códigos de barras invisível e comestível, permite que os usuários saibam a origem e caminhos percorridos pelo produto. Já levantou US$ 18 milhões em investimentos.
A Ecogistix foi fundada em 2017 com o objetivo de facilitar a rastreabilidade dentro da cadeia alimentícia. Integrando com tecnologias, como blockchain, a startup também permite que os produtores façam a gestão dos estoques, do pedido e do transporte de forma remota.