Como as startups estão contribuindo para o fortalecimento da malha de última milha e transformando a logística nas grandes cidades
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Quando pensamos em mobilidade urbana, logística nas grandes cidades e, mais especificamente, na camada última milha, que envolve a última etapa de um processo de entrega, em que a mercadoria parte do centro de distribuição para o destino final, é importante termos em mente que esta cadeia contém desafios e oportunidades próprias e singulares, quando comparada com uma cadeia de distribuição mais tradicional – de longas distâncias e grandes volumes.
É o que explica Joseph Henry, diretor de Supply Chain B2C da Leroy Merlin.
“Falando de Supply Chain, precisamos entender que há duas cadeias diferentes presentes no mercado atual: a cadeia mais tradicional, B2B; e a Supply Chain B2C, que é uma nova forma de abordar a cadeia logística, atendendo diretamente o cliente final. Cada uma delas, por sua vez, tem peculiaridades próprias. Do lado B2C, na minha visão, mais que desafios, temos oportunidades. O importante é pensarmos na estrutura da última milha brasileira, em desenvolvimento de malha B2C e em que como satisfazer as demandas do consumidor em relação às entregas”.
Dentro deste contexto, e levando em conta de que já nos aprofundamos em uma discussão mais macro sobre a ‘cadeia tradicional de logística’ e seus desafios de infraestrutura, o objetivo desta seção do estudo é abordar, com mais detalhes, a organização do last mile brasileiro, os obstáculos que precisam ser superados para o seu desenvolvimento e as oportunidades de inovação tecnológica que surgem para as Logtechs brasileiras na última milha.
De início, é importante apontar que estamos falando de um segmento complexo, com um grau ainda alto de ineficiência e responsável por 53% dos custos na gestão de entregas.
É o que aponta, por exemplo, um estudo produzido recentemente pela área de inteligência do portal Business Insider. Mas quais são os fatores que geram tamanha complexidade no âmbito do last mile?
Pensando, principalmente, nos grandes centros urbanos, o primeiro ponto que precisa ser citado é a questão do trânsito, o qual tem um peso considerável na equação de custos das empresas, bem como, no desafio de trazer mais eficiência e velocidade para as entregas.
Para termos uma ideia, segundo um cálculo divulgado pela Globo News, o trânsito brasileiro gera perdas de R$ 267 bilhões por ano, cerca de 4% de todo o PIB Nacional.
Por sua vez, segundo pesquisa de uma empresa de tecnologia que desenvolve softwares de navegação, anualmente, 200 milhões de litros de álcool e gasolina, e 4 milhões de litros de diesel são desperdiçados no país em virtude dos engarrafamentos nas cidades.
Além destes pontos, as políticas de restrição para a circulação de caminhões nas cidades – que tem como objetivo melhorar a mobilidade nas zonas urbanas – acabam gerando impactos nos fretes e podem representar até 20% de custos adicionais no valor final das entregas.
Quando somamos estes fatores com as grandes distâncias que precisam ser percorridas em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, temos um cenário que precisa ser tratado de modo estratégico pelas empresas, para que os custos das entregas não minimizem, consideravelmente, seu potencial comercial ou gere impactos negativos na satisfação do consumidor.
É o que explica Cesar Augusto dos Santos, cofundador da Levoo, Logtech de São Paulo que desenvolveu uma plataforma para entregas na última milha, na qual empresas podem se conectar a motoboys e realizar a distribuição de produtos e encomendas para o consumidor final.
“Falando de mobilidade urbana, acredito que o maior problema que a gente enfrenta, falando principalmente dos maiores centros urbanos, é o deslocamento entre a origem e a entrega, sobretudo considerando que cidades como São Paulo e Rio de Janeiro concentram seus centros de distribuição fora das capitais. Então, há todo um desafio de deslocamento, somado a um desafio legislativo que muitas vezes dificulta a gestão logística para muitas empresas”, comenta Santos.
Sobre a questão dos custos apontada pelo cofundador da Levoo, é válido apontar que mais de 82% dos consumidores do país já abandonaram uma compra no e-commerce devido aos valores do frete, segundo o E-Commerce Trends 2018, pesquisa divulgada pela Rock Content no ano passado.
Em outro estudo, agora do Reclame Aqui, o custo do frete é um fator mais preponderante para o abandono de uma compra do que o prazo de entrega ou as formas de pagamento disponibilizadas por um comércio virtual.
Para superar esta questão, tem avançado no mercado a estratégia de implantação de CDs, mini-CDs e dos chamados “fulfillment centers” pelas grandes cidades.
Um fulfillment center pode ser definido como um centro inteligente de distribuição que coordena e automatiza, de modo integrado, toda a gestão logística de uma empresa tendo em vista o atendimento das necessidades do cliente.
Segundo o CB Insights, há uma forte tendência atual, sobretudo no varejo, da implantação de micro-fulfillment centers – que podem ser terceirizados ou de propriedade de uma companhia –, capazes de automatizar todo o processo de distribuição e reduzir custos, graças a suas estruturas enxutas que permitem a distribuição de vários destes centros nas grandes cidades.
A estratégia vem sendo utilizada no Brasil por grandes varejistas como a Leroy Merlin, conforme explica Joseph Henry.
“O posicionamento da Leroy Merlin sempre foi omnichannel. Ou seja, oferecer uma experiência seamless para o cliente em sua jornada de compra, dentro de todos os nossos canais. Para atendermos a este desafio dentro do contexto atual do mercado, adotamos uma estratégia de transformação das nossas lojas, que passarão todas, a serem, “micro-fulfillment centers”, ou seja, não abrimos um CD tradicional B2C, mas sim, utilizaremos o estoque já existente nas lojas para atender o cliente digital. Isso requer desenvolvimento da malha B2C, da última milha, de planejamento estratégico para gerirmos diferentes pontos de saída para atender os consumidores”, conclui o diretor de Supply Chain B2C da Leroy Merlin.
Para o sucesso deste modelo de distribuição, há também a necessidade de forte alinhamento entre cada elo presente na cadeia de supply chain. É o que aponta o cofundador da Levoo, Cesar Augusto dos Santos.
“Temos um alinhamento muito estreito com os clientes, buscando entender sua estrutura logística interna para definir como resolver seu problema – muitas vezes o problema de entrega dele está relacionado com a gestão da equipe interna ou com a operação logística em si, o pick and pack. Neste sentido, alinhamos muito bem os horários, informando, por exemplo, que temos de coletar até 08h30 da manhã para poder despachar o produto até às 10h00 e assim ter sucesso nas entregas”, explica Santos.
Além disso, para que a gestão de entregas no âmbito do last mile supere os desafios relacionados ao congestionamento nas grandes cidades e a otimização do lead-time, os roteirizadores, ancorados no uso de dados, assumem um papel central.
Segundo o estudo Big Data in Logistics, divulgado pela DHL, por exemplo, os dados podem dar o poder de previsibilidade para as empresas, para que elas consigam se planejar e otimizar as rotas.
Por sua vez, os investimentos nos softwares de otimização de rotas chegaram, globalmente, a US$ 2,5 bilhões no ano de 2017, podendo dobrar seu valor de mercado até 2023, segundo estimativa divulgada pela MarketWatch.
A SimpliRoute, startup chilena fundada em 2015, pretende unir o potencial dos roteirizadores com um modelo de gestão logística inteligente para aumentar o potencial de entregas.
“Não nos consideramos somente um roteirizador, mas sim, uma plataforma de inteligência logística que gera valor para as empresas. E como fazemos isso? Através da combinação de machine learning, inteligência artificial e dados, que fazem parte de nossa infraestrutura tecnológica. Nós geramos rotas inteligentes, que permitem que o motorista possa seguir um trajeto que faça com o que cliente receba o produto dentro de sua promessa de entrega, por meio de uma predição do tráfego e do que vai ocorrendo nas estradas, em tempo real”, explica Alvaro Echeverria, fundador e CEO da SimpliRoute, Logtech que, além do Chile e do Brasil, atua no México e também no Peru, contando com mais de 210 clientes, incluindo a Unilever, principal cliente da startup em território nacional.
Para Echeverria, um dos principais desafios para a difusão de uma mentalidade mais inovadora nas empresas envolve uma mudança de mentalidade em relação a logística, que deve ser tratada não como um custo, mas como um investimento fundamental para a satisfação do consumidor.
“Equacionar a redução de custos com a satisfação do cliente faz com que uma operação logística se torne algo extremamente complexa e, ao mesmo tempo, determinante para as empresas. Com o desenvolvimento do mercado e o surgimento de empresas como Amazon e Mercado Livre, a logística hoje é vista como uma vantagem competitiva que precisa ser encarada de modo estratégico”, conclui o CEO da SimpliRoute.
Dentro deste contexto de transformação cultural do mercado, a Liftit, Logtech colombiana especializada no last mile de entregas maiores, têm investido na profissionalização de motoristas, por meio de cursos focados em novas tecnologias e inovação. É o que explica Felipe Betancourt, cofundador da startup.
“A distribuição last mile nas grandes cidades é um desafio imenso. E como você faz para construir processos mais inteligentes e eficientes dentro deste contexto? Só por meio da aplicação de tecnologia; mas, além disso, é preciso trabalhar para a transformação digital e da mentalidade dos embarcadores de carga, que ainda encontram dificuldades para atuar com empresas mais inovadoras. Para transformar este quadro, nós oferecemos treinamentos, uma verdadeira imersão do motorista em novas tecnologias, e a ideia é também os ajudar a melhorar suas condições de vida, com mais entregas e mais cargas para transportar, para assim poder fidelizar os motoristas em nossa base”, comenta Betancourt.
Com expectativa de faturamento mensal de US$ 1 milhão, só no Brasil, a startup recebeu aporte do Mercado Livre e conta com uma infraestrutura tecnológica que combina diferentes soluções para atender as demandas logísticas dos países em que atua.
“Nós contamos com um OMS (sistema para gerenciamento de ordens de serviço – Order Management System), um TMS (sistema para gerenciamento de transporte – Transportation Management System) acoplado e, uma vez que captamos as informações da entrega, nossa plataforma vai, além de roteirizar, monitorar em tempo real a localização das cargas. Disponibilizamos, então, essa carga para um lifter (carregador) de nossa plataforma e, assim que ele a aceita, eu tenho todo o tracking dessa entrega que pode ser acompanhada em tempo real. O cliente, em contrapartida, recebe uma notificação, por SMS ou e-mail, da previsibilidade da entrega”, encerra Alexandre Avezum, gerente executivo de vendas da Liftit.
A HandOver desenvolveu uma plataforma para o aluguel de guarda-volumes, focada em melhorar as experiências de consumo e oferecendo autonomia para os usuários. A startup de São Paulo está sendo acelerada pela ProVa.
A proposta NewPost consiste em implementar um sistema de envios e entregas, tendo como pontos de retirada lockers inteligentes. Fundada em 2018, a startup possui parceria com grandes empresas como Leroy Merlin, Best Center e Cobasi.
A Arone é uma startup nigeriana fundada em 2018 que utiliza drones para realizar entregas rápidas e sustentáveis de remédios e suprimentos médicos e laboratoriais no território africano. Já recebeu US$ 100 mil em investimentos.
A Darkstore é uma startup que oferece fulfillment centers especializados em entregas rápidas (mesma hora ou mesmo dia). Fundada nos Estados Unidos, em 2017, a startup já recebeu US$ 30,2 milhões em investimentos.