Especialistas debatem a maturidade da manutenção preditiva na construção, os desafios de implementação e os retornos obtidos com o método
Home > Insights > Artigos > Manutenção preditiva: o caminho para um setor mais eficiente e inteligente
por Luiza Vieira,
Quebrou, consertou. Essa era a realidade de muitas empresas em um passado não tão distante. Com o aprimoramento e o desenvolvimento da IoT, inteligência artificial, Big Data e Analytics, o processo de manutenção se posicionou dois passos à frente: agora, o problema é detectado com antecedência por meio de acompanhamentos periódicos, prevenindo danos, paradas desnecessárias e falhas nos processos.
Apesar de não ser novidade, a manutenção preditiva vem ganhando cada vez mais espaço em diferentes setores. De acordo com o relatório divulgado pela Markets and Markets, a estimativa é que o mercado global de manutenção inteligente cresça de US$ 4,0 bilhões em 2020 para US$ 12,3 bilhões em 2025, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 25,2% durante o período. A consultoria atribui o boom ao uso de tecnologias emergentes para obter insights valiosos e a necessidade de reduzir o tempo de inatividade e os custos com manutenção.
Além de aumentar a eficiência e diminuir gastos, a inteligência obtida com a combinação entre tecnologia e manutenção preditiva abre uma série de possibilidades ao longo da cadeia de um setor tradicional como o da construção civil. Entretanto, a falta de investimento, a dificuldade em enxergar valor e a escassez de profissionais altamente qualificados para lidar com sistemas de softwares sofisticados impõem desafios para a implantação e implementação de um modelo de negócio compatível com a indústria e com a sociedade em que vivemos.
Ao longo deste painel, iremos abordar de que forma o setor da construção civil e o mercado imobiliário brasileiro podem se beneficiar do uso da manutenção inteligente, os principais obstáculos a serem enfrentados e o caminho a ser percorrido.
Vivianne Valente, diretora financeira e de tecnologia do Grupo Tigre, acredita que a busca por eficiência e o anseio do profissional de manutenção em atuar de forma mais estratégica e inteligente são os principais motivadores para o uso de tecnologias e dados no planejamento de manutenção na indústria 4.0. “Nós na Tigre entendemos que a manutenção é um dos principais motivadores para avançar na indústria 4.0, um conceito que engloba as principais inovações dos campos de automação, controle e tecnologia da informação aplicadas aos processos de manufatura, a fim de ganhar maior velocidade e produtividade, reduzir custos e, principalmente, agregar valor”, diz Valente. “Além da manutenção, existem oportunidades na calibração dos setups de forma a otimizar mão de obra e reduzir desperdício de matéria prima.”
Já Pedro Salum, CEO da LoopKey, startup especializada no desenvolvimento de fechaduras inteligentes e gestão de acesso físico para o mercado corporativo e hoteleiro, aponta a maior oferta de soluções no mercado como um fator importante para essa adoção. O executivo ressalta que, antigamente, as empresas não tinham tecnologia suficiente para capturar uma grande quantidade de dados, processá-los e obter outputs do que precisava ou não ser consertado.
Atualmente, a junção entre custo e tecnologia possibilita um entendimento maior sobre processos de produção, vida útil de ativos e monitoramento por meio da manutenção preditiva. “Apesar de ainda não ser barato no Brasil, hoje é mais acessível implantar sensores e outros dispositivos e justificar no bottom line de custos. Além disso, agora nós temos tecnologia, poder computacional e algoritmos que ajudam na tomada de decisão”, afirma o empreendedor.
Gabriel Francisconi Pavão, gerente geral da Fracttal no Brasil, enxerga que o maior desafio para implantar e implementar a manutenção inteligente “é o movimento das empresas em migrar para uma estrutura 100% na nuvem, reconhecendo os benefícios de processamento, da descentralização da infraestrutura de TI on-premise, da virtualização, do monitoramento IoT e principalmente dos resultados que a aplicação de sistemas preditivos trazem ao negócio”.
Além disso, o especialista destaca a importância de traduzir os resultados obtidos de maneira simples e objetiva para os tomadores de decisão a fim de demonstrar os benefícios que a adoção da manutenção preditiva podem trazer para a empresa.
Somado à necessidade de transformar a cultura organizacional das empresas, o gerenciamento das manutenções é um dos grandes desafios enfrentados pelo setor, segundo Ruy Leite, CEO da SafeB, startup que realiza a gestão da manutenção de edificações. “A falta de conhecimento técnico de gestores atualmente contribui para que manutenções sejam esquecidas, o que gera graves acidentes”, diz. Neste contexto, Leite ressalta a importância da manutenção preditiva para reduzir custos, otimizar processos e evitar acidentes, o que justifica a sua forte presença no movimento ESG atual.
Na visão de Vivianne Valente, diretora financeira e de tecnologia do Grupo Tigre, o principal ganho com o uso da manutenção inteligente é o retorno financeiro, visto que as preditivas custam menos do que as corretivas, uma vez que o planejamento dos recursos proporciona melhor negociação de peças. Entretanto, os benefícios não se limitam apenas à redução de custos. “Os retornos são enormes e contínuos. Além dos ganhos financeiros obtidos pelo menor custo de manutenção, a manutenção inteligente proporciona menos parada e maior capacidade de produção. Fora isso, temos um benefício indireto sobre a motivação do nosso time e melhor uso da competência e do tempo em atividades mais nobres e estratégicas”, afirma.
Arthur Sequeira Aikawa, cofundador da omni-eletronica, startup incubada pelo Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia da Universidade de São Paulo (Cietec-USP) e que faz a gestão de infraestruturas prediais por meio de sensoriamento inteligente e dados em tempo real, explica que o payback obtido com o uso da manutenção preditiva varia muito conforme o caso. “Em casos de ação-reação, como o monitoramento de monóxido de carbono em subsolos e o acionamento de exaustão, o retorno é mais fácil de ser mensurado. Existe um limiar de 39 ppm de CO para esses ambientes que deve ser respeitado, e uma energia necessária para ligar a exaustão. Com o uso de sensores, é possível ligar a exaustão apenas quando o subsolo atinge concentrações elevadas do gás, evitando um desperdício gigantesco de energia. Nesses casos, o payback acontece entre oito e dez meses”
De acordo com Ruy Leite, da SafeB, outro ganho obtido com a manutenção preditiva é a possibilidade de “acompanhar dados a distância em tempo real, o que, em outro momento, não era possível, sendo necessário estar presente ou visualizar o local.” Com isso, Leite acredita que a otimização do tempo é um dos maiores atrativos, além da facilidade de ter um sistema que trabalhe para você todas as horas do dia e gere rastreabilidade.
A tecnologia predial não se refere apenas à manutenção em si, mas a um olhar ampliado e interdisciplinar sobre a condição e funcionamento de edifícios, além da interação entre os ocupantes e o ambiente, conforme sugere Arthur Sequeira Aikawa, da omni-eletronica.
“Nós acabamos fazendo isso de uma forma mais pragmática, digitalizando todos os ambientes do edifício e disponibilizando QR codes. Ao entrar em um estabelecimento que opera por meio do sistema AmiHub, a pessoa consegue interagir com a Ami, nossa assistente virtual”, explica Aikawa. “É como se ela fosse a responsável pelo prédio, só que ela faz esse rateamento de informação de uma forma automática. Então, a partir desse momento que digitalizamos o edifício, digitalizamos também os seus recursos e eles ficam acessíveis de uma forma mais fácil aos seus ocupantes, seja para requisitar folhas de papel, seja para informar que uma cadeira está quebrada, seja para renovar o ar de uma sala antes de uma dinâmica de grupo. Dessa forma, nós retiramos as barreiras dos espaços que as pessoas ocupam no dia a dia.”
Pedro Salum, CEO da LoopKey, nota que o Brasil ainda está engatinhando no contexto de manutenção preditiva quando olhamos para nações como França, Alemanha, Holanda e Suíça. “Esses países, que são naturalmente mais tecnológicos, já estão utilizando tecnologias de manutenção preditiva há algum tempo. Nas Américas, o único país que está mais avançado é os Estados Unidos. Eles têm lançado muita coisa inclusive para o mercado residencial e smart buildings, porque a sensorização lá é muito barata; o serviço é caro e o material é barato, o que justifica fazer esse tipo de coisa”, diz. “Trocar uma tubulação após um vazamento vai custar mais do que colocar um sensor e saber o que está acontecendo antes de romper. O problema do Brasil é que a nossa mão de obra ainda é muito barata e pouco qualificada e o produto sensorizado ou sensores são muito caros, pois infelizmente grande parte ainda é importado”, afirma Salum.
Analisando o mercado nacional, o gerente geral da Fracttal no Brasil, Gabriel Francisconi Pavão, aponta que, apesar de ainda ser um movimento concentrado nos grandes players, a manutenção inteligente vem ganhando cada vez mais espaço. “É um movimento muito iniciante, mas com cases bem concretos em grandes empresas que necessitam ter uma análise mais profunda de TCO [Total Cost of Ownership], que é o preço de compra de um ativo mais o seu custo de operação para que possa ser avaliado o custo total da propriedade. Entretanto, nestes últimos tempos, estamos vendo a adoção de empresas de médio e pequeno porte, que estão entendendo a real importância de realizar a manutenção preditiva baseada em monitoramento por condição e aplicação de dispositivos IoT”, explica Pavão.
Vivianne Valente, diretora financeira e de tecnologia do Grupo Tigre, afirma que existe um “oceano azul” para o ecossistema de startups no Brasil. “O setor de construção civil tem sido historicamente menos afetado pela inovação. Os anos de retração no segmento, além de uma mão de obra abundante, tem postergado as rupturas, com o aquecimento no mercado pós-pandemia e a manutenção de déficits habitacionais e de infraestrutura deve-se esperar um boom de demanda sobre mão de obra e materiais”, diz. “Assim, o ecossistema de startups brasileiro tem uma oportunidade enorme em se dedicar a um segmento com muita carência e oportunidade, diferentemente de setores onde já tivemos muitos avanços, como bancos e fintechs”, explica Valente.
Gabriel Francisconi Pavão, gerente geral da Fracttal no Brasil, compartilha da opinião e aponta os possíveis caminhos para quem deseja adentrar no mercado de construtechs e proptechs. “Nós entendemos que existe um potencial enorme para novas startups que queiram investir em modelos preditivos, em tecnologia de comunicação, em novos hardwares mais simples e econômicos, e em soluções mobiles, principalmente com foco na manutenção autônoma”, afirma o executivo. “Acreditamos também em um futuro de conectividade ampla entre soluções e empresas para a formação de um grande big data de consulta livre, que possa auxiliar todo mercado a obter referenciais integrados a fornecedores, contribuindo com um mundo mais sustentável e seguro.
Com base na visão de nossos especialistas, é possível observar que, apesar dos inúmeros ganhos que a manutenção preditiva proporciona para o setor de construção civil e o mercado imobiliário – redução de custos e acidentes, aumento na eficiência e na eficácia, agregação de valor, ocupação de ambientes, motivação e performance de colaboradores, e uso de dados para tomada de decisões mais inteligentes -, o movimento ainda é incipiente, e acontece de maneira esparsa ao longo da cadeia. Neste contexto, a agilidade e soluções tecnológicas fornecidas pelas startups podem ser um dos principais meios para alavancar a manutenção inteligente no Brasil.