Confira uma análise sobre as oportunidades e novos modelos de negócio que estão surgindo no campo das energias renováveis
por
A expansão das discussões sobre sustentabilidade, consumo responsável e preservação do meio ambiente é um fato que extrapola mercados, bem como, a própria busca pelo uso de energias renováveis.
Segundo estudo da Challenge Advisory, 62% dos executivos considera essencial uma estratégia de sustentabilidade. Este movimento, por sua vez, se ancora em uma mudança de perspectiva do consumidor. Segundo dados divulgados pela FIESP, por exemplo, 87% dos consumidores brasileiros preferem comprar de empresas sustentáveis.
Analisando o mercado de energias renováveis como um todo, tivemos investimentos na casa de US$ 217 bilhões em 2019, de acordo com a Capgemini. Segundo a Agência Internacional de Energia, em relatório lançado ano passado, as fontes renováveis já respondem por mais de 25% da produção global de energia.
Conforme aponta o relatório, a energia solar fotovoltaica, a energia hidrelétrica e a energia eólica são, respectivamente, as fontes renováveis que mais crescem no mundo, seguida pela bioenergia, gerada a partir de materiais orgânicos.
Para Gabriel Mann, diretor de comercialização da ENGIE Brasil Energia, este movimento responde a uma necessidade de reorientação da sociedade para uma economia mais sustentável e de baixo carbono.
“O caminho do desenvolvimento sustentável requer que a sociedade como um todo oriente suas atividades para uma economia de baixo carbono. Isso inclui uma mudança na matriz energética, sendo feito a substituição de combustíveis fósseis por renováveis, mas também uma mudança de hábitos dos indivíduos, bem como de modelos de negócios. Esse processo de descarbonização apresenta desafios complexos, porém, ainda sim, a transição energética se mostra acelerada, especialmente orientada pelo mercado consumidor, cada vez mais consciente do impacto ambiental e climático de fontes não renováveis”, reflete Mann.
Por sua vez, Benjamin Gerber, diretor executivo da Midwest Renewable Energy Tracking System (M-RETS) – companhia americana sem fins lucrativos que desenvolveu um sistema para o rastreamento de energia renovável e lidera este mercado na América do Norte – aponta que, mesmo diante do momento de incerteza do mercado, não haverá um retrocesso significativo no uso de energias renováveis.
“A importância dada para as energias renováveis tem crescido muito sob um ponto vista global. Muitas companhias se comprometeram neste sentido, quando a economia seguia em bom ritmo, mas, mesmo com o momento atual, não acredito que as organizações irão retroceder quanto ao uso de energias renováveis. Em muitos casos, há contratos longos que asseguram o uso de energia solar e eólica. Deste modo, acredito que continuaremos a ver um crescimento no uso de energias renováveis – esse crescimento pode ser em ritmo um pouco mais lento ao longo dos próximos dois anos, mas eu não vejo um movimento relevante de retração”, explica Gerber.
De fato, grandes companhias das mais diversas indústrias – de bancos a indústria automobilística – estabeleceram compromissos no sentido de ampliarem o uso de fontes renováveis em suas operações.
Tal movimento é encabeçado, globalmente, pelo RE100, iniciativa que reúne algumas das empresas mais influentes em todo o mundo, as quais têm comprometimento com as metas de utilização de 100% de energia renovável.
O RE100 conta com multinacionais e gigantes de diferentes indústrias, como: Ab InBev, Apple, Bank of America, Barclays, Chanel, Coca-Cola, Danone, Facebook, Google, HP, Johnson & Johnson, Microsoft, Nike, Sony, Unilever, dentre outras.
Mas não são apenas com grandes companhias que as fontes de energia limpa encontram mercado. A evolução de uma mentalidade mais sustentável na sociedade faz com o que o campo de possibilidades das energias renováveis seja mais amplo.
Fernando Giachini Lopes, sócio-diretor do Instituto Totum (Emissor Local do Brasil acreditado pelo IREC Standard) comenta esta mudança de paradigma de caráter global.
“Atualmente, vivemos um movimento no mundo, em que, por um lado, temos uma pressão socioambiental para o fim dos impactos dos combustíveis fósseis e que tem levado ao incremento das renováveis. Ao mesmo tempo, as energias renováveis deixam, gradativamente, de ter necessidade de subsídio para que possam ser implementadas com o mesmo nível de competitividade que as fósseis. Ou seja: estamos vivendo uma mudança de paradigma, no qual as energias renováveis se tornam economicamente viáveis. Aqui no Brasil, ainda temos subsídios nas tarifas de transmissão e distribuição para energia incentivada, mas a tendência é que eles sejam eliminados muito rapidamente”, analisa Lopes.
Esta mudança de paradigma, por sua vez, abre espaço para negócios focados nos consumidores residenciais e em diferentes perfis de empresa. A Enercred, por exemplo, é uma startup mineira que oferece créditos de energia limpa com desconto para clientes residenciais e negócios.
“Na prática o cliente aluga um percentual de uma usina renovável remotamente e recebe descontos na conta de luz maiores que o valor pago pelo aluguel, de forma que ele tenha economia real, todos os meses, utilizando energia limpa. Não há necessidade de nenhum investimento inicial e nenhuma obra em casa. Todos os canais de contato com o cliente são digitais, o processo de contratação web ou mobile, disponibilizamos um aplicativo onde o cliente consegue ver com muita transparência a economia mensal, tirar dúvidas, atendimento, cadastrar cartão de crédito e chamar amigos”, explica José Otávio Carneiro Bustamante, fundador e CEO da Enercred.
Para o empreendedor, a crescente abertura do mercado livre de energia deve beneficiar modelos de negócio como o da Enercred. “Neste momento teremos uma grande vantagem competitiva, por já estar trabalhando com clientes residenciais de uma forma muito pulverizada no mercado de geração compartilhada”, diz Bustamante.
Dentro deste contexto de crescimento do uso de energias renováveis, um movimento que se fortalece no mercado é o da busca por certificação e rastreamento da origem da energia, de modo que seja possível validar que o consumo de uma determinada empresa advém, de fato, de fontes renováveis.
Hoje, o processo de rastreamento conta padrões estabelecidos globalmente pela I-REC Standard, organização que provê critérios que podem ser implementados pelos sistemas locais que rastreiam os atributos de energia para que os consumidores, em todas as regiões do mundo, possam ter acesso aos certificados de energia renovável (REC – Renewable Energy Certificate), os quais são reconhecidos internacionalmente.
Gabriel Mann, da ENGIE Brasil Energia, comenta alguns dos benefícios dos certificados de energia renovável.
“Os certificados de energia renovável comprovam que a eletricidade consumida pela sua empresa é proveniente de fonte de energia renovável, podendo ser utilizados para neutralizar as emissões de Escopo 2 (emissões indiretas pelo consumo de energia) do Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no âmbito do Programa Brasileiro GHG Protocol. Com isso, a empresa pode comprovar o consumo de energia a partir de fonte renovável, ter ganho de imagem e criação de valor pela iniciativa sustentável e contribuir em ações e iniciativas socioambientais vinculadas às usinas, aponta Mann, acrescentando que, hoje, a ENGIE possui soluções de produtos renováveis que são voltados a empresas que buscam soluções de descarbonização para suas atividades: os Certificados de Energia Renovável (RECs), os Contratos de Energia Renovável (ENGIE-REC) e os Créditos de Carbono..
No Brasil, o rastreamento e fornecimento dos certificados de energia é realizado pelo Instituto Totum que, desde 2012, atua no mercado de energia, quando desenvolveram um sistema para valorização e validação da energia renovável produzida no país. Fernando Giachini Lopes, explica como funciona o processo de rastreamento das energias renováveis.
“Em 2016, nós fomos procurados pela I-REC Standard para sermos o primeiro Emissor Local credenciado pela organização, fora da Europa. Passamos então a adotar oficialmente os padrões internacionais por meio do sistema de RECs. O Sistema de RECs, basicamente, funciona como um sistema de registros e alegações no qual registramos as plantas de energia renovável e, para cara cada 1 MWh (Megawatt-hora) de energia efetivamente injetada no GRID, geramos um certificado de energia renovável (REC).
Esse certificado é transacionado no mercado para as empresas que compram energia renovável e querem fazer alegação de uso dessa energia. Então nós temos, aqui no Brasil, uma plataforma de sistema de informação, com uso de blockchain, que controla o sistema a nível local e essa plataforma conversa com a base de dados do I-REC Standard, na qual estão 100% das transações mundiais com energia renovável no padrão I-REC”, aponta Lopes.
Benjamin Gerber, diretor-executivo da M-RETS, aponta, por sua vez, o uso dos RECs como peça importante para obtenção de investimentos no cenário atual do mercado.
“Temos visto um crescimento da importância do rastreamento da energia renovável como consequência da expansão do uso de fontes renováveis em diferentes indústrias e no ambiente corporativo como um todo. Em diversos contextos, empresas necessitam de relatórios de sustentabilidade com uma validação externa do consumo de energias limpas para conseguirem investimentos”, comenta Gerber.
Confirmando essa perspectiva, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) divulgada no Jornal Diário Catarinense, apontou que 10% das carteiras dos bancos brasileiros abarcam empresas que têm preocupações socioambientais dentre suas prioridades.
Na mesma reportagem, especialistas comentam que determinados fundos de investimento só aplicam seus recursos em empresas que possuem relatório de sustentabilidade, respeitam as diretrizes para a preservação ambiental e utilizam energias renováveis.
Diante deste cenário, inovações têm sido criadas visando reforçar a segurança em relação aos dados envolvendo a produção e o uso de fontes renováveis de energia.
A startup francesa The Energy Origin (TEO), por exemplo, coleta dados de produção e utilização de energia verde, fornecendo acesso às informações e certificados de consumo para seus clientes, tudo isso por meio de uma plataforma online. A startup utiliza blockchain para validar seus certificados, conforme explica Thierry Mathieu, cofundador da TEO.
“Utilizamos o blockchain para validar as informações sobre as fontes renováveis, com o objetivo de evitar a contagem dupla destes dados. Cada certificado, cada atribuição, recebe um registro no blockchain. Este registro, por sua vez, não pode ser alterado e pode ser auditado a qualquer momento. Isso traz total transparência para as empresas e usuários de energia verde. O blockchain é uma ótima ferramenta, pois faz o armazenando, criptografa, fornece acesso externo e criando trilhas auditáveis, tudo na mesma operação”, explica Mathieu.
Com investimentos na casa de US$ 279 milhões em 2017, o crescimento do uso de blockchain no mercado de energia pode se tornar uma tendência, atingindo US$ 7,1 bilhões até 2023, de acordo com projeção da Markets and Markets. Outro fator que pode impulsionar o uso do blockchain é a gradativa descentralização do mercado de energia e a busca por confiabilidade em um mercado cada vez mais pulverizado. Thierry Mathieu avalia algumas das possibilidades para este cenário futuro.
“O mercado de energia está evoluindo, rapidamente, para um segmento descentralizado, com muitos prosumers, mercados locais e redes inteligentes a vista. Dispositivos domésticos controlados por IoT serão a ponta final desta revolução. Começando pelo grande consumidor, pelos grandes sites de produção, a mudança para ativos cada vez menores será possibilitada pela tecnologia, teremos também o gerenciamento da energia do lado da demanda por meio das baterias de veículos elétricos, dentre outras inovações”, conclui Mathieu.
Os veículos elétricos e o próprio conceito de mobilidade elétrica, aliás, tem motivado o surgimento de novos modelos de negócio dentro do mercado de energia e estão diretamente conectados com a busca por produtos mais sustentáveis no mercado. A MovE, por exemplo, é uma startup de São Paulo que desenvolve soluções embasadas nestes conceitos.
“A MovE é uma startup como uma plataforma de serviços digitais voltados para o segmento da mobilidade elétrica, especificamente para o gerenciamento de estações de recarga de veículos elétricos. A solução da Move engloba aplicativos para condutores de veículos elétricos, sistemas de gestão e serviços para redes de eletropostos e painéis de operação para fabricantes de estações de recarga”, explica Cesare Quinteiro Pica, CEO da MovE.
Embora um mercado ainda tímido no Brasil – segundo números da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), foram vendidos 10,6 mil carros elétricos no país dentre os anos de 2012 e 2018 – no mundo, os carros elétricos vem ganhando um espaço significativo, sobretudo com a adesão mais ampla de mercados como o Chinês.
Já no primeiro semestre de 2018, a frota de carros elétricos superava 3,2 milhões de unidades e segundo a Bloomberg New Energy Finance (BNEF), eles devem ser maioria até 2040. O próprio mercado nacional deve enxergar uma expansão neste sentido, com a ABVE projetando um crescimento de 300% na compra de veículos elétricos até 2026.
Para Cesare Quinteiro Pica, essa possível abertura do mercado para os veículos elétricos e para outras tecnologias é fruto também de um processo de modernização do segmento de energia no país que propicia, consequentemente, o surgimento de soluções inovadoras.
“O mercado de energia, em comparação com outros segmentos, levou um tempo maior para iniciar investimentos consistentes em modernização, mas, de uns anos pra cá, tem intensificado de forma significativa seu processo de digitalização. A maturidade deste processo ainda é inicial, mas o setor tem mostrado motivação e abertura para novas soluções e iniciativas tecnológicas que podem contribuir com o mercado”, encerra o CEO da MovE.
A Sun Mobi é uma startup que criou um aplicativo para fornecimento de créditos de energia solar e gestão de consumo mobile para que o cliente saiba, com antecedência, quanto gastou durante o mês. A startup já recebeu aporte de R$ 952 mil da Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP).
A Metha é uma startup de Curitiba que desenvolveu uma micro-central hidrelétrica capaz de produzir energia renovável em residências ou propriedades rurais. Recebeu R$ 1 milhão em investimentos do Programa Empresa Brasileira da FINEP, agência pública de fomento à inovação.
A Energy Vault é uma startup suiça que desenvolveu um modelo de armazenagem de longa duração para energias renováveis (solar e eólica), tendo como base o uso de energia cinética e gravidade. A startup já recebeu US$ 110 milhões em investimentos.
A LanzaTech é uma startup americana que desenvolveu uma tecnologia para reciclar resíduos sólidos urbanos, industriais e agrícolas, convertendo essas emissões e poluentes em combustíveis e produtos químicos. Já recebeu US$ 276,3 milhões em investimentos.