Acompanhe uma análise ampla sobre o mercado de Deep Techs, seus desafios, oportunidades e maturidade no mercado brasileiro
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Deep Techs. Quando paramos para analisar a combinação destes termos, é possível inferir que estamos tratando de ramos mais complexos do desenvolvimento tecnológico; mas quais, de fato, são as bases conceituais que sustentam a ideia da inovação profunda?
De acordo com artigo publicado por professores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, deep innovation diz respeito ao desenvolvimento de novas tecnologias ou produtos baseados em descobertas científicas.
Diretamente atrelado a esse conceito, o mercado das chamadas deep techs – empresas e startups cuja base tecnológica é ancorada em pesquisa científica – vem amadurecendo, ao longo da última década, no ambiente de inovação global.
A expressão deep tech foi cunhada por Swati Chaturvedi, CEO da companhia de investimentos Propel(x), com o intuito de diferenciar startups que criam soluções a partir de tecnologias já existentes no mercado; daquelas que, propriamente, desenvolvem novas tecnologias por meio de ciências e pesquisa em áreas como matemática, física, biologia ou engenharia.
Dito isso, só na Europa, por exemplo, estima-se que as deep techs tenham recebido US$ 8,4 bilhões em investimentos no ano de 2019 – o que indica um aumento de mais de 25% em relação a 2018, quando os investimentos chegaram a US$ 6,4 bilhões na região.
Globalmente, os investimentos nas principais tendências de deep techs atingiram, em 2018, investimentos na casa de US$ 18 bilhões e, desde 2015, o setor vem crescendo em uma média de 20% ao ano, conforme números do Boston Consulting Group. Tais investimentos foram divididos pelo BTG nas sete seguintes categorias:
É importante, por sua vez, reforçar que as deep techs possuem algumas características singulares quando comparadas com o ecossistema tradicional de inovação.
Segundo amplo estudo da SGInnovate – Venture Capital especializada em Deep Techs de Singapura –, por exemplo, startups que atuam com inovação profunda costumam lidar com problemas complexos que afetam a sociedade contemporânea como um todo (cura de doenças, mobilidade, aquecimento global, desenvolvimento industrial, etc.); se baseiam, como citamos acima, em descobertas científicas ou de engenharia avançada; além de necessitarem, no geral, de aprovações regulatórias e de propriedade intelectual, além de autorizações governamentais para disponibilizarem seus produtos no mercado.
O conceito de deep techs possui também intersecções com outros ramos da inovação, como no caso das hard techs.
Daniel Pimentel, diretor da EMERGE – consultoria de inovação que trabalha conectando soluções desenvolvidas em universidades e centros de pesquisa com o mercado – analisa os pontos de contato e as diferenças entre esses dois conceitos.
“Na EMERGE, assumimos uma tradução de que deep tech é a da empresa de base e de desafios científicos. Por exemplo: grande parte das startups digitais tem desafios técnicos e de mercado; as de base científica também, mas, além disso, as deep techs terão desafios científicos, em que todos os conceitos e consequências não estão completamente dominados, sendo necessário testes e maior entendimento Há intersecções entre as deep techs e as hard techs, por exemplo, que são empresas e startups de hardware. Muitas empresas de deep techs trabalham diretamente com o desenvolvimento de hardware. Se você pega uma startup que fornece soluções de medical devices (dispositivos médicos), há essa convergência perfeita entre hardware e ciência. Todavia, se analisarmos uma empresa de controle biológico por exemplo, ela vai utilizar de infraestrutura laboratorial, mas o produto dela é um ser vivo. Além de outros exemplos como engenharia de tecidos e novos fármacos. Utilizam-se de hardware, mas os produtos são órgãos, e medicamentos, não um hardware”, explica Pimentel.
No Brasil, o desenvolvimento do mercado de deep techs vem sendo impulsionado por hubs de inovação e gestoras de fundos de venture capital especializadas no desenvolvimento de soluções avançadas para diferentes segmentos de mercado.
É o caso, por exemplo, da Antera, responsável pela gestão dos fundos de venture capital Primatec (especializado nos setores de Energia, Sustentabilidade, Economia Criativa e TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação – e que conta, em seu portfólio, com startups de IA, visão computacional, machine learning e realidade aumentada) e Criatec (fundo multisetorial criado em 2007, a partir de iniciativa do BNDES, que já investiu em mais de 36 empresas presentes em 8 estados brasileiros, incluindo investimentos em deep techs de nanotecnologia e biotecnologia).
Pensando em hubs de inovação atuantes com o mercado de deep techs no Brasil, podemos citar como exemplo o State, que abriga, em seu ecossistema, startups de inovação profunda, hard techs e de economia criativa, além de sediar, desde o início do ano, o centro de inovação francês La Fabrique, por meio de uma parceria com BNP Paribas, Carrefour, Edenred e Ingenico.
Outro empreendimento interessante é a BiotechTown, hub de inovação de Minas Gerais, especializado em biotecnologia & ciências da vida que tem como sócios o Fundepar (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional) – administradora do fundo Seed4Science, especializado em empresas de base tecnológica; e que se propõe a ser o primeiro investidor institucional de deep techs do país – e a Codemge (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais).
Apesar dessas iniciativas, o Brasil precisa superar alguns desafios importantes para que a consolidação de um ambiente mais maduro de deep techs se torne uma realidade viável.
É o que comenta Paula Salomão Martins, gerente de novos negócios da Antera, professora de empreendedorismo e inovação da FIAP e doutora no tema escalabilidade de negócios baseados em ciência, pela COPPE/UFRJ.
“Temos um cenário curioso no Brasil. Somos um país bastante próspero e produtivo em termos de produção de conhecimento científico. Por outro lado, estamos apenas na posição 66º no Índice Global de Inovação (IGI). Isso demonstra que não estamos conseguindo converter esse estoque de conhecimento em valor para o mercado. Isso se deve, a meu ver, a duas principais barreiras. A primeira é cultural: nas áreas ligadas às hard sciences nas universidades, o empreendedorismo ainda é muito pouco difundido e os pesquisadores acabam optando, na maioria das vezes, por uma carreira estritamente acadêmica. Além disso, temos o desafio do amadurecimento dos modelos de negócio. Estamos falando de tecnologias de crescimento muito lento, que exigem persistência, inclusive porque muitos mercados não estão preparados para receber estas inovações. Como não temos a base de uma cultura empreendedora, os pesquisadores têm de ser desbravadores para fazer os negócios acontecerem”, analisa Martins.
Conforme apontado pela professora da FIAP e gerente de novos negócios da Antera, o Brasil, de fato, é um dos maiores produtores de conhecimento científico em todo o mundo.
De acordo com relatório da Science-Metrix de 2018, empresa norte-americana que produz pesquisas de mercado sobre ciência e tecnologia, o Brasil é o 13º país que mais produz artigos científicos em todo o mundo, sendo o primeiro, em relação a publicações de acesso aberto – ou seja, disponíveis gratuitamente e sem maiores bloqueios na internet.
Em relação a questão da cultura empreendedora nas universidades, o diretor da Fundepar, conselheiro da BiotechTown e professor da Fundação Dom Cabral, Euler Santos, acredita que já há alguns indícios positivos de transformação, entretanto, alguns conhecimentos precisam ser difundidos entre os pesquisadores.
“Vemos, cada vez mais, na academia, cientistas se interessando em empreender, pegar parte da pesquisa e levar isso para um nível mercadológico. Mas, ainda há muita carência em termos de conhecimento de gestão, funding, fluxos de caixa e rotinas gerais de um negócio. Os pesquisadores ainda precisam amadurecer conhecimentos para lidar com a lógica do mercado. Esse é um dos grandes desafios: fazer a ponte entre gestão e negócio tecnológico; traçar o caminho necessário para transformar uma pesquisa acadêmica em um negócio com produtos viáveis que precisam ser distribuído no mercado para gerar valor”, diz Euler.
Outra questão importante envolve a necessidade de maiores investimentos, tanto do setor público, quanto da iniciativa privada, no desenvolvimento da ciência e da pesquisa no país, de modo a fomentar, inclusive, o surgimento de novas iniciativas no terreno das deep techs.
Este movimento, no entanto, vem retrocedendo ao longo dos últimos anos na esfera pública. De acordo com matéria da Época Negócios, por exemplo, em 2010, os investimentos em ciência e tecnologia giraram em torno de R$ 10 bilhões; já em 2017, esse investimento foi de R$ 4,8 bilhões; enquanto em 2018, o orçamento previsto para a área de pesquisa chegou a R$ 1,4 bilhão.
“Temos de ficar muito preocupados, não somente como empreendedores neste segmento, mas também enquanto sociedade civil e enquanto nação, com o corte de bolsas de pesquisa, descontinuidade, redução de investimentos, bem como a não previsibilidade de recursos para universidades e centros de pesquisa. Não existe país que se desenvolveu, na sociedade contemporânea, sem investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação”, frisa Daniel Pimentel, da EMERGE.
Na contramão dessa queda de investimentos na esfera pública, vale apontar que a crise do coronavírus têm demonstrado o potencial da ciência e das próprias startups que atuam com inovação profunda na superação de desafios que afetam todo o país.
Em reportagem recente, Guy Perelmuter – CEO da Grids Capital e um dos maiores especialistas do país em deep techs – acredita que os investimentos neste mercado devem crescer no cenário atual, impulsionados por tecnologias que proponham, por exemplo, novos modelos de trabalho, monitoramento da saúde a distância, controle do aquecimento global e automação industrial.
“Quando se avalia um negócio baseado em hard science ou deep tech, vemos modelos e propostas estruturadas sobre áreas na fronteira do conhecimento e que, muitas vezes, não possuem um corpo de conhecimento de base bem consolidado – seja pelo grau de novidade do próprio desenvolvimento científico, seja pela combinação e interseção entre áreas não afins. Nesse sentido, não se sabe quais serão os resultados produzidos pelo avanço na ciência ou tecnologia, nem daquilo que vai ser concretizado em produto ou processo, se transformando em negócio efetivamente. Não há previsibilidade, nem uma relação de causa e efeito lógica. Em muitos casos, os conceitos científicos ou tecnológicos por trás de determinado negócio nascente não estão profundamente enraizados ou consolidados no meio acadêmico, muito menos no mercado. Apesar disso, há um potencial gigantesco para a criação de aplicações capazes de ressignificar mercados, mas há também um nível de incerteza e de risco expressivos, inerente ao desenvolvimento científico e tecnológico de ponta”, conclui Paula Salomão Martins, da Antera.
Graças a esse potencial de disrupção, o terreno das deep techs tem atraído, inclusive, a atenção de grandes empresas do mercado de tecnologia interessadas em firmar parcerias de inovação aberta com startups do país.
Um exemplo relevante é o da IBM, que lançou, no Brasil, o programa IBM Open Ventures, em dezembro do ano passado e já vem trabalhando com startups em uma série de projetos, incluindo deep techs e hard techs.
“Temos uma história grande de P&D. Há mais de 20 anos a IBM, recorrentemente, é recordista mundial de registro de patentes. Isso não muda o fato de que há no mercado muita tecnologia de extrema qualidade e com enorme potencial que precisamos aproveitar. O IBM Open Ventures visa trazer tecnologias que, por alguma razão, não temos internamente e que resolvem problemas relevantes de nossos clientes. Quando conversamos com aceleradoras, fazemos um filtro muito minucioso em seus portfólios para identificar reais oportunidades; estamos interessados em empresas que consigamos integrar, com agilidade, em projetos IBM internos e externos. Nosso foco central está em gerar negócios conjuntos IBM/Startup que beneficiem nossos clientes”, conclui Marcelo Salim, Head de Open Ventures na IBM.