12 de setembro de 2022 Artigos

Um amanhã customizado: impressão 3D, manufatura aditiva e “plataformização” da indústria

Uma análise sobre tendências de customização e impressão 3D, além de soluções de startups que estão construindo a tendência de plataformização da indústria

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A busca por personalização é um dos fatores que, inegavelmente, movimentam o ambiente de negócios contemporâneo e que faz parte de um novo perfil de consumidor, o qual anseia tanto por experiências de compra mais individualizadas quanto por produtos desenvolvidos de modo customizado. Este movimento é um dos fatores que impulsiona o crescimento da impressão 3D.

Uma pesquisa da Deloitte aponta, por exemplo, 36% dos consumidores tem expresso interesse em comprar produtos e serviços personalizados, enquanto 48% dos entrevistados estaria disposto a aguardar um prazo de entrega mais longo em troca de um item personalizado de acordo com suas demandas.

Como bem observa o levantamento, tal busca do consumidor impulsiona, por consequência, um movimento, de customização em massa capaz de gerar frutos extremamente positivos, uma vez que 1 em cada 5 consumidores estaria disposto a pagar até 20% a mais por um produto personalizado, ao passo que 22% dos mesmos consumidores concordaria em dividir seus dados em troca deste objetivo.

Customização em massa

A discussão sobre customização em massa, a bem da verdade, não é particularmente nova na indústria. Já no início da década de 1990, publicações especializadas e livros como Mass Customization: The New Frontier in Business Competition, do pesquisador Joseph Pine, tratavam sobre o início das mudanças nos modelos de produção em prol de uma maior satisfação das necessidades e anseios de clientes.

Todavia, com a escalada global dos processos de digitalização industrial e o avanço de novas tecnologias, o fato é que a customização em massa se torna, cada vez mais, uma meta concretizável e, propriamente, um dos motores da indústria 4.0.

Apenas para efeito de esclarecimento, o conceito de customização em massa envolve, conforme explicado pelo professor Vitor Nardelli, pesquisador chefe do Instituto SENAI de Inovação em Metalmecânica, para o portal A voz da indústria, “customização em massa é a capacidade de ofertar produtos ou serviços personalizados, que atendam às demandas individuais dos consumidores, mas que podem ser produzidos e entregues com a eficiência da produção em massa”.

Pensando na realidade brasileira, Ricardo Gonçalves, diretor de marketing e vendas da Pollux, multinacional brasileira de tecnologia industrial e referência em indústria 4.0, acredita que alguns segmentos já estão mais avançados na tendência de customização.

“O desafio da indústria em relação a customização é produzir em larga escala os pedidos personalizados. Dentro desse contexto, já existem exemplos de linhas de montagem e de preparação de kits que recebem os pedidos dos clientes – nos sites das empresas – e preparam exatamente conforme o desejo. Essa já é uma realidade tanto no setor automotivo como no setor de alimentos. Este é um tipo de negócio que já está em crescimento acelerado, devido ao avanço dos e-commerces.”

A onda da personalização

Pensando no comércio virtual como um driver dos processos de customização, um artigo recente do portal e-commerce Brasil destaca, dentre outros pontos, que os avanços tecnológicos na indústria permitem que hoje, o mercado de personalização, antes restrito às camadas da população de maior poder aquisitivo, fique mais próximo da realidade de grande parte dos consumidores.

Seguindo este enfoque de entendimento do perfil de consumo da indústria de customização, uma pesquisa da YouGov divulgada em reportagem do portal especializado IndustryWeek aponta que os maiores consumidores de produtos personalizados são os millennials, que correspondem a cerca de 40% daqueles que têm interesse em adquirir produtos personalizados.

Ainda de acordo com a matéria, a mudança cultural, por parte da indústria, é um dos principais desafios para que as companhias possam abraçar este conceito. 

Por sua vez, é interessante analisarmos, do ponto de vista da inovação, quais as soluções e a infraestrutura tecnológica que, no contexto da indústria 4.0, vem impulsionando a busca por produtos customizados.

Em matéria do portal Indústria 4.0 é destacado que, a partir do uso de tecnologias habilitadoras como, IoT (Internet industrial das coisas), Cloud Computing, Big Data, Realidade Aumentada, Inteligência Artificial, algumas empresas do país já possuem os recursos necessários para a produção customizada em série e que este novo momento da indústria permite que “o cliente seja inserido na cadeia de produção de qualquer item que deseje personalizar”.

Já, a reportagem do portal IndustryWeek, citada no parágrafo anterior, destaca o papel das impressoras 3D neste contexto, destacando, em tradução livre, que o uso de impressão 3D, em conjunto ou não com processos convencionais de manufatura, permite que os prazos de entrega nas indústrias sejam reduzidos em até 80%.

O mercado de impressão 3D

Pensando, especificamente, no mercado de impressão 3D, é interessante analisarmos alguns dados para que possamos dimensionar o papel desta tecnologia dentro da busca pela customização em massa, bem como, outras possíveis aplicações das impressoras 3D dentro do contexto industrial brasileiro.

Neste sentido, um levantamento da consultoria Markets and Markets aponta que, até 2025, o mercado global das impressoras 3D deve atingir um valor de US$ 42,9 bilhões, com crescimento médio de 23,3% (2018-2025).

A consultoria indica ainda que, em 2018, este segmento atingiu US$ 9,9 bilhões de valor de mercado em 2018 e que, as principais tendências de aplicação desta tecnologia envolvem o design e produção customizados, a sinterização a laser (processo de formação de materiais sólidos) e a prototipação; com destaque para as possibilidades de aplicação nas indústrias automotiva, eletrônica, de healthcare, energia e aeroespacial.

Por sua vez, o CB Insights destaca em um artigo que, o potencial de eficiência e o alto grau de customização que a impressão 3D traz para a indústria faz com que a tecnologia seja aplicável dentro de uma ampla variedade de segmentos econômicos, como arquitetura e construção; indústria alimentícia; indústria farmacêutica; setor automotivo e até mercados menos conectados com a realidade industrial, como educação ou arte. 

Já um estudo de 2016 da PwC focado no ambiente industrial dos Estados Unidos aponta que mais de 71% das manufaturas americanas já utilizam impressoras 3D, majoritariamente nos processos de prototipagem (31,4%), mas também na produção de produtos-finais (6,6%), além da utilização para a construção de produtos que não podem ser produzidos por métodos industriais tradicionais (2,5%).

É curioso observar, ainda, que 17,4% das manufaturas estudadas se encontram em etapa de estudo da tecnologia de impressão 3D, para determinar qual o melhor uso destes equipamentos em suas realidades.

A indústria brasileira neste contexto

Levando em conta, especificamente, a realidade industrial brasileira, uma reportagem recente da TOTVS publicada no portal A Voz da Indústria analisa que, embora a tendência de impressão 3D ainda represente uma fatia modesta do mercado global (cerca de 2%), a expectativa é de que cada vez mais empresas passem a utilizar esta tecnologia.

A matéria cita, por exemplo, os cases da fabricante de caminhões MAN, que reduziu de dois meses para algumas horas seu processo de prototipagem por meio das impressoras 3D; e o caso da ThyssenKrupp, que produz elevadores e utiliza a impressão 3D para a fabricação de peças sobressalentes.

Rodrigo Krug, CEO da Cliever, startup gaúcha fundada em 2012 que está presente em mais de 2 mil indústrias do país de diversos portes e segmentos, destaca o papel das impressoras 3D na tendência de modularização da indústria e a possibilidade de redução de custos e geração de valor graças a esta tecnologia.

“A customização, acredito, é o caminho que as tecnologias de impressão 3D irão seguir. Hoje, para você desenvolver um produto, o ferramental é tão caro, que se você não tiver uma assertividade muito grande no produto, ele não se sustenta, não gera retornos. Neste sentido, vejo, cada vez mais, os produtos sendo modularizados  – teremos um produto base que, a partir dele, será possível construir outros diferentes produtos e, na camada final, você consegue aplicar a impressão 3D para adequar a demanda do cliente, tornando-os o mais sob medida possível, tudo isso em menos tempo e com a possibilidade de produção de tiragens menores por um custo competitivo. Afinal de contas, o grande desafio da indústria, no final do dia, é custo. E o custo está ligado a tiragem dos produtos que, muitas vezes, não são viabilizados porque a tiragem de venda vai ser baixa; então, a impressão 3D entra como uma tecnologia agregadora neste contexto”, explica Krug.

Sobre a questão da redução de custos em produções de menor tiragem, o gerente para o Brasil da fabricante americana de impressoras 3D Stratasys destaca, em matéria da revista Pesquisa, da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que os ganhos podem ser significativos em produções inferiores a 2 mil peças.

Neste patamar, segundo o executivo, a redução de custos pode chegar a 60%. A matéria analisa ainda um case da GE Aviation, que utilizou a tecnologia de impressão 3D para a produção de peças de motores de helicóptero, conseguindo ganhos na redução de tempo, peso da peças, tudo isso obtendo um corte de custos de 60% na produção.

Os benefícios de um futuro customizado

Outro benefício da tendência de customização impulsionada pelas impressoras 3D e pela própria expansão da indústria 4.0 envolve um melhor aproveitamento do uso de máquinas. Segundo dados divulgados por reportagem da agência Aberdeen, por exemplo, empresas que implementaram alguma forma de personalização obtiveram economia de 62% relacionada ao corte no tempo de inatividade de produção. 

Rodrigo Krug destaca ainda uma maior flexibilidade gerada pela manufatura aditiva (processo de manufatura no qual se inserem as impressoras 3D e que, de modo simplificado, consiste na sobreposição de materiais para a produção de objetos, tendo como base arquivos digitais), ressaltando, entretanto, o desafio de fazer com que as pequenas e médias indústrias possam usufruir dos benefícios desta tecnologia.

“A grande sacada da manufatura aditiva é a possibilidade de criar designs sem limitações de acordo com os materiais, formas, etc. Além disso, estamos falando de um processo digital. Ou seja: seu projeto é um arquivo digital que circula na nuvem, então você pode fazer a impressão dele em qualquer lugar, tendo maior flexibilidade e dinamismo em sua produção. O grande desafio para o nosso mercado é fazer com que a pequena e média indústria seja capaz de aplicar a impressão 3D nos seus processos, em seu dia a dia, ou até mesmo, na criação de peças únicas.”

Desde o fim de 2018 sediada em Belo Horizonte, a Cliever recebeu investimentos de R$ 3 milhões da Confrapar, gestora de fundos que tem movimentado o mercado de manufatura aditiva no Brasil, já tendo investido, por exemplo, na Compass 3D, especializada no desenvolvimento de soluções tecnológicas para o mercado de odontologia.

Bruno Gellert, Fundador & CEO da Peerdustry e Coordenador do Grupo de Trabalho em Manufatura Avançada da ABIMAQ, concorda que um dos desafios do ambiente industrial brasileiro é a inserção das pequenas e médias manufaturas no contexto 4.0. Para tanto, Gellert ressalta, por exemplo, os esforços da ABIMAQ que incluem desde um caráter mais educacional até a inserção do tema no debate público brasileiro.

“Na ABIMAQ, começamos a ver o tema da indústria 4.0 com mais atenção em 2014, quando criamos o grupo de trabalho em manufatura avançada visando reunir os players desse mercado e começar a discutir como implementar a indústria 4.0 no Brasil. Uma vez estruturado, levamos o conceito em câmaras setoriais da ABIMAQ e trouxemos empresas que estavam desenvolvendo uma metodologia de implementação da indústria 4.0 para compartilhar o roadmap delas com associados. É um aprendizado estratégico conjunto. Além disso, toda presença da ABIMAQ defende muito essa bandeira, conseguimos voz para interagir, apoiamos a frente parlamentar de máquinas e equipamentos, discutimos com outras entidades. Nossa função é levantar o tema, buscar o consenso e apoiar as indústrias em seu movimento de abertura para as novas tecnologias”, sintetiza Gellert.

Com uma análise macro do mercado de manufatura aditiva, Gellert aponta que todos os ganhos propiciados pela impressão 3D estão inseridos em um contexto de digitalização da indústria global que começa a gerar efeitos no Brasil.

“Eu acredito que a impressão 3D vai, ao longo dos próximos anos, impulsionar os processos de fabricação no Brasil, tornando-os mais rápidos e mais baratos. O que já vemos são setores de manutenção com impressoras 3D que estão começando a produzir peças para que não haja a necessidade de se parar uma linha de produção. Isso já está acontecendo na maioria das grandes empresas. Quando falamos em impressoras 3D, estamos entrando na digitalização da manufatura, na qual você desenha, prototipa, imprime e fábrica por meio de arquivos digitais. A usinagem, que é a manufatura subtrativa – ela retira material – e a impressão 3D, que é a manufatura aditiva, todas juntas, de forma digital, vão ser as principais máquinas de manufatura do futuro e, depois disso, as máquinas de manipulação, que são máquinas para a montagem de produtos, irão propiciar um ambiente industrial mais flexível”, comenta Gellert.

Seguindo esta tendência de flexibilização e digitalização da indústria, uma das premissas da Peerdustry é a ideia de manufatura compartilhada e “plataformização” da indústria. Por meio de um marketplace, a startup une fábricas com máquinas ociosas a empresas que necessitam de maquinário para produção. Com isso, a Peerdustry reduz a necessidade de investimentos em parques industriais, sobretudo para produções específicas ou em pequenas tiragens, além de otimizar o processo orçamentário das empresas.

Fundada em 2016, a Peerdustry já conta com mais de 350 fornecedores homologados em sua plataforma e mais de 2 mil máquinas de usinagem prontas para produção em sua base. A startup foi acelerada pelo programa Liga Autotech conduzido pela Liga Ventures, em parceria com o Grupo Comporte, Grupo Continental e Mercedes-Benz.

Saiba o que os profissionais de grandes empresas e especialistas estão falando sobre o tema em entrevistas completas aqui

InovaHouse3D

A InovaHouse3D desenvolveu uma impressora 3D capaz de imprimir materiais cimentícios, visando a atuação na construção civil. A startup de Brasília, fundada em 2015, também trabalha com impressões em plástico e conta com o apoio do SENAI e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.


Wishbox

A Wishbox é uma startup catarinense de manufatura aditiva que desenvolve, comercializa, oferece suporte e consultoria para impressoras 3D, especialmente para o segmento médico, industrial e de educação. Conta com clientes como Electrolux, Intelbras, LG, Motorola, FIAT e Vale.

Fabric8Labs

A Fabric8Labs é uma startup americana que desenvolveu uma impressora 3D especializada em impressões em metal, focada em velocidade, redução de custos e sustentabilidade. Fundada em 2015, já recebeu US$ 4 milhões em investimentos.

Arculus

A Arculus é uma startup alemã que desenvolveu um sistema para possibilitar a produção modular nas indústrias. Através da ferramenta, é possível controlar fábricas e depósitos, com visualização em tempo real. A startup, fundada em 2016, já recebeu US$ 3,5 milhões em investimentos.

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