12 de setembro de 2022 Artigos

A indústria do futuro

Um primeiro olhar para o futuro da indústria 4.0 no Brasil e para as iniciativas tecnológicas que fomentar o setor industrial no país

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Discutir o futuro da indústria no Brasil e quais portas serão abertas pelo mercado para o avanço de novas tecnologias no parque industrial brasileiro é especialmente desafiante quando pensamos, por exemplo, que muito ainda precisa ser feito em prol da digitalização da indústria nacional e para um melhor entendimento do conceito de indústria 4.0. 

A indústria brasileira ainda dá os primeiros passos em matéria de adoção de processos mais inovadores, e os líderes empresariais ainda têm dificuldades em efetivar planos de ação para uma implementação efetiva da indústria 4.0. Em relação a este segundo aspecto, vale reforçar, o Brasil não parece muito atrás do restante do mundo. 

O contexto global da indústria

Conforme revela um levantamento de 2019 da Harvard Business Review, sobre a também chamada 4ª revolução industrial “os executivos estão lutando para desenvolver estratégias eficazes nos mercados em rápida mudança de hoje. Diante de uma variedade cada vez maior de novas tecnologias, os líderes reconhecem que têm muitas opções para escolher e, em alguns casos, carecem da visão estratégica para orientar seus esforços”.

O estudo contou com a participação de executivos de 19 países e apontou ainda que apenas 47% dos líderes empresariais acreditam que seus esforços são suficientes para uma implementação efetiva da indústria 4.0 em seus negócios.

Na visão de Anne Priscila Litaiff, autora do índice de maturidade em indústria 4.0 do SENAI, coordenadora do MBI em indústria avançada e especialista em inovação da FIESC, para que os líderes da indústria abram caminhos para as novas tecnologias, é preciso que haja um esforço para a padronização e otimização dos processos.

“O conceito de Indústria 4.0 tem como grande objetivo a tomada de decisão baseada em dados para que as empresas se tornem mais ágeis e assertivas, só que, falando da manufatura das empresas, se você não tiver processos padronizados, você não vai conseguir entender o que precisará digitalizar e medir, porque você não tem histórico. Então, antes de mais nada, precisamos de sistemas padronizados baseados nos modelos internacionais. Além disso, os gestores têm de se empoderar dos métodos de otimização, das novas tecnologias, e entender o quanto isso é importante e pode gerar melhores resultados dentro das fábricas”, explica Litaiff.

A formação educacional dos gestores, aliás, é um grande ponto a ser superado dentro deste cenário de mudança da indústria brasileira e global. Segundo um estudo da Deloitte com executivos do país e de outras 18 nações, apenas 28% dos líderes da indústria nacional acreditam que o sistema educacional brasileiro prepara os profissionais de modo satisfatório para atuarem no novo ambiente industrial que se está construindo. 

O crescimento dos investimentos

Mesmo diante deste inegável desafio educacional, o fato é que os investimentos em novas tecnologias têm crescido na indústria brasileira.

De acordo com uma pesquisa da CNI, do início de 2016 até o início de 2018, o montante de investimentos em tecnologias digitais na indústria cresceu 10 pontos percentuais, passando de 63% para 73%, sendo que os principais focos desses investimentos estavam relacionados com processos produtivos e, em segundo lugar, desenvolvimento de novos produtos. Além disso, já em 2018, 48% das grandes empresas assumiram a intenção de investir em soluções 4.0.

Tais investimentos podem ser um reflexo de que, apesar dos obstáculos educacionais e culturais, há um caminho sendo traçado no Brasil para o desenvolvimento da indústria 4.0 no país e mesmo um olhar para as tecnologias que irão construir o futuro de nosso parque industrial.

Carlos Paiola, sócio e diretor comercial na Aquarius Software e professor do curso de Indústria 4.0: Conceito, Método e Aplicação Prática na Fundação Vanzolini, expõe uma visão que vai ao encontro desta perspectiva, ressaltando que o Brasil está construindo uma identidade industrial coerente com nossa realidade.

“Apesar da iniciativa regional brasileira ter começado com cerca de 2 anos de atraso com relação à alemã Industrie 4.0, acredito que conseguimos obter um bom nível de maturidade. Aprendemos bastante com os acertos – e também com os erros – das iniciativas de outros países que começaram antes de nós, como os EUA e a própria Alemanha. Já temos muitas indústrias com projetos e implantações reais de Indústria 4.0 no país, fazendo uso de seus resultados há meses ou até mesmo anos. Creio também que o Brasil conseguiu encontrar a sua “identidade industrial”, dando um direcionamento adequado aos seus esforços e acelerando a obtenção de resultados em alguns segmentos chave, como o agroindustrial, por exemplo”, comenta Paiola. 

Pensando no desenvolvimento da indústria 4.0 no país, merece destaque, por exemplo, a movimentação de grandes empresas como a Suvinil-BASF. Ricardo Gazmenga, diretor de operações da companhia no Brasil, explica alguns dos desafios e o processo de transformação iniciado pela Suvinil-BASF nos últimos anos.

“A indústria 4.0 é um caminho sem retorno e as empresas têm de se adequar a este novo cenário. Estamos falando, verdadeiramente, de uma nova etapa da revolução industrial. Neste sentido, tenho visto que há um movimento, por parte da indústria brasileira, em busca de se adaptar a este novo contexto, e a BASF é uma das empresas que está inserida – sobretudo nos últimos anos – neste movimento de transformação de uma forma bastante forte. No final do ano passado (2018), por exemplo, quando foi revista toda a estratégia global da empresa, a digitalização se tornou um dos pilares centrais da estratégia e foi criada uma estrutura global que nos fornece toda a parte de suporte para a implementação de novas tecnologias, além de estar focada em fazer conexões com empresas de tecnologia e startups, para que todas as fábricas e plantas tenham um desenvolvimento efetivo em direção a indústria 4.0. “, analisa Gazmenga.

O papel da inovação

Levando em conta este cenário de transformação, analisar as tecnologias que poderão se fortalecer, de modo mais efetivo, na realidade da indústria brasileira, é uma questão importante e, para tanto, destacamos três eixos tecnológicos principais, com base na discussão com especialistas do mercado e análise de outros materiais especializados do Brasil e do mundo.

São eles: a inteligência artificial e suas diversas aplicações na indústria; os avanços nas tecnologias de customização; além das possibilidades apresentadas pelas soluções de Realidade Virtual e Realidade Aumentada. 

No âmbito da Inteligência Artificial, é interessante observar que, segundo o report Industry 4.0: Challenges and solutions for the digital transformation and use of exponential technologies (Indústria 4.0: Desafios e soluções para a transformação digital e o uso de tecnologias exponenciais), da Deloitte, a Inteligência Artificial (em conjunto com outras tecnologias como os sensores e uma manufatura robotizada) tem “o potencial de aumentar a autonomia, acelerar a individualização” na indústria, ao passo que o estudo considera a IA como uma das tecnologias capazes de “mudar radicalmente os processos industriais, os tornando mais rápidos e flexíveis”.

Não à toa, em um levantamento da PwC lançado em 2019, 58% dos executivos consultados no estudo apontam que a integração de analytics com inteligência artificial é uma de suas três principais prioridades, tendo em vista a obtenção de insights de negócio, ao passo que 36% já estão integrando dados advindos de soluções IoT com sistemas de inteligência artificial em suas empresas. 

Para Anne Priscila Trein Litaiff, do SENAI de Santa Catarina, “a inteligência artificial está em plena expansão, ainda mais com a computação quântica se desenvolvendo a passos largos. A inteligência artificial vai transformar os sistemas de produção e, muitas vezes, ela mesma vai tomar decisões a partir da análise de um grande volume de dados, e tornando essa decisão mais precisa e mais ágil”. No entanto, Litaiff frisa que, para extrair todo o potencial de novas tecnologias como as soluções de IA, é preciso um planejamento estratégico para extração de dados fabris. 

“As indústrias precisam, neste sentido, criar os dados, conectá-los de alguma forma. Como você consegue dados das fábricas? Por meio de sensores, mas não adianta espalhar sensores pela fábrica inteira, você precisa saber o que está buscando medir, de modo estratégico, organizado e inteligente. Quanto mais rápido e mais organizados esse dados chegam para o tomador de decisão, maior é o valor agregado para a indústria”, aponta a coordenadora do MBI em indústria avançada do SENAI/SC.

Customização

Por sua vez, no capítulo do estudo destinado para as tecnologias de customização, abriremos espaço para a análise de startups brasileiras com projetos consolidados no setor, bem como, para uma visão objetiva sobre os desafios deste mercado ao longo dos próximos anos.

Para entendimento inicial, vale citar que, as principais aplicações para as impressoras 3D na indústria global, atualmente, envolvem a prototipagem (55%), produção (43%) e provas de conceito (41%), segundo dados divulgados pela Forbes. Entretanto, como veremos mais a frente, o potencial deste mercado pode ter impactos em segmentos que vão da construção civil até a indústria médica.   

O Professor e Coordenador da Pós-Graduação em Engenharia Industrial 4.0 na Universidade Federal do Paraná, Pablo Valle, ressalta a importância da pesquisa para que o mercado de impressão 3D se consolide, de fato, no Brasil.

“As expectativas por parte das indústrias do que essas novas tecnologias podem proporcionar são enormes. Por exemplo, pode-se dizer que a manufatura aditiva ou impressão 3D está para a área industrial assim como o carro autônomo está para as cidades inteligentes. Ou seja: sabemos que é o horizonte a ser perseguido e, por conseguinte, temos uma jornada intensa e importante nessa direção. Investimento em pesquisa básica e, sobretudo, aplicada é a chave para acelerar essa transição”, explica Valle.

Realidade aumentada e realidade virtual

Por fim, analisaremos o avanço das tecnologias de realidade aumentada e virtual na indústria que, como veremos mais a frente, pode, por exemplo, auxiliar gestores nos processos de treinamento e capacitação de novos profissionais. 

Mas o potencial das tecnologias de RA e RV na indústria vai além.

Em um report sobre as fábricas do futuro, o CB Insights elenca algumas das capacidades da realidade aumentada e virtual para o setor industrial, incluindo uma participação mais efetiva “nos processos de fabricação futuros”, nos quais, RA e RV irão desempenhar “um papel maior em P&D e efetivamente abstrair o PC de mesa para designers industriais, possivelmente eliminando a necessidade de modelos físicos impressos”, além de serem tecnologias capazes de “aumentar as habilidades do trabalhador”, por meio da comunicação de indicadores de desempenho, atribuição de trabalho e uso da visão computacional para  “mapear as peças de uma máquina, como um manual visual em tempo real”.

Não à toa, a realidade aumentada e virtual tem aberto oportunidades para startups no ambiente industrial país. Ricardo Gazmenga explica algumas das áreas que a BASF tem observado com mais atenção, ressaltando, no entanto, que a geração de valor é crucial para que os investimentos sejam realizados com assertividade.

“Aqui na BASF, acreditamos que uma área com muitas oportunidades de inovação é a de engenharia, manutenção corretiva, preventiva e preditiva, interligando soluções de RA e RV com IoT; a área de segurança e meio ambiente também oferece oportunidades, assim como a própria linha de produção. Mas, vale salientar que temos o cuidado de não seguir uma tendência de inovação apenas porque é moda. Adotamos sempre uma visão crítica para perceber as soluções que, de fato, podem gerar valor para nossas operações”, conclui o diretor de operações da Suvinil-BASF no Brasil.

Durante a análise do futuro da indústria 4.0 no Brasil e das novas tecnologias que podem consolidar a competitividade do país nesse cenário, veremos que, ao mesmo tempo em que os desafios de maturidade existem e precisam ser superados, novas oportunidades surgem, para startups e empresas atentas aos ventos da inovação, que podem, com isso, conquistar importantes diferenciais neste momento de retomada da indústria brasileira.

“Naturalmente o Brasil tem muito por fazer em termos de desenvolvimento tecnológico, o acervo de máquinas do nosso parque fabril tem em média 2 décadas e a indústria passa por tempos de transformação acelerada. Contudo, os profissionais brasileiros são altamente engajados e têm conseguido superar os obstáculos com trabalho árduo e competente”, conclui Valle.

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