Conheça os desafios relacionados a infraestrutura logística do país e as iniciativas tecnológicas de startups que buscam superá-los
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Para desenharmos um quadro dos desafios e possíveis oportunidades que o Brasil oferece no âmbito de sua infraestrutura, temos de ter em mente, antes de tudo, os principais modais de transporte utilizados para o escoamento de mercadorias no país.
De acordo com pesquisa da Fundação Dom Cabral divulgada no ano passado, 75% de toda esta distribuição é realizada pela malha rodoviária, seguido pelo transporte marítimo (9,2%) e pelo transporte aéreo (5,8%) como os principais eixos logísticos nacionais.
Esta concentração da logística brasileira no transporte rodoviário é um ponto de partida relevante para que possamos refletir sobre algumas das questões centrais que envolvem a infraestrutura viária do país.
A primeira envolve a própria necessidade de uma melhor distribuição do transporte de cargas dentre os diferentes modais transitáveis no país.
Tal distribuição, por sua vez, envolve uma maior participação e maiores investimentos do Governo no fortalecimento da infraestrutura nacional. No ano passado, porém, o movimento do poder público foi contrário a esta lógica. De acordo com dados do Tesouro Nacional, os investimentos em infraestrutura foram os menores em 10 anos, contabilizando apenas 0,4% do PIB Nacional, valor que corresponde a 27,8 bilhões.
Como agravante, os portos brasileiros, que seriam uma alternativa de menor custo capaz de aumentar a diversificação dos modais de transporte, perderam cerca de R$ 14,3 bilhões em investimentos públicos nos últimos anos, conforme levantamento da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA).
Para Carolina Parro, gerente de operações e logística do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), o desafio da diversificação de modais e de um maior uso do transporte marítimo passa também por uma difusão maior do conhecimento sobre os benefícios de outros modelos de transporte. Além disso, ela destaca a necessidade do desenvolvimento de ferramentas que possam auxiliar as empresas a integrar e gerir, de modo mais simples, os diferentes atores presentes na cadeia do transporte marítimo.
“Ainda existe muito desconhecimento dentro da intermodalidade. Para transformar este cenário, temos feito um trabalho artesanal de mapeamento, para entendermos o perfil de potenciais clientes – como é estipulado o frete, onde está localizado o armazém, como a operação é realizada – para que possamos entender a cadeia como um todo e disponibilizar a solução correta para cada empresa. Há ainda uma oportunidade muito grande no terreno da consultoria, no desenvolvimento de sistemas, no desenho de processos, porque muitos ainda não tem acesso à informação, às opções de modais e, por outro lado, a criação de relacionamento com despachantes, armadores, transportadoras, ainda é algo muito desafiador para as empresas, pois são muitos players que precisam ser controlados.”
De positivo, vale destacar o esforço do governo atual em abrir novas possibilidades de parceria entre a iniciativa privada e o setor portuário, conforme aponta matéria recente do jornal Valor Econômico.
No entanto, Carolina Parro reforça, para as empresas e startups que desejam contribuir para o desenvolvimento do portos do país, que é preciso investir na segurança e confiabilidade de suas operações.
“Existe um desafio central, para quem quer entrar no mercado, que é a questão de confiabilidade de informação. É preciso que as empresas e as startups entendam que nós somos área alfandegada e, por isso, a nossa lógica de confiabilidade de informação tem que ser muito alta, não podemos dar acesso a um player que não tenha se preparado neste sentido. Sendo assim, a questão de segurança física e de informação é um desafio para quem quiser entrar no negócio. Tecnologias como o blockchain e automatizações podem contribuir nesta jornada e já há alguns armadores testando soluções de blockchain, mas ainda é um movimento inicial e precisamos entender como ele vai evoluir”, sintetiza Parro.
A segunda questão envolvendo os desafios brasileiros de infraestrutura, já considerando a concentração no modal rodoviário, envolve a qualidade, a heterogeneidade e as longas distâncias percorridas nas estradas e rodovias do país. E isso porque, em uma nação de território tão vasto quanto o Brasil, temos desde regiões com boas estradas – porém, em muitos dos casos, com fretes e custos excessivos para as transportadoras – até rodovias em condições mais precarizadas, que aumentam, por sua vez, o custo de manutenção de veículos. É o que explica Tayguara Helou, presidente do SETCESP (Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo e Região).
“O desafio de infraestrutura é contínuo e permanente no mundo inteiro, pois, quanto maior o desenvolvimento econômico, mais infraestrutura é necessária para o escoamento de mercadorias. O Brasil, por ter dimensões continentais, diversidade climática e de relevo, deve encarar essa questão com ainda mais atenção. Nossa infraestrutura rodoviária, por exemplo, é deficitária em muitos locais e boa em alguns grandes centros: há um ditado de que nossas estradas ou são intransitáveis, ou são inviáveis, como no caso de São Paulo, pelo alto custo do pedágio”, comenta.
Dados recentes comprovam essa visão. De acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Transporte divulgada no fim de 2018, 57% das estradas brasileiras apresentam problemas de infraestrutura sendo que 35,2% delas podem ser consideradas regulares, 15,3% ruins e 6,5% foram consideradas péssimas, levando em consideração fatores como a qualidade do pavimento, da sinalização ou da geografia.
O levantamento também aponta a qualidade das estradas de acordo com a região: segundo o estudo, o Sudeste com o menor índice de estradas regulares, ruins ou péssimas (45,1%), enquanto a região Norte é a que concentra maior malha em condições adversas – 77,7%.
É importante reforçar, no entanto, que apesar da média ou baixa qualidade em mais da metade das estradas e rodovias brasileiras, este número é quase 5% inferior ao índice de 2017, que registrou problemas em 61,8% da malha rodoviária, segundo a mesma pesquisa da CNT.
Esta diversidade de condições nas rodovias do país é reforçada por Luis Felipe Machado, fundador e diretor da Formato Transportes, transportadora especializada na distribuição de cargas na região Nordeste.
“A falta de infraestrutura no país encarece os processos logísticos e dificulta a operacionalidade, a questão de prazos, rotas e a própria conservação e manutenção de equipamentos. Pensando especificamente em nosso eixo de atuação, dá para afirmar que o Nordeste é quase um país em termos de dimensão. Então essa questão das distâncias é um dos desafios para a gestão logística e os custos, consequentemente, são altos. Além disso, estamos falando de uma das regiões do país com menos infraestrutura, então você tem muitos roubos, estradas ruins, poucos postos para os motoristas pararem. E, também, temos os fatores regionais: cada estado tem suas particularidades, tratativas, formas de se comunicar e de se trabalhar. Isso tudo forma um conjunto de características que temos de levar em consideração em nossos processos para que tenhamos sucesso”, comenta Machado.
Sobre a questão dos custos, em um levantamento exclusivo para nosso estudo de logística, a SUIV, startup que conta com uma base de informações do mercado automotivo capaz de auxiliar as empresas a projetar seus orçamentos de manutenção preventiva, relacionou alguns dos itens mais recorrentes na manutenção de caminhões e seus respectivos custos, para que pudéssemos avaliar o impacto da troca de peças no dia a dia de uma transportadora.
Neste sentido, itens como kit de embreagem, platô e disco de embreagem, podem chegar a custar, respectivamente: R$ 11.456,79, R$ 4.4490,70 e R$ 4.754,56, a depender da marca e do modelo do caminhão. Ao todo, a manutenção dos principais itens de desgaste de um caminhão pode variar de R$ 2.291,96 até R$ 18.365,66, por veículo.
No levantamento da SUIV, foram considerados modelos da Volvo, Scania, Volkswagen, Mercedes-Benz e DAF. Ao todo, dez diferentes modelos foram utilizados para o comparativo.
Como forma de oferecer alternativas com menores custos para os seus clientes, a Formato Transportes, por exemplo, tem investido também no modelo de navegação por cabotagem, realizada entre portos e que cobre menores distâncias dentro do território marítimo de uma nação.
“Incluímos o serviço de cabotagem esse ano, como alternativa, para tentar apresentar soluções de redução de custos de transferência e para viabilizar as operações de nossos clientes. Como é um modal mais barato em relação ao modal rodoviário devido a questões como um piso mínimo de frete imposto para as transportadoras, há muitas vantagens neste sentido. Além disso, há uma questão ambiental, uma vez que você reduz o número de caminhões e de emissão de carbono nas estradas. Em contrapartida, o cliente precisa se moldar para a questão dos prazos, uma vez que o transporte rodoviário ainda atua de modo mais ágil.”
No âmbito da navegação de cabotagem, é interessante destacar que o Terminal de Contêineres de Paranaguá é um dos portos do país com maior movimentação dentro deste modelo – que pode ser uma ótima alternativa para a diversificação de modais no país. No início do ano, por exemplo, o TCP bateu seu recorde histórico em movimentação de carga de cabotagem.
O fato é que não se trata de excluir ou de estimular uma simples competição entre modais, mas sim, de pensarmos em termos de integração, diversificação e colaboração entre os diferentes eixos do transporte no país.
Além disso, a aplicação e desenvolvimento tecnológico pode contribuir para a superação de uma série de desafios impostos pela infraestrutura atual do país. Todavia, é importante considerar as particularidades de nosso território e cultura, para que este desenvolvimento tecnológico seja efetivo. É o que comenta Tayguara Helou, presidente do SETCESP.
“As empresas que não utilizam uma plataforma tecnológica, que não pensam em inovação, ou estão saindo ou já saíram do mercado. E por quê? Porque estamos falando de uma área com muitas variáveis, que necessita de planejamento otimizado e controles. Então a tecnologia é fundamental para que você consiga ganhar escala, se diferenciar em um mercado extremamente competitivo, para que se consiga integrar de forma rápida e em tempo real com embarcadores, destinatários e controlar as variáveis do âmbito logístico. Mas não adianta apenas acompanhamos as novas tendências do mercado no exterior se isso não é funcional. Precisamos entender do tipo de nossa produção e, em cima dessa avaliação, conectar um sistema logístico mais eficiente”, encerra Helou.
A Pathfind é uma startup de São Paulo que simula rotas por meio de uma solução web e desenha estratégias de entrega através de mapas eletrônicos e um sistema de roteirização focado em redução de custos. A empresa conta com clientes como Nestlé, Cerpa e Confenar.
Com um planejador de rotas focado na última milha e um gerenciador de serviços logísticos, a Vuupt atende diferentes segmentos, incluindo o mercado de transportadoras. A startup mineira foi fundada em 2016 e foi listada no ranking 2019 da 100 Open Startups.
A ClearMetal é uma startup americana que utiliza o poder dos dados para analisar cada pedido, de modo personalizado, e definir o melhor tipo de transporte e rotas para o cumprimento do lead-time de entrega. A startup já recebeu mais de US$ 12 milhões em investimentos.
Focada no transporte marítimo, a Shypple é uma startup holandesa que quer simplificar o comércio internacional por meio de cotações rápidas, rastreamento de cargas e painéis digitais para a gestão logística. Fundada no fim de 2016, já recebeu € 1,7 milhões em investimentos.