Uma análise sobre os desafios para o letramento digital, melhoria na formação tecnológica de professores e como desenvolver soft skills nos estudantes
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Um desafio diretamente ligado ao processo de transformação do mercado consiste na necessidade de difusão de novas habilidades digitais (letramento digital) que, de modo cada vez mais amplo, serão exigidas pelas empresas no contexto da indústria 4.0 e da expansão tecnológica nos mais diversos segmentos econômicos globais.
Como atender essa demanda pelo letramento digital dos estudantes brasileiros é um ponto que merece reflexão, sobretudo quando levamos em conta que a promoção de uma cultura digital é uma das exigências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em dezembro de 2018 pelo então Ministro da Educação Rossieli Soares Silva. Diz o documento:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
Conforme apontado por uma série de especialistas entrevistados para este estudo, entretanto, para pensarmos no letramento digital dos alunos das redes pública e privada de ensino, precisamos levar em conta, antes de tudo, a formação de um corpo nacional de docentes hábeis a lidar com tecnologias direcionadas para fins pedagógicos.
Uma pesquisa do Movimento Todos pela Educação que ouviu mais de 4 mil professores da rede pública do país aponta, por exemplo, que mais de 60% dos docentes nunca realizou cursos relacionados a aplicação de tecnologias digitais no ensino ou mesmo qualquer formação geral em informática.
O levantamento ainda demonstra que, superadas as barreiras de infraestrutura, a maioria dos professores está disposta a utilizar a inovação, a qual, segundo os docentes entrevistados, tem potencial para aumentar a motivação e o desempenho escolar dos estudantes.
Por sua vez, no plano discente, a maior parte dos alunos demonstra amplo interesse por ciência e tecnologia. O fato foi identificado em estudo da FINEP (Agência pública de fomento à inovação), o qual aponta que, para quase 80% dos estudantes, a disciplina de Ciências pode auxiliá-los no futuro profissional.
Além disso, segundo os alunos, o estudo de Ciências é fundamental para o desenvolvimento da tecnologia no país e deveria ser incentivado pelo poder público. A pesquisa ouviu 2 mil jovens, entre 12 e 17 anos, das redes pública e privada de ensino.
Quando unimos estes fatores – interesse do corpo docente e dos alunos -, em tese, temos um ambiente aberto para a inovação no ensino do país.
Neste sentido, como superar os desafios de formação dos professores para que estes agentes sejam capazes de disseminar habilidades digitais e colher os resultados de uma metodologia educacional que utiliza a tecnologia como aliada dos processos de aprendizagem?
Para Marcelo Lopes, diretor de tecnologia educacional da Consultoria Foreducation EdTech, que implementa soluções do Google ForEducation nas escolas e que une pesquisadores da educação, a resposta para essa equação envolve a quebra de um ciclo vicioso que atrasa a evolução das metodologias de ensino no país.
“No modelo atual das escolas, os professores, de modo geral, repetem as fórmulas que sempre utilizaram para ensinar ao longo da vida. Nós temos que investir numa atualização da didática dos professores, levando em consideração este novo contexto de transformação digital.”
É preciso, neste sentido, que as escolas, tanto da rede pública quanto do sistema privado, assumam um programa de transformação que inclua um planejamento estratégico com linhas de ações, definindo onde a instituição está e onde ela quer chegar.
Segundo Marcelo, o ecossistema de startups pode contribuir com este cenário de mudança. Para tanto, é fundamental que as empresas de tecnologia não centrem seus esforços somente na criação de soluções, mas pensem nas pessoas que irão utilizar estas ferramentas.
“O foco da Foreducation é a transformação de pessoas por meio de tecnologias abertas para melhorar processos de comunicação, gestão de salas de aula, transmissão de conteúdo e aumentar a produtividade. Nosso objetivo é fazer o intermediário entre a tecnologia e as pessoas. Caso as empresas, as startups, o governo e os centros de pesquisas não construam essa ponte, não teremos resultados pedagógicos relevantes”, acrescenta o educador.
Dentro deste contexto de busca pela transformação das pessoas, escolas especializadas que disseminam conhecimentos tecnológicos podem contribuir para a formação de profissionais mais bem preparados, capazes de enfrentar os desafios que já se fazem presentes no ambiente de negócios brasileiro.
A Digital House, por exemplo, oferece cursos presenciais e semipresenciais focados na promoção de soft skills e habilidades digitais como desenvolvimento web e mobile, marketing digital, data science e data analytics, além de uma formação voltada para a gestão de negócios digitais e um pacote de programas executivos.
“O core da nossa escola são os cursos, mas nós temos uma série de projetos de educação para expansão de nossa proposta de transformação, capacitando empresas e pessoas a adquirirem novas habilidades. Nosso objetivo central é formar lideranças com os skills necessários para conduzir a transformação digital pela qual o mundo está passando hoje”, explica Thiago Arantes, Gerente de Marketing da Digital House.
Mas como expandir o letramento digital para além dos grandes centros urbanos? Thiago reconhece que pelo fato de grande parte das startups e das empresas de tecnologia estarem sediadas em capitais como São Paulo, o acesso às habilidades digitais para os cidadãos que estão fora desses eixos é mais restrito. Apesar disso, ele acredita no potencial do empreendedorismo nacional para a reversão deste cenário.
“O empreendedorismo é um caminho para a democratização das habilidades digitais. Já temos todas as ferramentas para estabelecer dinâmicas de aprendizado em que a gente alcance mais e mais pessoas. Aliada a isso, temos uma população muito empreendedora. O que precisamos é ampliar e incentivar o empreendedorismo digital, ainda pouco difundido”, aponta Thiago Arantes, Gerente de Marketing da Digital House.
Já Tiago Mesquita, Gerente Geral da Ironhack, acredita que os cursos online e as plataformas de ensino a distância podem contribuir, de modo decisivo, para a difusão de habilidades digitais em um país de dimensões tão amplas como o Brasil.
Fundada em Madrid em 2013 e com 6 meses de operação no Brasil, o objetivo da Ironhack é qualificar, em apenas 9 semanas, pessoas que têm urgência em se reinventar profissionalmente para o mercado atual em cursos de design, programação e análise de dados.
O modelo de cursos intensivos, explica Tiago, advém de uma necessidade de transformar, de modo ágil, a mentalidade da sociedade quanto aos desafios da transformação digital e da indústria 4.0.
“A sociedade como um todo ainda não se ajustou a este novo cenário. O ensino é focado em memorização, não em estimular o pensamento crítico. Continuamos a apostar em licenciaturas de quatro ou mais anos para capacitar pessoas para realizar empregos que em pouco tempo não vão existir. Os exemplos são muitos, mas não são exclusivos do Brasil. O fato urgente é que há uma massa trabalhadora imensa que precisará ser requalificada no curto prazo caso o país não queira ficar para trás no cenário global”, comenta Tiago.
A tendência para o futuro, comenta o Gerente da Ironhack, envolve, ainda, uma transformação cultural em larga escala.
Precisamos ter em mente que os trabalhos para toda uma vida não farão parte do novo mercado. A tendência é que tenhamos diferentes empregos em diferentes áreas e empresas. Para ter sucesso neste ambiente, cada vez mais as soft skills serão um fator diferencial – empatia, inteligência emocional e outras”, conclui Tiago Mesquita.
A Maker Robotics é uma startup brasileira que, desde 2012, utiliza a robótica para difundir conhecimentos entre estudantes do ensino regular. Atuando em mais de 230 escolas, a EdTech já faturou R$ 2,5 milhões ao longo dos anos.
A brasileira Veduca, fundada em 2012, oferece mais de 30 cursos livres ligados às áreas de de comunicação, planejamento estratégico, gestão de projetos e desenvolvimento humano. Com cursos gratuitos e outros oferecidos a preços populares, a Veduca faturou, em 2018, R$ 3 milhões.
Por meio de um formato interativo e uma linguagem adaptada para a realidade infantil, a britânica Bright Little Labs busca desenvolver o pensamento crítico e as habilidades do século XXI entre crianças. A startup, fundada em 2015, já captou € 165 mil.
Fundada nos EUA em 2017, a Torch busca formar novos líderes por meio de uma integração de coaching e tecnologia, visando fortalecer o autoconhecimento e alta performance entre os usuários da plataforma que, em 2019, já captou US$ 10 milhões em investimentos.