Confira como as inovações tecnológicas e Food Techs estão impactando o setor, suprindo demandas não cobertas e oferecendo novas soluções para o mercado
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Em comparação a outros segmentos de startups no Brasil – como Saúde, Varejo, RH, Marketing, Agropecuária –, pode-se dizer que o conceito e abrangência das Food Techs no Brasil ainda é incipiente, dentro de um mercado que começa a dar seus primeiros passos em direção à inovação e utilização de tecnologia em seus processos e produtos. No entanto, já começam a impactar o setor, suprindo demandas não cobertas pela grande maioria das corporações já bem estabelecidas e oferecendo soluções interessantes para a cadeia de produção e distribuição de alimentos. Há quem diga, inclusive, que comida é a nova internet, por conta do seu tamanho, prosperidade e possibilidades de desenvolvimento.
Existem inúmeras definições para o termo Food Techs e, apesar de elas não se diferenciarem totalmente entre si, algumas carregam aspectos adicionais em relação às outras. Há definições, por exemplo, que consideram startups do mercado de alimentação como aquelas que se utilizam de tecnologia para aprimorar a cadeia como um todo, seja na produção, distribuição, fornecimento ou pós-consumo dos alimentos.
Outros as definem apenas como inovações que permitem às pessoas consumirem alimentos mais saudáveis, acessíveis, frescos, nutritivos e amigáveis para o meio ambiente; ou, então, uma definição mais abstrata: ideias interessantes que estão alterando o modo de criar, comprar, estocar, cozinhar e pensar sobre a comida.
No fim das contas, sem assumir nenhuma das definições como absoluta, as Food Techs podem ser vistas, de forma mais ampla, como novas tecnologias que otimizam e renovam os processos presentes nos elos dentro da cadeia de alimentação, ou que consigam, também, oferecer novas ofertas, produtos e inovações diretamente para o consumidor final.
Já com uma consolidação mais intensa e notável em países estrangeiros, a categoria já chama atenção em âmbito mundial, sendo tema de grandes palestras, eventos, notícias e reportagens ao redor do mundo. Não por menos, já que o mercado é extremamente próspero: segundo o The Food Tech Matters – instituição britânica que busca conectar empreendedores do setor com companhias, aceleradoras, investidores e outros players –, espera-se que o mercado de Food Techs atinja um valor global de £196 bilhões em 2022, aproximadamente R$ 980 bilhões.
Além disso, o número de investidores dentro do segmento triplicou nos últimos quatro anos. Assim, consequentemente os investimentos também são cada vez mais expressivos. De acordo com informações do PitchBook, até maio de 2018, fundos de Venture Capital haviam investido mais de US$ 1,3 bilhão no segmento, praticamente igualando o valor investido no ano inteiro de 2017 (US$ 1,5 bi).
Parte dos aportes realizados são motivados pelo interesse crescente de gigantes e grandes corporações e nomes conhecidos mundialmente, dentro ou fora do mercado de alimentação. No início de 2018, a Tyson Foods, por exemplo, investiu – por meio de seu braço de VC, a Tyson Ventures – na Memphis Meats, startup de clean-meat, que produz carne de laboratório a partir de células animais.
De acordo com Justin Whitmore, Vice-Presidente Executivo de Estratégia Corporativa e Diretor de Sustentabilidade da empresa, em comunicado, tal interesse significa novas oportunidades de crescimento, de forma a entregar aos consumidores novas opções de produtos. Nesse investimento, a companhia foi acompanhada pela Cargill e nomes como Richard Branson e Bill Gates.
Em 2013, seis anos atrás, o CEO da Microsoft já enxergava no mercado de alimentação um ambiente propício para a inovação, por ser, segundo ele, um segmento que pouco mudou nos últimos 100 anos. Em post publicado no Mashable, expôs sua preocupação em relação ao desafio de alimentar quase 9 bilhões de pessoas em 2050, enxergando grandes oportunidades para novas ideias e negócios que possam facilitar o acesso à comida para as pessoas mais pobres, especialmente quando se fala de proteínas.
“Existe uma parte muito interessante relacionada à física, química e biologia, que envolve as questões de sabor. Os cientistas de alimentos estão criando alternativas com sabor e textura extremamente similares aos da carne tradicional”, diz em seu artigo.
Além disso, enxerga outra questão fundamental no desenvolvimento desses produtos, que envolvem a saúde das pessoas e do planeta, já que podem ser mais nutritivos e menos gordurosos, além de impactarem muito menos o meio-ambiente. Até o momento, Bill Gates já realizou investimentos nas mais promissoras Food Techs, como a Beyond Meat, Impossible Foods e Motif Ingredients.
O bilionário Jeff Bezos é outro grande entusiasta do mercado, e sua visão otimista sobre as Food Techs, inclusive, impacta no varejo alimentar brasileiro. No início de março deste ano, o homem mais rico do mundo participou de um investimento de US$ 30 milhões na startup chilena NotCo, que desenvolve produtos com textura e sabor idênticos aos de origem animal, mas à base de vegetais. O montante investido, segundo notícia publicada pela Exame, será utilizado para expansão da empresa pelos Estados Unidos e América Latina. A marca deve chegar ao Brasil ainda em 2019.
Com o crescimento da penetração das Food Techs nos principais mercados internacionais, é natural que isso acarrete em evoluções e melhorias também no cenário brasileiro. Com um maior conhecimento sobre as inovações que acontecem mundo afora, é natural que os consumidores passem a demandar produtos similares no Brasil; novos hábitos e demandas podem ser, portanto, uma das forças de engrenagem para revolucionar, mesmo que aos poucos, o mercado de alimentação.
E, apesar de ser um segmento considerado “out of date” no aspecto tecnológico, já se pode enxergar benefícios claros que a tecnologia pode trazer ao setor.
“Antes de tudo, a tecnologia traz acesso à qualidade, que antes não existia tão claramente nos produtos. Além disso, para a indústria, são formas de diminuição de custos, aumento do shelf life, desenvolvimento de novos alimentos, novos ingredientes. O aumento de escala é importante, como novos equipamentos muito mais produtivos, com menor uso de recursos. Isso revoluciona o processo de produção”, diz Christiano Guirlanda, Engenheiro de Alimentos e Doutorando em Ciência de Alimentos pela UFMG.
Ainda, de acordo com ele, existe um grande espaço entre a indústria e o consumidor, já que faltam informações dos dois lados: em um deles, as empresas não conseguem de fato mapear os novos desejos das pessoas, que, por sua vez, ainda não entendem como as inovações, tecnologias e startups impactam nos produtos que consomem, mas estão sempre ávidos por novidades.
Tais desejos e necessidades dos consumidores já apresentam consequências positivas no segmento e abrem espaço para a consolidação de tendências globais também no mercado brasileiro. As novas gerações, com um estilo de vida diferente em relação às passadas, baseiam seus hábitos de consumo conforme sua rotina, buscando, cada vez mais, praticidade e conveniência em sua alimentação.
Por conta disso, o setor de Food Service tem registrado crescimentos expressivos numericamente nos últimos anos, apesar da crise econômica pela qual o país passa, muito por conta também da consolidação de serviços de delivery como iFood, UberEats e Rappi. Além disso, a procura por alimentos saudáveis também se mostra notável, em um cenário em que as grandes marcas têm focado seus esforços no lançamento de produtos mais nutritivos, com menos teor de açúcar, gorduras e sódio.
Atualmente, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de países quando se trata do consumo de alimentos saudáveis. Enxergando todo esse panorama, existem Food Techs já atuando nessas áreas, sendo com soluções de gestão para os atores da cadeia de Food Service, novos modelos de delivery e modelos de negócio que giram em torno da alimentação saudável.
Em relação a grandes desafios, existem dois principais que orbitam o mercado – e que trazem consigo grandes oportunidades para a criação de soluções –, relacionados à sustentabilidade na produção e a diminuição do desperdício de alimentos.
Seja produzindo mais com menos, diminuindo o impacto do setor no meio-ambiente, reutilizando produtos e resíduos que seriam, a priori, jogados fora, ou pensando em formas concretas de mitigar o desperdício, certo é que se espera a capacidade de alimentarmos um número cada vez maior de pessoas, o que talvez represente dos maiores desafios mundiais.
Isso porque mais de um bilhão de toneladas de alimentos é desperdiçada anualmente dentro da cadeia, número que tende a crescer juntamente com a produção. Ainda, os consumidores também cobram muito mais das marcas que consomem, exigindo transparência sobre a atuação delas em relação à preservação do planeta. De acordo a pesquisa global Environment Research, da Tetra Pak, de 2017, 95% dos entrevistados brasileiros acreditam que questões ambientais serão ainda mais relevantes nos próximos anos.
Pensando em iniciativas que poderiam nascer a partir desses desafios, existe ainda um espaço para amadurecermos em termos de investimentos em inovação e startups no setor, principalmente pela fase inicial do mercado – seja ela relativa à abertura dos players do segmento para receber inovações ou à falta de modelos mais concretos de negócio das Food Techs –, ou questões culturais e mercadológicas. Segundo Ana Carolina Bajarunas, CEO da Builders Construtoria e Idealizadora do FoodTech Movement, existe ainda um baixo nível de acesso à tecnologia dentro do setor.
“Há duas questões principais, a de mindset, que é natural e acontece na maioria das empresas, e uma questão de pouco acesso à tecnologia de ponta. Grande parte dos empreendedores estão olhando para a necessidade do consumidor e a entrega direta, serviços que não necessariamente precisam envolver alta tecnologia. Já existe o uso de inteligência artificial e machine learning em alguns casos, mas ainda é irrisório. É preciso aproximar mais as universidades e os cientistas desta conversa, para tornar a discussão ainda mais profunda”, declara Bajarunas.
Nesse sentido, movimentos começam a surgir no setor – como é o caso do próprio FoodTech Movement –, como forma de guiá-lo mais rapidamente em direção à inovação e conexão com o ecossistema de startups, abrindo espaço para grandes oportunidades. O Food Academy, como outro exemplo, já está em atuação e busca formar empreendedores do segmento de alimentação, justamente para torná-los maduros para o mercado.
Outras iniciativas, sejam programas de aceleração apoiados por grandes empresas, institutos focados no desenvolvimento de tecnologias específicas ou abertura de espaços voltados à integração entre os vários players da cadeia, começam a ser mais numerosas e tornam mais ágil o ritmo de transformação do setor.
Além disso, são importantes dentro do processo de consolidação de novas tecnologias, que às vezes podem parecer muito distantes da realidade brasileira. É o caso, por exemplo, do desenvolvimento e concepção de novas proteínas, como as carnes produzidas em laboratório e o consumo de insetos, que ainda enfrentam resistência no Brasil, por questões culturais e dificuldade de produção e desenvolvimento.
Por outro lado, produtos plant-based, alternativos aos de origem animal, já começam a ganhar espaço na mesa dos brasileiros, impulsionados pelo crescimento do número de veganos e vegetarianos no país, sempre interessados em opções que preencham suas demandas nutricionais.